Economia

Muito além de
planas e rotativas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/06/2000

Um visitante desavisado apresentado ao setor produtivo da Bandeirantes Indústria Gráfica, em São Bernardo, tem tudo para pensar que está no endereço errado. Mesmo que seja um profissional com muitos anos de experiência no universo gráfico. Além das tradicionais máquinas planas e rotativas que marcam o perfil das empresas do segmento, a Bandeirantes dispõe de linha completa de equipamentos para produção de CD-ROMs e de música. São recursos desconhecidos por praticamente a totalidade dos empresários do setor gráfico na América Latina, como máquinas injetoras de plástico e metalizadoras que podem ser encontradas em apenas outras cinco organizações no Brasil, entre as quais Sony, BMG Ariola e Poligram. Todas na área de áudio. Nenhuma do meio gráfico. 

Deu a louca nos irmãos e diretores Manoel e Mário César de Camargo, à frente da terceira maior gráfica do País no ranking da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica)? Claro que não. O Departamento de Duplicação de CDs, cuja montagem consumiu US$ 2,5 milhões, é o que melhor simboliza a disposição da Bandeirantes em adequar-se às novas necessidades do mercado. Como a apresentação de produtos e serviços já não se restringe a materiais impressos, pois está migrando para a tela do computador à bordo de CD-ROMs, a Bandeirantes ingressou no setor -- com pioneirismo na América Latina -- para dar conta de serviços com maior dose de tecnologia e valor agregado. "Estamos deixando de ser gráfica para nos transformar em empresa de soluções integradas, que trabalha ao mesmo tempo com a tradicional mídia impressa e também com a eletrônica" -- afirma Mário César. 

O setor de duplicação de CDs foi criado em outubro de 1998 para prestar atendimento mais completo à Microsoft. A Bandeirantes atende a companhia de Bill Gates no Brasil desde 1993 na condição de Authorized Replicator (Replicador Autorizado), produzindo todo material impresso que acompanha os softwares e CD-ROMs vendidos em milhares de pontos no Brasil. Ao duplicar CDs, a Bandeirantes passou a fabricar também os próprios produtos, além do recovery CD, como é chamado o disco de reconversão utilizado para reinstalar o sistema operacional Windows diante de eventuais problemas técnicos no computador. Só de recoveries CDs a Bandeirantes produz cerca de um milhão por ano. "Não queríamos depender de fornecedores, por isso decidimos investir em produção própria" -- comenta Mário César. 

A reboque da Microsoft vieram outras empresas de tecnologia. A Bandeirantes passou a produzir CDs e material impresso para Compac, IBM, HP, Dell Computer, Epson, Toshiba, Itautec e Lotus. A capacidade de produzir CDs estreita o relacionamento com as exigentes empresas da chamada Nova Economia e corresponde a vantagem competitiva para implementação de serviços nos três segmentos atendidos pela Bandeirantes. O setor promocional utiliza cada vez mais CD-ROM como instrumento de marketing. O ramo editorial tende a disponibilizar informações em CD como alternativa ao papel. Exemplo disso é a rede de idiomas Wizard, para a qual a Bandeirantes produz média de 35 mil kits didáticos por mês que incluem CD-ROM, além de livro. 

O segmento documental tende igualmente a incorporar conteúdos em CD. Composto por materiais que acompanham produtos novos, como manuais de automóveis zero-quilômetro, telefones celulares, computadores e softwares, o segmento responde por metade das receitas. A Bandeirantes produz 60 mil manuais dos veículos Volkswagen, Ford, Renault, Audi e Mercedes-Benz por mês, além das ferramentas Bosch, dos produtos Multibrás e dos celulares da Nokia, Ericsson e Gradiente. Mário César explica que o ramo documental demanda cuidados especiais em estocagem, já que os materiais poderiam conferir originalidade a produtos pirateados. O setor de estocagem dos CDs da Microsoft é monitorado via Internet desde a sede da empresa a mais de 10 mil quilômetros, Seatle, Estados Unidos.

A produção de CDs inseriu a Bandeirantes em atividade inédita, além de representar ferramenta para atendimento de nichos tradicionais. A gráfica descobriu o filão dos CDs musicais e já produz 600 mil unidades por mês, encomendadas por gravadoras de organizações religiosas. A multiplicidade de negócios levou a Bandeirantes a reforçar o setor de duplicação de Cds. A aquisição de novos equipamentos ampliará em mais de 100% a capacidade de produção. Fruto de US$ 3 milhões, os novos recursos serão instalados em julho. "Primeiro vamos nos consolidar no mercado de publishing, como é conhecido o segmento de materiais impressos conjugados com CD-ROMs. Posteriormente pretendemos avançar mais sobre o áudio" -- afirma Mário César.

