A Bridgestone Firestone tem 24 meses para decidir onde vai investir perto de US$ 150 milhões numa nova fábrica de pneus. Maior contribuinte de Valor Adicionado da Prefeitura de Santo André, medida de riqueza de produção em forma de arrecadação de impostos, a BF não pretende deixar a região, mas pode ser levada a outro endereço se a questão da guerra fiscal não for solucionada até lá. Mesmo sem alardear o projeto de nova fábrica, a empresa de capital japonês que divide o mercado brasileiro com a italiana Pirelli e a norte-americana Goodyear já recebeu sete propostas de municípios de vários Estados interessados nos estimados 500 empregos. A projeção é de que nos próximos meses duas dezenas de novos interessados se manifestem.
O executivo Mark Emkes, presidente da subsidiária brasileira e membro do board internacional da BF, sabe que conta com o tempo como aliado para uma decisão que se diferencia da anterior, de preservar a fábrica quase sexagenária de Santo André. Ganhador dos principais prêmios do Grande ABC na última temporada -- Executivo do Ano do Prêmio Desempenho, da Editora Livre Mercado, e Empresário do Ano da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) -- exatamente porque conseguiu manter e modernizar em padrão internacional a Bridgestone Firestone de Santo André, Mark Emkes afirma que a empresa cumpriu a missão de responsabilidade social de permanecer no Município e assegurar 3,3 mil empregos mesmo diante das desvantagens que enfrenta com a guerra fiscal. A nova fábrica, por isso mesmo, terá compulsoriamente enfoque empreendedor mais pragmático. O compromisso com os acionistas pesa sobremaneira. Como convencê-los, e também ao comando da multinacional, a construir nova fábrica onde o Custo ABC se contrapõe às vantagens fiscais e de infra-estrutura de outras localidades?
Sem especulação -- Mark Emkes toma o cuidado de evitar especulações sobre o destino da nova planta da BF. O capital de credibilidade que amealhou em menos de três anos à frente da empresa é um patrimônio que preserva. Não foi por outra razão que recebeu no final do ano o título de Cidadão Andreense do Legislativo de Santo André, numa propositura apresentada pela bancada do PT (Partido dos Trabalhadores) que teve votação unânime. Mark Emkes toma o cuidado de evitar especulações sobre o destino da fábrica da BF. Nem de longe admite a possibilidade de usufruir deliberadamente da guerra fiscal. Discretamente, sem envolver-se explicitamente na polêmica que cerca o assunto, torce para que a disputa por investimentos seja mais ajuizada no País. Confessa que espera pela resolução do problema e, dessa maneira, possa anunciar que a unidade será em Santo André.
A possibilidade de o comando da BF escolher outro endereço para a nova fábrica, provavelmente na Região Sudeste do País, seria fator decisivo se a construção fosse aprovada nos próximos meses. Mark Emkes cita a potencialidade de consumo do Sudeste como um dos indicadores relevantes de investimentos sem perder a competitividade. "Não se pode dissociar produção de consumo, porque os custos com transporte podem anular ou reduzir os ganhos com redução de impostos, com infra-estrutura e mão-de-obra" -- explica o executivo, como que descartando aventuras norte-nordestinas.
Como tem dois anos para decidir a questão juntamente com executivos de ponta da BF, Mark Emkes explica que a esperança é de a companhia optar provavelmente por Santo André. A proximidade entre as duas unidades representaria vantagens gerencial, operacional e de logística que seriam detalhadamente expostas no projeto. Um exemplo é a possibilidade de contar com quadro de comando administrativo, gerencial e operacional praticamente inalterado, distribuindo-se novas funções aos executivos e operadores mais qualificados da fábrica atual.
Sem aprofundar-se sobre os pontos positivos e negativos que constariam dos estudos que nortearão a escolha da localização da nova fábrica, Emkes lembra que o custo da mão-de-obra é fator desfavorável ao Grande ABC, diante da descentralização produtiva dos concorrentes. Entretanto, há ponderações que amenizam o quadro. Ele cita o fato de a BF manter relacionamento exemplar com funcionários e o sindicato dos trabalhadores, além de ter contado com apoio da Administração Municipal. Menciona também uma expressão em inglês equivalente ao que pode ser chamado de cultura do trabalho para dizer que o Grande ABC transpira capacitação para a atividade fabril.
Não se trata exatamente de qualificação técnica superior da mão-de-obra regional, como trombeteiam sindicalistas mais radicais na tentativa de abrandar os custos diretos e indiretos da folha de pagamento. Já se foi o tempo em que ter operário qualificado era reserva regional. Como se sabe, expandiu-se o processo de treinamento e reciclagem com a descentralização de montadoras e autopeças, sem contar o avanço das redes de entidades voltadas para a preparação do trabalhador, como o Senai (Serviço Nacional da Indústria).
O assunto é outro. Cultura do trabalho é estar disposto a produzir, ter a alma da produção. Uma conquista histórica da industrializada Grande ABC que outras regiões ainda sentem dificuldades de absorver e que Mark Emkes, atento observador dos indicadores de produtividade, soube captar. A contraface dessa vantagem, que é a hostilidade ao capital por causa de uma outra cultura, a do sindicalismo exacerbado, foi dizimada pelo fairplay diretivo de Mark Emkes. Sem contar que diminuíram consideravelmente os ensurdecedores decibéis anticapitalistas na região.
