Economia

A bola está
com os lojistas

WILSON MOÇO - 05/05/2000

Por fora bela viola, por dentro pão bolorento. O antigo dito popular se encaixa como luva à parte renovada da Rua Oliveira Lima, em Santo André, ainda que a reforma do piso não esteja completa porque a obra está embargada pela Justiça. Apesar disso, a cobertura e a iluminação de 200 dos 480 metros deram ares de shopping ao tradicional corredor lojista, sobretudo à noite. No entanto, basta olhar para a fachada e interior da maioria dos estabelecimentos para constatar que os empreendedores ainda não se conscientizaram de que embelezar e renovar o negócio é ponto crucial para reverter o processo de esvaziamento de público, que nos últimos dois anos caiu 40%, segundo pesquisa da SOL (Sociedade Oliveira Lima) divulgada em primeira mão por LM no mês passado. A entidade aposta nas exceções em fase de reestruturação como locomotivas para puxar um trem que está à beira de descarrilar. Apenas três empresas -- Besni, Zogbi e O Boticário -- estão investindo cerca de R$ 4,2 milhões na Oliveira Lima, praticamente o dobro do que a Prefeitura desembolsou para as reformas.


É cedo para acreditar que a intervenção do Poder Público e ações desenvolvidas pela SOL em conjunto com o Sincomércio (Sindicato do Comércio Varejista do ABC) consigam devolver à Oliveira Lima o troféu de principal ponto de compras da região, do qual foi a guardiã até a chegada dos grandes shoppings e o início das obras do Projeto Centro. O fato é que empreendedores acreditam na força e na tradição do Calçadão, a ponto de não só investir na readequação dos negócios como também na expansão dos pontos-de-venda.


O caso mais emblemático é o da rede de lojas de moda jovem Besni, que investiu cerca de R$ 3 milhões na compra do prédio onde funcionava a Lojas Brasileiras. O assunto é tratado sigilosamente, mas é certo que a empresa investirá perto de R$ 400 mil para reformar os seis andares, além do térreo. Serão quatro pisos destinados à área de vendas, que terá perfil de loja de departamentos. A inauguração está prevista para daqui a 60 dias e deverá gerar 130 empregos diretos. 


O negócio seria natural, até porque a circulação média de 40 mil pessoas por dia já justificaria o investimento. O fato, porém, é que a rede varejista já tem uma loja no Calçadão -- na parte descoberta --, que recentemente passou por ampla reforma. "É um investimento muito importante, principalmente porque vai ocupar o lugar de uma loja (a Brasileira) que era um dos tótens da rua. Além disso, vai ajudar a atrair o público jovem, aquela moçada que traz alegria e vivacidade" -- comenta Ricardo Fioravanti, gerente de Marketing do Sincomércio e uma das lideranças que mais batalham pela revitalização do centro comercial de Santo André.


A Besni não é a única a apostar na reviravolta do Calçadão. A veterana loja de departamentos Zogbi, há 45 anos instalada defronte ao renovado Largo da Estátua, botou tudo abaixo há cerca de três meses e investiu perto de R$ 500 mil para renascer com o mesmo ar de modernidade da nova Oliveira Lima. O gerente de vendas da rede paulistana de 30 lojas, Altir Rosa, afirma que a decisão de fechar por três meses e de injetar meio milhão de reais não foi aposta no escuro. "Acreditamos no potencial do Grande ABC, que tem força para se levantar, e também no projeto de revitalização do Centro" -- diz Altir, ao acrescentar que a Zogbi também mudou o mix. "Agora só vamos trabalhar com moda masculina, feminina e infantil, dispensando tapeçaria e produtos de cama, mesa e banho" -- afirma.


Em ponto comercial quase em frente, na esquina do Calçadão com o Largo da Estátua, está nascendo nova franquia da rede de perfumaria O Boticário, com investimento de aproximadamente R$ 200 mil. A expectativa é de que as instalações modernas do Boticário despertem a concorrência para a necessidade de investir em renovação, tanto de fachada quanto de instalações. O mesmo vale para lanchonetes mais antigas, agora acossadas pela concorrência do Café Embaixador, que também serve refeição por quilo. 