A produção de CDs foi responsável por 7% do faturamento em 1999, deve atingir 18% neste ano e deverá corresponder a um terço das receitas em 2002. 


Sucessão -- O ingresso no segmento de CDs e outras iniciativas ousadas que marcaram a trajetória da Bandeirantes nos últimos anos não passariam de boas intenções de Manoel e de Mário César de Camargo não fosse o modelo exemplar de sucessão adotado pelo pai, Mário de Camargo, que criou a empresa em 1953 como Tipografia Santo André. Durante muitos anos a Bandeirantes seguiu a receita padrão de composição societária das empresas familiares brasileiras. O pai detinha 48% das ações e quatro filhos compartilhavam os 52% restantes. A organização contava com outros três negócios: a Cartgraf, em Campinas, o bureau de pré-impressão Bandeirantes, na Vila Mariana, e a Convergente Software, no Rio de Janeiro.  

Mário de Camargo levou a cabo em 1992 uma revolução societária com vistas à produtividade dos negócios e, principalmente, à preservação do bom relacionamento familiar. Definiu o valor patrimonial das empresas por meio de levantamento conduzido pela consultoria Pricewaterhouse para que os filhos pudessem adquiri-las pelo valor de mercado. À filha Maria Luísa coube o bureau de pré-impressão. Antônio de Pádua ficou com a Convergente. O pai preferiu a Cartgraf (para viver na aprazível atmosfera campineira) e Manoel e Mário César ficaram com a Bandeirantes. Como adquiriram a empresa mais representativa, levaram mais tempo para consolidar o pagamento. Quitaram a dívida com o pai em fins de 1995, após financiamento que se arrastou por três anos e meio. "Nosso pai foi um credor como outro qualquer. Sem paternalismo" -- lembra Mário César. 

Ironia do destino, Manoel e Mário César compraram a Cartgraf do pai Mário de Camargo em 1996 para transformá-la em filial da Bandeirantes. A gráfica de Campinas estava tecnologicamente estagnada e a de São Bernardo precisava ser ampliada. A proposta inicial, de associação, revelou-se inviável pelo conflito de idéias entre Manoel e Mário de Camargo. Os irmãos brincam. Dizem que nasceram para pagar o pai, já que terminarão de quitar a dívida de R$ 2,9 milhões em fevereiro de 2001.

A Bandeirantes de São Bernardo tem 5,4 mil metros quadrados de área construída, 140 funcionários e responde por 75% do faturamento porque centraliza serviços de maior valor agregado. A Bandeirantes de Campinas tem 80 empregados em área construída de seis mil metros quadrados.  

Mário César e Manoel elencam uma série de desdobramentos positivos do sistema reconhecido como modelo de sucessão por concorrentes da área gráfica. "Hoje as relações familiares são mais saudáveis e transparentes. Antes o pai ficava sob tiro cerrado por ter de administrar as empresas e preservar a família" -- comenta Mário César. "Deixamos de ser filhos do dono para ser comandantes do negócio. Bem diferente dos tempos em que éramos acionistas minoritários" -- afirma Manoel.

Mário César e Manoel implodiram velhas convenções e imprimiram novos conceitos de gestão a partir de 1992. Um dos principais é que passaram a investir de 90% a 95% dos resultados na própria empresa. "Não temos fazendas, casas em Miami, helicópteros e outros brinquedinhos do empresariado brasileiro, principalmente do ramo gráfico. Somos espartanos na vida pessoal" -- afirma Mário César.

O relacionamento com a força de trabalho mudou do paternalismo para a objetividade. Acabaram-se os tempos do chefão meio paizão, meio algoz. Mário César recorda passagem que considera antológica e que dá bem a dimensão do estilo de comando predominante anteriormente. Um dos funcionários mais antigos dirigiu-se ao fundador Mário de Camargo e falou: "Seu Mário, eu pensei que"... . Antes que terminasse, foi interpelado: "Você é pago para fazer, não para pensar". A situação agora é outra: "Dizemos que funcionário é pago para pensar. Se apenas executa é porque está no lugar errado" -- afirma Mário César.