A lua-de-mel de quase três anos com funcionários e sindicato faz de Mark Emkes executivo entusiasmado com os resultados e interessado em expandir a companhia em Santo André. Em julho próximo, quando se completarem três anos de presidência da BF brasileira, Emkes terá alcançado 30% de aumento de produtividade. Uma grande resposta à desvantagem dos custos salariais confrontados com concorrentes que têm ou projetam unidades em regiões menos intensamente reivindicativas. Pesaram no processo tanto os US$ 200 milhões de investimentos que se completarão no próximo ano, contados a partir de sua chegada, como a melhor preparação e o empenho do quadro de funcionários, que Emkes chama de integrantes de equipe. "Modernizar uma fábrica com demissões é fácil; modernizar sem demitir é uma conquista de todos" -- afirma.
Diferentemente da fábrica de Santo André, um labirinto à produtividade porque conta com a produção de mais de 50 itens, a unidade programada para entrar em operação em quatro anos reunirá conteúdo mais simples e funcional. Terá poucos produtos na linha de produção, que agregará tecnologia de ponta em todos os setores. Algo semelhante a uma unidade da BF recentemente inaugurada na Carolina do Sul, Estados Unidos, que envolveu investimento de US$ 400 milhões e gerou apenas 800 empregos, com capacidade de produzir 25 mil pneus por dia.
R$ 770 milhões -- Instalado num amplo e discreto gabinete recheado de troféus e cartões de homenagem tanto de revendedores como de funcionários da BF e do sindicato que os representam, Mark Emkes é um executivo em alta no board da BF. Os resultados financeiros de 1999 mostram que ele conseguiu combinar premiações diversas com resultados práticos. A companhia aumentou em 27% o faturamento bruto em reais, que atingiu R$ 770 milhões. O contragolpe ao recuo do mercado doméstico depois da desvalorização da moeda em janeiro do ano passado foi o fortalecimento das exportações para Estados Unidos e Canadá. Enquanto a participação relativa junto às montadoras caiu 14%, o mercado de reposição cresceu 5% e as exportações saltaram 40%, mais da metade para o mercado norte-americano, que comprou 70% mais produtos brasileiros em reais.
Os opositores da globalização econômica, por considerá-la lesiva aos interesses de países emergentes como o Brasil, perdem o fôlego quando confrontados com a razão-base da estabilidade da Bridgestone no País e a manutenção de 3,3 mil empregos. Não fossem as exportações dos pneus de passeio para neve e também os radiais para caminhões utilizados por norte-americanos e canadenses, a companhia teria acusado dificuldades e comprometido o desempenho com a queda de consumo registrada no mercado interno. Foram 1,5 milhão de pneus embarcados com a marca Firestone para aqueles dois países, além de porção menor, de outros produtos, para Mercosul e Chile. É claro que isso não é obra do acaso. A empresa tem investido maciçamente na antiga fábrica de Santo André. Equipamentos, máquinas, produtos, processos, mão-de-obra -- tudo está sendo revolucionado há quase três anos.
A previsão de Mark Emkes é que a BF vai crescer 20% em faturamento este ano. A unidade produtiva de pneu radial para caminhões com a marca Bridgestone vai estar funcionando a partir de julho na antiga fábrica e faz parte do investimento plurianual de US$ 200 milhões aprovado com a chegada de Emkes. O produto que a BF coloca no mercado nacional é importado de fábricas do Japão e dos Estados Unidos, em negócios entre unidades da companhia multinacional. Compra-se em dólar e vende-se em reais. A operação é economicamente inversa às exportações de pneus de passeio para neve e radial para caminhão. A rentabilidade geral de 10% registrada em 1999 deverá, com isso, elevar-se.
Varejo forte -- O mercado varejista é um dos pilares com que conta a BF. Investimentos continuam sendo direcionados ao fortalecimento da marca junto aos 350 revendedores que controlam 600 pontos-de-venda. Ao final de 1999 já tinham sido padronizadas 180 lojas de Norte a Sul do Brasil, inclusive no Grande ABC. Até agora a empresa investiu US$ 3 milhões em parcerias com varejistas. A BF seduziu os empreendedores ao dar prioridade ao treinamento e à reciclagem técnica. A operação estratégica de padronização visual dos estabelecimentos é um dos quesitos abordados. Se antes a companhia tinha de correr atrás de revendedores, a mão de direção se inverteu. Mark Emkes diz que formam-se filas de pretendentes a lojistas da marca. "Não estamos preocupados com quantidade, mas com qualidade" -- garante.
Preparando-se para os festejos de 100 anos da fundação da Firestone internacional, 60 dos quais no Brasil a se completarem em 2001, a companhia com sede em Santo André não quer transformar em pesadelo a dúvida sobre o endereço da nova fábrica. O presidente Mark Emkes prefere a versão otimista do problema, expresso no fato de que no horizonte da companhia existe a sólida perspectiva de que ao final de 2004 a unidade de Santo André estará com a capacidade produtiva esgotada. Que melhor notícia do que essa, se há menos de três anos, pouco depois da fusão entre a Bridgestone e a Firestone, o que se tinha era uma indústria exposta à obsolescência física e técnica e hoje está entre as mais modernas da companhia?
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