O estrebuchamento do mercado paralelo de telefones, antecipado por esta revista há quatro anos, quando a efervescência dos negócios jamais poderia pressupor tal desenlace, é a face mais visível mas nem por isso mais profunda da revolução que se operou no sistema de telecomunicações do Brasil. Quem vivia de comprar, vender ou alugar telefones e soube fugir da arapuca preparada em boa hora e com muita coragem pelo ex-ministro Sérgio Motta, o herói da desestatização, acabou se dando bem.
Vários desses atravessadores-empresários se ajeitaram em negócios similares, tornando-se revendedores de telefones celulares. Outros faliram irremediavelmente, deixando rastro de desesperados especuladores populares que confundiram telefone com ações que viraram pó. Eles acreditaram na possibilidade de multiplicar o valor de cada linha telefônica ao sabor da inflação e da escassez de acessos.
O fim do mercado paralelo comprova mais uma vez a eficiência da economia de mercado sobre a mafiocracia que deriva invariavelmente do poder autoritário do Estado, senhor absoluto na escolha de protegidos. Há, evidentemente, viuvinhas do fim da estatização das telecomunicações no Brasil. Certamente não são os usuários práticos e muito menos os usuários potenciais. Os usuários práticos porque, mesmo com todas as dificuldades que a Telefônica tem encontrado para combinar a acelerada expansão da base com a eficiência do sistema, contam com universo cada vez maior de interlocutores e qualidade superior da rede, já que o analógico sai cada vez mais de campo para a entrada do digital. A planta instalada de acessos no Grande ABC praticamente dobrará em dois anos de privatização, a se completarem em julho próximo. Os usuários potenciais porque o período de espera pela instalação de acessos foi drasticamente reduzido, quando não suprimido. Não faltam áreas da região em que a oferta de linhas é maior que a procura. Além disso, uma nova operadora, a Vésper São Paulo, está nos calcanhares do atendimento da Telefônica e oferece insumo sagrado na economia de mercado: concorrência.
Mão no bolso -- Dá para imaginar o que significa o fim da fila de espera por uma linha telefônica? Só quem sofreu com a voracidade do mercado paralelo espoliador e com a ineficiência estatal, irmãos siameses na arte de enfiar sem cerimônia a mão no bolso da demanda, pode responder com a veemência dos desagravados. O que deveria ser um serviço público ao alcance de qualquer cidadão transformou-se em investimento financeiro. Como só poderia acontecer, quem menos contava com acesso telefônico eram as classes sociais de menor poder aquisitivo, que não dispunham de US$ 5 mil (dólares mesmo) para comprar uma linha hoje acessível por 10 vezes menos. Estava evidente que o Estado fracassara em mais essa tentativa de meter-se a empreendedor, porque desprotegia os mais pobres do pão da comunicação, alimento indispensável numa sociedade em que cada vez mais prevalece o conhecimento. Telecomunicações tornaram-se matéria-prima das transformações.
Choram a viuvez da desestatização ex-operadores do mercado paralelo que, em combinações subterrâneas com executivos graduados de companhias estatais monopolistas a serviço de caixinhas eleitorais e de enriquecimentos ilícitos, viram secar a boquinha da manipulação de bolsas de telefones paralelos. Contando com linhas em estoque e com informações privilegiadas manobradas em conluio com representantes das teles estatais, e utilizando anúncios classificados de jornais como meio de massificação de ofertas, barões do mercado paralelo conduziam os negócios com a destreza de Al Capones. Tinham o poder de elevar ou diminuir as cotações das linhas telefônicas nos limites nada éticos de uma falsa lei de mercado -- a lei de Gerson.
Por isso, quando alguns políticos ainda se voltam contra privatizações no setor público, o mínimo que se pode considerar são três alternativas não necessariamente excludentes: eles têm saudade da mafiocracia, simplesmente ignoram os bastidores dos negócios imundos que se patrocinam com despudorada omissão geral ou são irremediavelmente enfermos de um nacional/socialismo de araque.