Além dos US$ 5,5 milhões aplicados na área de duplicação de CDs, outros US$ 25 milhões foram investidos desde 1992 para aperfeiçoamento dos serviços tradicionais de impressão. Ao todo foram cerca de US$ 30 milhões injetados em máquinas e equipamentos nos últimos oito anos, dos quais dois terços em São Bernardo. O montante é maior do que todo o investimento acumulado durante os 35 anos anteriores. A overdose tecnológica é justificada com simplicidade por Mário César. "No ramo gráfico, ou se tem a última palavra em tecnologia ou se perde em produtividade e competitividade" -- explica. Os valores são expressos em dólar porque todos os equipamentos são importados e produzidos sob encomenda por empresas como as alemãs Wohlenberg e Heidelberg, além da suíça Muller Martini e da sueca Solna.

Os parques gráficos de São Bernardo e Campinas foram atualizados com equipamentos novos em folha. Máquinas com até 15 anos de uso foram substituídas por modelos de última geração de planas para impressão de manuais e livros, impressoras, rotativas e equipamentos para acabamento de livros e revistas. Além de receber novos recursos, a unidade de Campinas passou por reforma e ampliação predial concluída no ano passado. Foram acrescentados 2,2 mil metros quadrados de área construída, totalizando seis mil. 

O faturamento da Bandeirantes subiu proporcionalmente à incorporação de novas tecnologias: de R$ 12,211 milhões em 1994 atingiu R$ 45,644 milhões no ano passado. A empresa publica balanços desde 1979 na condição de sociedade anônima de capital fechado.

A unidade de Campinas receberá equipamento recordista de investimento: uma rotativa para impressos de 16 páginas que custa US$ 5 milhões. O preço se justifica por se tratar da primeira rotativa instalada no Brasil com troca automática de chapas. O recurso reduz o tempo de preparação de máquina de 45 para 15 minutos. Ganha-se, com isso, maior produtividade e menos desperdício. "Além disso, proporciona qualidade impecável com ajuste automático de acertos e dosagem de tinta por meio de densitômetro digital" -- explica Mário César. 

O equipamento foi adquirido pela Bandeirantes antes do lançamento oficial na Feira de Drupa, Dusseldorf, na Alemanha. A Feira de Drupa, na maior do mundo no ramo de equipamentos para o setor gráfico é realizada a cada cinco anos. A última edição, em maio com 1,8 mil expositores, foi acompanhada de perto por Mário César e Manoel. A unidade de São Bernardo também tem novos equipamentos engatilhados: duas impressoras quatro cores geração 2000 da alemã Heidelberg ao custo de US$ 2 milhões. Aguardam liberação no entreposto.

Mário César entende como poucos de equipamentos gráficos. Em meados dos anos 70 trabalhou no setor de montagem de máquinas da MAN Roland, uma das maiores do mundo, sediada em Frankfurt. Os 12 meses de Alemanha, depois de cursar Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas, valeram ouro. Consolidou o aprendizado da língua alemã, que havia estudado durante três anos no Brasil, e teve oportunidade de conhecer as empresas do país que mais se destacam em tecnologia gráfica. "Posso dizer, sem exagero, que estamos no nível das melhores gráficas alemãs" -- diz.  Além da língua de Goethe, Mário César domina o inglês e o francês. O inglês por necessidade -- conversa diariamente com clientes estrangeiros -- e o francês por pirraça. "Visitei a França quando morava na Alemanha e não consegui estabelecer diálogo com o povo local, que não faz qualquer esforço para se comunicar em língua que não seja a própria. Estudei quatro anos na Aliança Francesa ao retornar ao Brasil" -- conta. 

A Bandeirantes dribla a crônica escassez de crédito para investimento com financiamento junto a bancos estrangeiros. Os agentes internacionais cobram juros que variam de 12% a 14% ao ano, contra 21% dos bancos brasileiros. "A instabilidade e a falta de seriedade da administração federal tornam a taxa interna maior do que deveria ser. Mesmo contabilizando o Custo Brasil, o banqueiro externo confia mais na empresa brasileira do que o sistema financeiro nacional" -- pondera. 

A desvalorização da moeda brasileira em janeiro do ano passado representou duro golpe para a Bandeirantes. A dívida em dólar junto a uma trading japonesa saltou de R$ 2,5 milhões para R$ 5 milhões. "Conseguimos repactuar o pagamento graças ao histórico de mais de US$ 20 milhões contraídos e quitados nos anos anteriores" -- afirma Manoel. "Nossa capacidade de regeneração às incompetências governamentais é muito grande" -- completa Mário César.

A Bandeirantes é a única gráfica da América Latina certificada com ISO 9002 nas áreas de impressão, pré-impressão e duplicação de CDs. O selo foi conferido em janeiro de 1998 pela norte-americana ABS Quality Evaluations, sediada em Houston, no Texas. A adequação à norma internacional de qualidade foi exigência da Microsoft, da Compaq e da indústria automobilística. 


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