Não é fácil transferir parte do acervo digital da melhor revista regional que esse País já conheceu (claro que estou me referindo às duas décadas de circulação de LivreMercado) para este site. Consumi muitas horas do período supostamente de férias para diminuir a diferença entre o legado impresso daquela publicação e a transposição para esta revista digital. Vai demorar para zerar esse jogo, mas não se caminha mil passos sem dar o primeiro, não é verdade?
Calculo que foram mais de 400 matérias só nas duas últimas semanas. Ainda falta perto de cinco vezes. Os ativos editorias de LivreMercado não podem e não vão ficar fora do mundo da Internet.
Nem todos os ativos, claro, mas, numa empreitada que já começou faz tempo, tenho obrigação de selecionar o que considero mais importante como insumos emblemáticos de LivreMercado. O Grande ABC dos últimos 30 anos passou por aquelas páginas e por estas páginas de CapitalSocial.
Método mais racional
Saibam todos os leitores que encontrei um método mais produtivo (diria que com alta produtividade) de transferir aquelas páginas impressas para o mundo digital.
Acho que todos nos sentimos um pouco idiotas toda vez que encontramos uma solução melhor do que a anterior, não é verdade?
Por que não pensei nisso antes, eis a pergunta-chave da constatação da cretinice.
No caso de trazer para CapitalSocial o que ainda existe em abundância na LivreMercado tenho uma desculpa, que pode ser meio esfarrapada, mas tenho: somente há pouco tempo, dois anos para cá, meti-me a manusear com a habilidade de perna de pau o aplicativo Whatsapp, maquiavélica descoberta que transforma qualquer um que resolva participar de intervenções públicas em gênio ou arrematado trouxa.
Como foi possível transferir mais algumas centenas de matérias de LivreMercado para CapitalSocial com mais agilidade do que anteriormente, quando usava e-mail como ferramenta?
Simples: pego a coleção impressa de LivreMercado, que tenho encadernada no sótão de minha residência, e pacientemente folheio página por página. Paro na medida que encontro matéria que interessa (e desde que já não esteja no site de CapitalSocial, que acompanho com os olhos postos no computador) fotografo-a e envio à especialista em edição Maria Aparecida do Nascimento.
Migração gradual
Na cadeia de enriquecimento da matéria-prima deste site, a bola está com a Cida. Ela tem habilidade e conhecimento histórico de LivreMercado suficiente para ir às nuvens (não perguntem detalhes técnicos sobre nuvens porque sou uma besta quadrada em tecnologia) e, entre milhares de textos, encontra a íntegra digitada das respectivas matérias selecionadas por mim. Feito isso, desloca o material para este site.
É uma tarefa meticulosa que, agora de volta das férias, a gênia que me salva a pátria metodológica, tratará de editar. Ou seja: todo o agregado de jornalismo de primeira classe da revista LivreMercado (e também muito do que CapitalSocial publicou ainda em formato de newsletter) vai migrar gradual e consistentemente às páginas desta publicação. Já contamos com mais de três mil textos do período que antecede janeiro de 2009, quando CapitalSocial virou site.
Fui surpreendido com o que encontrei nas férias (férias?) Imaginava que o índice de ativos de LivreMercado a engrossar o acervo de CapitalSocial seria residual. Qual nada: o volume é imenso. E olhem que estou sendo bastante rigoroso no critério de transposição. Só não pude fortalecer a ideia de quem imagina que LivreMercado, até por força da marca, restringia-se à economia da região. Nada disso. Regionalidade no sentido mais amplo e expressivo é nosso mundo. Desde a primeira edição, em março de 1990, até dezembro de 2008, LivreMercado pautou-se por um jornalismo de responsabilidade social – da forma mais abrangente possível. Não faltou quem nos criticou por ampliar o raio de ação editorial. Seria um crime, diziam, misturar economia com tudo o que misturamos. Inclusive gestão pública. Bobagem.
Foco com descentralização
Tanto é bobagem que criamos o Prêmio Desempenho em várias categorias, inclusive com o apêndice libertador de Nossas Madres Terezas e Freis Galvão. Foram 15 anos de premiação, com dezenas de cases de Administração Pública a cada temporada.
Discorrer sobre a linha editorial de LivreMercado seria desnecessário e perigoso. Desnecessário porque poderia ser repetitivo. Perigoso porque poderia ser descuidado. A série de textos desta revista digital que reproduz originais publicados na revista LivreMercado pode ser aferida a cada dia. Seguimos a reavivar a memória e também a capitalizar novos leitores. Sempre em ordem cronológica. Ainda não chegamos ao ano de 1999. O passado ajuda a entender e a explicar o presente.
Para tornar mais didática a compreensão sobre o que andei selecionando nas férias (dos leitores), puxo alguns exemplos do meu smartphone:
Na edição de março de 2001 temos uma reportagem assinada pelo jornalista Walter Venturini: “Por que Diadema passou do ponto?”. A linha fina, que complementa o título: “Enquanto Diadema vive período crítico, Santo André e São Bernardo se unem à tecnologia e à iniciativa privada”.