Por mais equívocos que eventualmente tenham sido cometidos no processo de privatização do então monopolístico sistema de telecomunicações do País, e tudo indica que há notórios exageros em contabilizar essa espécie de passivo, os resultados são efetivamente positivos. Além do fato de o Estado brasileiro não ter recursos para bancar um setor em que os investimentos se contam em bilhões de dólares, usuários do sistema já estão usufruindo das vantagens do mercado concorrencial.
Ethevaldo Siqueira, um dos maiores especialistas do setor no Brasil, diretor de publicação voltada para a atividade, mencionou recentemente um dos efeitos da abertura das telecomunicações. As ligações para os Estados Unidos passaram a custar no horário comercial entre São Paulo e Nova York US$ 0,90 o minuto, sem impostos, contra US$ 3,90 em 1995, quando a Embratel iniciou trajetória rumo à privatização. Nos horários de tarifa reduzida o preço do minuto cai para US$ 0,75. Não é preciso recorrer a mirabolantes equações aritméticas para dimensionar o impacto dessa transformação no conjunto da economia nacional. Telecomunicações, resumidamente, são molas propulsoras dos negócios. As facilidades de acesso e de uso de equipamentos refletem diretamente no dinamismo das relações comerciais.
Também o crescimento da Telesp Celular no ano passado é citado pelo jornalista como prova acabada e insofismável das vantagens de ter disponibilidade de investidores na área. O crescimento do número de celulares chegou a 60%, passando de 1,8 milhão para 2,9 milhões de telefones móveis. No mesmo período, a receita bruta da Telesp Celular cresceu proporcionalmente menos (38%). "O que mostra a tendência declinante dos preços dos serviços" -- escreveu.
Vésper reduz -- Tendência confirmada pela Vésper São Paulo, empresa-espelho de telefonia fixa que iniciou operação comercial no Estado no final de janeiro e que concorre com a Telesp/Telefônica. Desde o final do mês passado suas linhas passaram a ser comercializadas em três parcelas de R$ 33 nos 15 municípios inicialmente atendidos, entre os quais Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá. O preço de lançamento era de três parcelas de R$ 199 para São Paulo, Grande São Paulo e São José dos Campos e de três vezes de R$ 129 para Campinas.
Segundo o presidente da operadora, Virgílio Freire, a grade de valores inicialmente adotada levou em consideração a demanda reprimida de dois milhões de linhas, os diversos preços praticados pelo setor paralelo e o mercado não estimado em busca da segunda linha. "A empresa preferiu adotar estratégia de preços mais conservadora no lançamento, ao mesmo tempo em que escutamos o mercado e agimos para atender suas necessidades e encantá-lo" -- disse.
Os assinantes Vésper que pagaram os valores iniciais nos 15 municípios serão reembolsados integralmente. O vice-presidente de Marketing da Vésper, Rodolpho Carneuto, acredita que a empresa ficou mais competitiva, pois o preço da linha instalada está abaixo do praticado pela concorrência. Segundo Rodolpho, a Vésper São Paulo oferece diferenciais como rapidez na instalação, atendimento por equipe própria, uma extensão e um aparelho telefônico gratuitos, serviços especiais proporcionados pela tecnologia totalmente digital, além da garantia permanente de serviços.
É evidente que a redução do preço das tarifas e serviços não é obra do acaso. Como não houve rebaixamento de tributos no Brasil, entre os mais elevados do mundo, e a disputa pelo usuário tem nos intervalos comerciais da TV um campo de batalha glamoroso que nem de longe revela as entranhas do setor, a saída das empresas é aumentar a produtividade. A Telesp, controlada há quase dois anos pelo Grupo Telefónica, da Espanha, chegou a contar com 22 mil funcionários, contra 16 mil atuais. O barulho sindical contra o enxugamento não passa de evidente solidariedade intraclasse, induzindo a análises distorcidas sobre a realidade do setor. Como é impossível fazer omeletes sem quebrar ovos, os maciços investimentos na expansão da rede e a queda dos preços das tarifas têm ligação direta com a maior eficiência funcional. A sociedade pagava o pato dos desperdícios, do obsoletismo e das improdutividades da mesma forma que continua sendo esfolada por mais de meia centena de impostos, taxas, tributos e tantos outros instrumentos legais que o Estado articula para empanturrar-se de receitas sem oferecer a contrapartida desejada em serviços públicos.
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