Economia

GM: choque pedagógico
vai despertar a região?

DANIEL LIMA - 21/01/2019

A possibilidade anunciada pela matriz internacional da General Motors de que a fábrica de São Caetano (e de tantos outros municípios do País e da Argentina) poderá ser desativada é a melhor notícia dos últimos anos para o Grande ABC. O que parece uma catástrofe pode ser a redenção do território regional. Muito além de São Caetano, portanto.

Vamos viver por algum tempo um choque pedagógico que poderá despertar a região para uma reação que já tarda. Perdemos muitas fábricas da GM de São Caetano nos últimos 40 anos, por conta da desindustrialização mais que comprovada por estudos que realizei e a realidade prática em cada esquina. Entretanto, e apesar de tudo isso, a sacudidela de eventual fechamento da GM numa extremamente dependente São Caetano seria o toque macabro no campo econômico e social. 

Tomara que os desdobramentos do anúncio da GM, que não deverão ser tão drásticos quanto sugere o noticiário, não seja utilizado para desarmar eventuais iniciativas de restringir o peso da indústria automotiva em São Caetano e na região com todo. A Doença Holandesa tem nos causado estragos enormes, mas não há nada em termos de articulação para colocar a casa regional em ordem. Falta o que chamo de capital social. 

Essência de capital social 

Autoridades públicas, executivos do setor automotivo e representantes de peso da sociedade precisam se juntar e debater o que o futuro reserva para a região quando se tem a indústria automotiva como diretriz eterna de desenvolvimento. 

Ou criamos uma instância de monitoramento crítico e prospectivo multilateral da atividade produtiva mais competitiva do mundo, ou vamos ter mais notícias como a da General Motors para nos roubar o sono. 

Não é agora que a casa parece arrombada em São Caetano que saio em defesa de uma articulação conjunta para manter a galinha arredia dos investimentos, empregos e mesmo da sobrevivência da indústria automotiva sob vigilância constante. Em artigo que escrevi em 27 de fevereiro de 2013 sob o título “São Caetano eleva dependência da GM. Isso é boa ou má notícia?”, dediquei alguns parágrafos ao assunto. Leiam: 

 As multinacionais que aportaram na Província do Grande ABC, principalmente a partir da metade do século passado, estimuladas pelo Governo Federal e seu Plano de Metas, contribuíram e contribuem imensamente para o desenvolvimento regional. Pena, entretanto, que só o façam internamente, com olhar focado na produção e suas variáveis. Há uma linha de conexão entre todas essas empresas que considera o princípio de que aos governos locais, estaduais e federal compete a responsabilidade de cuidarem da administração dos respectivos territórios. O pressuposto de que cada macaco ocupe o respectivo galho move todas essas empresas. Há controvérsias não sobre a legitimidade desse conceito, mas sobre a oportunidade de sustentá-lo. Como os sindicados também só olham para o próprio interesse de classe, e isso vale para todas as unidades de produção, não apenas para as multinacionais, o que temos no fundo é a sacramentação de uma distorção que ajuda a entender por que somos uma Província inegavelmente bem-acabada: há muros quilométricos a separar o chão, os gabinetes de fábricas e a sociedade como um todo. O trabalhador e o executivo que deixam a fábrica não têm nenhuma preocupação com o que encontrará lá fora além do próprio umbigo. Todos vivem uma vida dupla, de determinação e valorização profissional de um lado e de omissão coletiva e renitente como cidadão, de outro. São faces da mesma moeda, a moeda do desenvolvimento econômico sem sustentabilidade social.

E a sociedade? 

Não foi a primeira e nem terá sido a última vez que fiz abordagem semelhante sobre as relações entre capital e trabalho na região, as quais sempre relegaram a sociedade a quinto plano. Mas quem sabe agora, com a água da ameaçada debandada da General Motors batendo na bunda de São Caetano (e prenunciando, quem sabe, retiradas de montadoras de São Bernardo também de forma integral, não mais, como tem sido, gradualmente), esse modelo de relacionamento tenha capital-trabalho-sociedade como o toque mágico de capital social? 

O destino está colocando ao alcance do prefeito José Auricchio Júnior, de São Caetano, a possibilidade de fazer uma revolução. Essa missão foi frustrante com o ex-metalúrgico, ex-sindicalista e então prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho. 

O chamamento para que Auricchio participe de reunião hoje em São José dos Campos com a cúpula da General Motors é um indicativo de que a multinacional já acordou para um novo mundo do capitalismo. Sem o arranjo institucional que envolva outras representações sociais, será difícil mudar o roteiro que envolve capital e trabalho. 

O então prefeito Luiz Marinho até que ensaiou um projeto diferenciado no início do primeiro mandato em São Bernardo, mas se deixou levar pela dispersão e por um tipo de moléstia típica dos homens públicos do Executivo: perdem a sensibilidade a determinadas missões porque caem na roda viva da dispersão de tentar agarrar o mundo. 

Tanto Luiz Marinho quanto o então secretário de Desenvolvimento Econômico, Jefferson José da Conceição, especialista em produzir estudos na Universidade de São Caetano, mas que de prático quase nada deixou de legado em São Bernardo, desperdiçaram oportunidade de ouro. 