O empreendedor Márcio Rodrigues Ferreira Dias também acredita que a Oliveira Lima vai sair da UTI e recuperar prestígio junto ao consumidor do Grande ABC. Foi confiando nessa reestréia que arriscou todas as fichas ao assumir a franquia da fábrica de chocolates Kopenhagen há aproximadamente 10 meses, quando o trecho da Oliveira Lima onde está instalada a unidade era um canteiro de obras quase intransitável. Márcio Ferreira afirma que tinha a opção de ir para a Rua Pamplona, na Capital, mas acredita que o Calçadão lhe dará condições de crescer. Aposta tanto nisso que implantou entrega em domicílio para todo o Grande ABC, independentemente do valor da compra. "O bom atendimento fideliza o consumidor" -- conceitua Márcio Ferreira, que na Páscoa deste ano apurou crescimento de 20% em relação ao ano passado.


Quem também resolveu colocar fichas no Calçadão da Oliveira Lima foi Paulo César Muffato, que há um ano trocou o segmento de motéis pela franquia do McDonalds. A loja registra média de duas mil pessoas por dia, com pico de 330 tíquetes nos horários de maior movimento. Um dos projetos é construir piso superior, mas a ação mais imediata está voltada para a comodidade do cliente. "Pretendo instalar algumas TVs com sistema a cabo para oferecer mais conforto e melhor atendimento" -- diz Paulo César. 


Segurança e lazer -- A pesquisa da Sociedade Oliveira Lima revela que segurança e limpeza são as principais reivindicações dos lojistas. A entidade reforçou as ações da Guarda Municipal e da Polícia Militar com instalação de 14 câmeras que monitoram e gravam o movimento durante 24 horas. O projeto deverá ser estendido a outras ruas que formam o centro comercial de Santo André. A questão do lixo deve ter solução ainda este mês, quando a SOL define parceria com a Coopcicla para assumir a coleta das sete toneladas diárias, cinco das quais de resíduos recicláveis.


O estudo realizado entre janeiro e março deste ano mostrou ainda que 26,5% dos 2,5 mil consumidores ouvidos desejam ter mais opções de lazer e entretenimento na região central de Santo André. O resultado confirma que o local é carente desse tipo de atividade, considerada essencial pelos dirigentes da SOL e do Sincomércio para atrair público. Por isso, desenvolveram em conjunto com a Prefeitura o que foi batizado de Quatro Quilômetros de Cultura, projeto que envolverá Cine-Teatro Carlos Gomes, Casa da Palavra, Museu Santo André, Teatro Municipal e Concha Acústica do Largo do Carmo, onde o cantor Lobão se apresenta no próximo dia 18, dando a largada no projeto. "Permanentemente teremos shows, exposições, peças e outros eventos, inclusive na própria Oliveira Lima" -- garante Ricardo Fioravanti, do Sincomércio.


A movimentação para recuperar o Calçadão começa a ganhar corpo, mas não se pode jogar para debaixo do tapete a realidade de que os lojistas da Oliveira Lima vivem em dois mundos distintos: os que estão na parte coberta e aqueles que não foram beneficiados pela ação da Prefeitura. É inegável que a recuperação só será possível quando as duas partes estiverem vivendo sob o mesmo teto. Dirigentes da SOL e do Sincomércio sabem disso. Tanto, que já desenvolveram projeto para cobertura de mais 400 metros e construção de estacionamento subterrâneo no Largo do Carmo. Os investimentos somariam R$ 6,5 milhões, custeados pela iniciativa privada.


O gerente de Marketing do Sincomércio estima que as obras provocariam mais 18 meses de transtornos aos comerciantes e clientes da Oliveira Lima, mas os efeitos positivos seriam sentidos dentro de quatro anos. Ricardo Fioravanti aposta que o Calçadão remodelado por completo terá poder para atrair mais de 120 mil pessoas por dia em 2004, boa parte com poder aquisitivo superior ao de hoje, mais concentrado na classe C (59%), segundo a pesquisa da SOL. "A Oliveira Lima perdeu essa característica, mas voltará a ser vanguarda no comércio de rua do Brasil" -- exagera Fioravanti, empolgado com a visita que representantes do Recife, de Campinas e de Curitiba fizeram a Santo André para conhecer a revitalização desenhada no Projeto Centro.


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