É uma grande notícia para quem precisa empreender. Quatro Câmaras Municipais estão movendo a primeira peça no jogo necessário para amparar micro e pequenos empresários do Grande ABC com a criação do Comitê de Análise de Impacto Sócioeconômico dos Grandes Empreendimentos. A iniciativa já foi aprovada em Santo André, a partir de projeto de lei do vereador Márcio Pereira, e tramita nos Legislativos de São Bernardo, São Caetano e Mauá por inquietação semelhante demonstrada pelos parlamentares José Roberto de Melo, Ângelo Pavin e Felipe Carneiro, o Chiquinho do Zaíra, respectivamente, todos utilizando como argumentação o empilhamento de cadáveres denunciado em maio por LivreMercado.
Com base em dados do Sincovaga e do Sincomércio, sindicatos que representam o comércio de gêneros alimentícios no Estado de São Paulo e os varejistas do Grande ABC, respectivamente, a Reportagem de Capa da revista alerta que seis mil pequenos estabelecimentos sucumbiram na região desde o Plano Real. Além do vaivém da política econômica e do despreparo de quem abriu negócio próprio após anos de emprego na indústria, desequilibrou a balança o desembarque de grandes redes e shoppings sem que houvesse planejamento estratégico do Poder Público e de entidades empresariais locais. A partir do estudo de mercado que vai solicitar dos grandes empreendimentos, o Comitê de Análise de Impacto terá o papel de fomentar contrapartidas que preservem os negócios minúsculos.
Animado com a iniciativa dos Legislativos, o Sincomércio já tratou de aumentar o guarda-chuva de salvaguardas. Está apresentando ao Consórcio Intermunicipal de Prefeitos quatro pré-requisitos que entende serem fundamentais à sobrevivência dos pequenos: transferência de tecnologia das cadeias gigantes, facilidades na abertura de pequena empresa semelhantes às que as prefeituras concedem às grandes, cota-emprego para moradores do Município e definição de grande empreendimento por área de venda, não por número de funcionários. O tamanho seria a partir de dois mil metros quadrados. "O Comitê de Impacto é iniciativa singela, mas importante dentro dos esforços para preservar o pequeno empreendedor. Ninguém é contra grandes investimentos. Ao contrário, a partir do estudo de mercado que se exigirá antes que se instalem, será possível promover de forma conjunta o próprio planejamento das cidades, não apenas dos negócios pequenos" -- acredita o diretor de Marketing do Sincomércio, Ricardo Fioravanti.
O sindicato não entende como reserva de mercado a montagem de uma rede de proteção para micro e pequenos estabelecimentos. Desfavorecidos junto aos fornecedores, que priorizam grandes encomendas, e com fôlego curto frente à oferta de itens e aos preços das cadeias gigantes, a entidade interpreta como natural o Poder Público firmar fileiras ao lado de quem luta em desigualdade. Por isso, paralelamente à participação no Comitê de Impacto, o Sincomércio, o Sindicato dos Comerciários e a Regional da Apas (Associação Paulista de Supermercados) acabam de fechar acordo diferenciado com grupo de 48 pequenos estabelecimentos do Grande ABC para baratear as condições de trabalho. Entre outros benefícios, a hora extra na abertura aos feriados vai custar 80%, contra 100% do grande comércio, o vale-refeição baixa de R$ 15 para R$ 10 e fica abolido o vale-creche. Dia 12 deste mês o Sincomércio inaugura a Rede ABC de Negócios, em que pretende trazer para café-da-manhã, semanalmente, grupos de fornecedores para estreitar as relações com varejistas locais. As compras serão individuais, mas, feitas em grupo, permitirão criar condições de faturamento em pool, ou seja, a preços menores.
Carrefour vende -- Para se ter idéia de como a questão é relevante no Primeiro Mundo, o Ministério de Finanças da França acaba de obrigar o Carrefour a vender ou trocar oito hipermercados e 26 supermercados nos próximos 12 meses, além de proibir a expansão das lojas atuais e a abertura de novas por três meses. Tudo por conta da fusão com o concorrente Promodès, no ano passado, que deu ao Carrefour naco de 27% entre os supermercados franceses. A França é rigorosa no assunto. Não permite que grandes redes se instalem em centros urbanos densamente ocupados por pequenos varejos sem que obedeçam distâncias de dezenas de quilômetros. Nos Estados Unidos, negócios minúsculos têm acesso não apenas a crédito com aval do governo, mas a recursos a fundo perdido para desenvolver tecnologia e uma reserva equivalente a 23% das compras governamentais, relata o Sebrae nacional.