Também da edição de março de 2001: “Sair de fininho é a melhor alternativa”. A matéria é assinada por este jornalista. Eis a linha fina: “Evasão industrial é um fantasma que atormenta a região. Por isso, exige discrição de quem sai”.
A jornalista Malu Marcoccia assinou em junho de 2001: “O terremoto não acabou”. A linha complementar: “Booz Allen & Hamilton acredita que há ainda muitas transformações aguardando as autopeças”.
Em agosto de 2001 escrevi “Terciário avançado é apenas sonho”. A linha fina: “Prefeito Celso Daniel já havia cantado a caçapa que a Agência anunciou sem detalhar: nosso terciário é limitado”.
Também na edição de agosto de 2001 a jornalista Vanilda Oliveira escreveu: “Quando o coração bate mais forte”. A linha fina: “Antonio Palandri Chagas, de São Caetano, incorpora a presidência da Socesp à apaixonada rotina médica”.
Naquela mesma edição, Malu Marcoccia escreveu sobre um tema que muitos imaginam ser algo de pouco passado: “Polo tecnológico em ritmo de valsa”. A linha fina esclarecedora: “Burocracia, política e até desinteresse fazem desandar seis centros tecnológicos no Grande ABC”.
Quem se habilita?
Rezo para que um dia algum historiador do Grande ABC dedique-se ao histórico de LivreMercado e de CapitalSocial. Que tenha capacidade de entender a linha editorial e as inquietações. Certamente ele não reproduzirá a emoção que sinto a cada consulta seguida de seleção de material repassado a este site, mas será suficiente.
Diria, sem firulas, que me preparo psicologicamente para capturar os textos encadernados de LivreMercado e que ganham forma e perenidade de audiência mais ampla no mundo digital.
Não é só pelo prazer de potencialmente colocar mais leitores como observadores da cena regional a partir principalmente do começo dos anos 1990. O que mais mexe para valer com meus nervos e sentimentos é a certeza fotografada da finitude da vida. Quantos agentes sociais, econômicos, políticos e culturais da região estão naquelas páginas de papel, mas já se foram desta vida? Identifico muitos deles e me pergunto se outros tantos, que não vejo há muito tempo e que estão fora do noticiário, também não teriam ido embora.
Diria que se me metesse a escrever algo mais denso e extenso sobre a emoção que me invade toda vez que vasculho as edições encadernadas de LivreMercado, tomando todos os cuidados para separar emoção de razão, diria que não existe algo mais consistente para entender a região senão aquelas páginas.
A marca registrada de LivreMercado e de CapitalSocial, de jornalismo que sempre foi além da informação rasa que a mídia em geral pratica, é um patrimônio a ser estudado por gente competente.
Caçapas cantadas
Cantamos desde a primeira edição de LivreMercado, em março de 1990, logo após o Plano Collor, quando abordamos o risco de depender demais das montadoras de veículos, praticamente todas as bolas que estão em jogo nestes tempos. Antecipamos o futuro quando não caímos na besteira de ignorar uma lei sagrada do jornalismo – desconfie sobretudo dos políticos, em muitos casos fazedores de marolas marqueteiras.
Certa vez escrevi (e repeti várias vezes) que LivreMercado só cometeu erros editoriais quando caiu na arapuca de confiar demais nos mandachuvas e mandachuvinhas de plantão. A reprodução de textos de LivreMercado, que registram esses deslizes, também é uma maneira que encontramos para dizer que os percalços do passado raramente são repetidos na fase que já dura uma década deste site. Antes disso, desde 2001, CapitalSocial era newsletter.
Até prova em contrário, nenhuma autoridade pública merece credibilidade acrítica. Mesmo eventualmente aquelas que já tenham conquistado confiança. Há sempre um risco de escorregadela.
Quer um exemplo entre milhares de que é melhor colocar as barbas de molho? Está aí nos arquivos a declaração triunfalista do então governador Geraldo Alckmin sobre a descoberta do paraíso econômico do trecho sul do Rodoanel, obra que teria diferencial extraordinário a colocar São Bernardo como “a melhor esquina do Brasil”. Já provei com números irrebatíveis que economicamente o Rodoanel passou a constar da lista de vicissitudes regionais mais dramáticas. Osasco, a cidade mais beneficiada com o Rodoanel, é o sexto maior PIB do Brasil. Não passava do 20º lugar há uma década. São Bernardo despencou. O Rodoanel leva nossas riquezas produtivas.
Estamos em nova temporada de CapitalSocial/LivreMercado. Continuo a ser o maior estúpido do jornalismo regional. Nado contra a maré de servilismo disfarçado de jornalismo que assola a região. Se não fiz em pouco mais de 50 anos de jornalismo o que as forças de pressão sempre pretenderam, não seria agora, com a reta de chegada mais próxima, que me daria ao desfrute. Estou pronto para colaborar com esse regionalismo alquebrado, mas não me peçam a dignidade em troca. CapitalSocial seguirá a linha adotada na revista LivreMercado. Com a diferença de que aprendemos a identificar com mais acuidade as armadilhas triunfalistas.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)