Seguindo no debate sobre a Universidade Federal do ABC, rabisco algumas ideias que servem de aprofundamento do texto anterior mas, ao mesmo tempo, busca esticar o elástico do texto-resposta de Daniel Lima.
Adjetivar minha militância e posições políticas é motivo de orgulho. Não me sinto atacado ou mesmo vilipendiado quando sou associado à posições anticapitalista. Sinal de reconhecimento.
Daniel usa óculos de análise cujas lentes, de resto, afeta a compreensão de grande parte dos jornalistas em especial da grande mídia. Mas não se resume a eles.
O capitalismo é o mantra irrefutável da condição humana em seu estágio máximo de progresso. Nada existiu antes como ele e nada existirá depois dele, uma vez que o ápice foi atingido. Esta tese já foi exaustivamente debatida nos anos com a queda do muro de Berlim, amplamente criticado pelos liberais de capital ou de ideias.
Sem fundamentação
Francis Fukuyama, inclusive, levantou fortuna com o livro "Fim da História", no qual se apoiava em Hegel para envernizar sua surrada tese de que a vitória do capitalismo seria a consolidação final do processo evolutivo civilizatória da humanidade.
Evidente que essa tese carece de fundamento. Ele abandonou suas intempéries acadêmicas nessa seara para escrever sobre a crise do aquecimento global. Fez bem.
O que os doutos liberalizantes não explicam é como nos últimos 20 anos, no mundo, a concentração de renda, a riqueza e o patrimônio tornaram-se tão concentrados. A explicação é que o capital tem esse comportamento no seu DNA. Não são os capitalistas ruins ou bons, são apenas capitalistas cumprindo a sina para a qual foram designados.
Estado dá vida
Não parece ser tão difícil de entender que o Estado é a forma pela qual a distribuição vai ganhar vida, pois se depender dos capitalistas sobra apenas bondade, filantropia e apegos morais. Insuficientes e desnecessários, numa lógica de construção nacional e de projeto de país.
Dito isso, encaixo a UFABC neste contexto. Mas, antes dela, levanto uma questão que não recebeu explicações devidas. Se o mercado é o máximo da organização humana e o capitalismo o estágio último de evolução da sociedade, por que as universidades privadas, vendedoras de diplomas, pagadoras de péssimos salários, distantes da pesquisa e da extensão, com cargas de aula reduzidas e sem um papel social, senão o de encher os bolsos de seus proprietários, que muitas vezes nem da área de educação são, não servem como exemplo ao Sr. Daniel Lima?
Eu sei a resposta, mas poderia haver ao menos uma menção. As baterias se voltam com uma universidade de gabarito, titulada, muito procurada pelos vestibulandos e de ótima reputação, mas as fábricas de diplomas são poupadas estrategicamente, pois desmontam, na prática, o discurso da infalibilidade do mercado e da incompetência do Estado.
Estado corrupto?
Outra questão a ser pensada: associar o Estado à corrupção é uma demonstração de desconhecimento histórico do tratamento do assunto. A análise de como o tema é trabalhado na sociedade mostra que sua vida e oscilações correspondem a interesses políticos e não motivado por princípios éticos ou morais.
Lembremos que Getúlio Vargas, JK, Lula e Dilma foram intensamente atacados. Governos Militares, FHC e o próprio Temer não tiveram o mesmo tratamento, embora ela rolasse intensa. Nem é preciso dizer que ela existiu em todos os governos no século XX e XXI, mas não é disso que estou tratando.
Resumir os problemas do Estado à corrupção na gestão é colocar a discussão num patamar raso e ideologizado, num degrau abaixo.
A Federal do ABC deve sim se aproximar da sociedade, do poder público e da região. Não questiono isso. O que me intriga é o bombardeio contra ela e o silêncio nas privadas que são, em verdade, o símbolo maior do que se almeja com privatizações. Em outras palavras, seria recuar no tempo e na história. Apesar que em tempos de Bolsonaro e ministros lunáticos e fanáticos nada mais soa como loucura, pois ela chegou ao poder central.
Defendo a estatização completa da educação brasileira em todos os níveis. A eliminação do analfabetismo e a valorização da carreira do magistério. Defendo ainda a liberdade de discussão política e de educação sexual. Eis a chave da retomada do crescimento econômico. Não será a educação a fazer isso sozinha, mas passa necessariamente por ela.
A UFABC tem um papel a desempenhar nesse sentido, mas cabe ao Estado fomentar.
(*) Ricardo Alvarez é professor da Fundação Santo André
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