O Comitê de Análise de Impacto dos Grandes Empreendimentos criado em Santo André, segundo propõe o vereador Márcio Pereira, terá não só a tarefa de mapear os possíveis estilhaços de cadeias gigantes sobre o tipo de negócio e o nível de emprego do pequeno comércio ao redor, mas também propor compensações. Uma das contrapartidas é garantir faixa de emprego a pessoas com mais de 40 anos. Emenda do vereador Carlos Raposo também estabelece que as grandes redes destinem um terço da área para lojas ou prestadores de serviços com 50 metros quadrados.
O projeto de lei aprovado em Santo André, a exemplo dos que estão em análise em São Bernardo, São Caetano e Mauá, faz menção a experiências na França e em Porto Alegre, também já abordadas por LivreMercado. Na Capital gaúcha, da qual os legisladores do Grande ABC emprestaram inclusive o nome do comitê, o acordo da Prefeitura com o Carrefour garantiu, entre outros, 10% das contratações a pessoas com mais de 30 anos, construção de creche para 60 crianças e destinação do lixo a projetos de geração de renda. Além de um membro do Poder Público e outro da Câmara Municipal, o comitê de Santo André terá representantes de 10 entidades classistas, entre comerciantes, comerciários, advogados contabilistas e hoteleiros.
Não se trata de criar privilégios, diz Márcio Pereira, mas de estudar e recomendar, em conjunto, alternativas de sobrevivência do pequeno empreendedor. Exemplificou com um grande supermercado que impactou negativamente o varejo onde se instalou, há sete anos, na Vila Homero Thon. Igual preocupação foi demonstrada pelo vereador José Roberto de Melo, de São Bernardo, que se diz crescentemente assediado por microempresários do Bairro Planalto, sua base eleitoral. Médico com consultório no Centro de São Caetano, o vereador Ângelo Pavin cita que o pequeno empresário tornou-se ponto de honra a partir da perda de grandes indústrias. "Se mudarmos um ponto de ônibus sem estudar o que isso subtrai de público, matamos o varejo desse corredor" -- cita, sobre a importância do planejamento estratégico.
Banco do Povo -- Num Brasil onde sempre falta crédito para produção e desenvolvimento, mas transborda dinheiro no cassino mantido entre bancos privados e Banco Central para financiar o déficit público a juros altíssimos, o Banco do Povo é outra ação que se multiplica no Grande ABC em favor dos pequenos. Custeadas pelas Prefeituras e governo do Estado, acabam de brotar mais duas unidades na região, uma em São Bernardo, em atividade desde o mês passado, e outra em Diadema, por enquanto na forma de projeto do prefeito Gilson Menezes aprovado pela Câmara de Vereadores. A proposta é abastecer com crédito empreendedores estabelecidos ou na informalidade com juros de 1% ao mês, a menor taxa entre instituições ligadas a órgãos públicos.
Em Santo André, O Banco do Povo completou dois anos em maio contabilizando 905 operações e R$ 2,1 milhões em empréstimos. Dos solicitantes, 60% pertencem à informalidade, segundo o gerente José Caetano Lavorato Alves. Os juros de 4,5% ao mês, nem um pouco populares, foram rebaixados para 3,9%. Mesmo assim são salgados caso se leve em conta a média de 2,19% cobrada em financiamentos de até 36 meses pelas revendas de veículos, que até abril praticavam 1,99%.
Ao contrário do Banco do Povo de São Bernardo e Diadema, em que as prefeituras entram com 10% do financiamento e o Estado com 90%, ou seja, trata-se de dinheiro público, Santo André preferiu o modelo de uma organização não-governamental. Para emprestar entre R$ 300 e R$ 10 mil, a Prefeitura divide as fontes de recursos com Acisa (Associação Comercial e Industrial), Setrans (Sindicato das Empresas Transportadoras), sindicatos dos metalúrgicos e dos bancários do ABC e, desde outubro passado, com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). "Não somos assistencialistas. Temos de ser auto-sustentáveis e nossas taxas são competitivas com bancos privados. O grande diferencial é o fácil acesso, já que nosso público dificilmente consegue crédito em um banco e acaba indo para um agiota pagando 20% ao mês" -- justifica Lavorato.
É também esse o mote do prefeito Maurício Soares. Ele cita a pressão sobre o mercado causada pelo desemprego e pela terceirização das indústrias e acredita que o crédito subvencionado vá ajudar micronegócios como mercearias, bares e lanchonetes, lojas de calçados e roupas. São Bernardo vai disponibilizar R$ 2 milhões, com empréstimo mínimo de R$ 200 e máximo de R$ 5 mil. A carência é de três meses e o prazo de quitação, de 18 meses. Está habilitado quem tem seis meses de atividades na cidade ou é morador há um ano, condições idênticas em Diadema, onde o projeto ofertará R$ 600 mil.
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