Passado explicativo 

Em junho de 2009 (primeiro semestre do primeiro mandato de Luiz Marinho), escrevi dois artigos nesta revista digital sobre a iniciativa do petista de dar vida ao chamado Grupo Automotivo do Grande ABC, nos interiores do Clube dos Prefeitos. Leiam alguns trechos sob o título “GM é um caso sério (1)”, artigo em que remeto os leitores ao que abordara em texto publicado em oito de junho:

 Se em circunstâncias normais de pressão e temperatura a instalação de grupo de estudos da principal atividade econômica do Grande ABC já seria acontecimento a ser prestigiado em massa por lideranças políticas, econômicas e sociais, imagine nestes tempos de crise internacional e de ameaça ao equilíbrio econômico do Grande ABC, e, adicionalmente, a um dos municípios, no caso São Caetano que tanto se orgulha de indicadores econômicos e sociais de Primeiro Mundo. Ou alguém em sã consciência acha mesmo que a crise na matriz da General Motors, estatizada pelo governo Obama, não vai espalhar complicações para estes trópicos? (...) Só o fato de a unidade de São Caetano ser a menos moderna da marca no País, com praticamente metade da produtividade da fábrica de sistemistas em Gravataí, no Rio Grande do Sul, já diz muita coisa -- escrevi.

Mais passado explicativo 

Em 30 de junho daquele 2013 voltei ao assunto com a sequência de “GM é caso sério (2)”. Leiam alguns trechos:

 O incrivelmente recém-criado Grupo de Trabalho do Setor Automotivo do Clube dos Prefeitos do Grande ABC não pode perder tempo com burocracia e costuras político-partidárias. A expressão “o incrivelmente recém-criado” não é exagerado, é debochada e também provocativa. Não é exagero porque retrata uma ação tardia. É debochada porque define uma ação de novo tardia. É provocativa porque também é redundante na qualificação de uma ação tardia. (...). Onde já se viu um Grande ABC metralhado pela globalização, dilapidado pela guerra fiscal e sacudido na estrutura social e econômica com a chegada de dezenas de novas fábricas de automóveis no País, só agora, no bojo dessa instância quase abstrata, oficialmente chamada de Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que simplifiquei para Clube dos Prefeitos, resolve botar o dedo na ferida? Antes tarde do que nunca, tudo bem, mas que faça a lição bem-feita, senão estaremos mais perdidos ainda do que já estivemos (...) A expectativa de que o Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos apresente cronograma de ações que, mais que abrandar as complicações do futuro iminente, conduzam a imediato encaminhamento de medidas locais num processo que é multifacetado, é o mínimo que se pode esperar.  – escrevi. 

Projeto fracassado 

Querem saber o resultado do Grupo Automotivo liderado por Luiz Marinho? Leiam alguns trechos da análise que escrevi em 27 de maio de 2014 sob o título “Pouco preparo de Luiz Marinho transforma crédulos em otários:

 Completam-se cinco anos agora em sete de junho desde que o prefeito Luiz Marinho ainda apenas prefeito, ou seja, sem o acúmulo de cargo de comandante do Clube dos Prefeitos do Grande ABC, liderou movimento que lançou no Teatro Cacilda Becker o que veio a ser chamado de Grupo Automotivo. Promessas foram feitas, holofotes iluminaram até ministro de Estado, os tucanos boicotaram o evento e o que temos nestes dias não é nada diferente do dia seguinte àquela festa: nada vezes nada. Por isso continuamos a viver de favores do governo federal, sempre pronto a injetar adrenalina postiça de alguma competitividade automotiva em troca do silêncio e das vantagens dos trabalhadores e sindicalistas.  Se o leitor tem dúvidas sobre a inoperância de Luiz Marinho numa problemática que agora, nestes dias, tem-se revelado devastadora, com desemprego formal e emprego privilegiado em forma de descanso remunerado à custa dos contribuintes, basta ir à Internet e digite “Grupo Automotivo”. Faça a experiência antes de dizer que este jornalista está a perseguir o petista porque o petista entre outras safadezas administrativas não tomou providência alguma para abastecer o Ministério Público com documentação comprobatória das irregularidades do empresário Milton Bigucci no leilão da área pública que se está transformando em empreendimento imobiliário.  (...). Nos últimos cinco anos, como em tantas outras temporadas, o governo federal saiu a campo para reduzir a carga tributária do setor e para facilitar o financiamento de veículos, mesmo com altíssimos índices de inadimplência. Agora, chegou a hora de a onça beber água: o governo Dilma Rousseff queima as pestanas para tentar mover um corpo flácido mas sabe que a encruzilhada da desaceleração da demanda exige mais que o facilitarismo decisório de antes. Produtividade, competitividade, redução da margem de lucro, reconfiguração do mercado de trabalho, tudo isso e muito mais açoitam os protagonistas do setor automotivo. Sem contar que a capacidade de produção se aproxima de cinco milhões de unidades por ano e a demanda não supera a 3,5 milhões. (...) Luiz Marinho saiu açodadamente logo após a consagração nas urnas em busca de manchetes que lhe conferissem uma imagem de Celso Daniel redivivo. Houve quem acreditasse, inclusive este jornalista, que, contexto econômico e político absolutamente favorável, Luiz Marinho pudesse, com estilo diferente, porque metalúrgico e Celso Daniel intelectual, contar com colaboradores de peso na elaboração de propostas que revolucionariam a economia da região a partir de São Bernardo, nossa Capital Econômica. Ledo engano -- escrevi.  

Bola com Auricchio

Para completar, após essa oportuna recuperação de parte da gigantesca memória que coloca o setor automotivo da região como um dos patrimônios mais valiosos desta publicação, sugeriria ao prefeito José Auricchio que inicie uma revolução que São Bernardo, Capital Econômica da região, jamais se interessou em fazer, porque fazê-la significaria mexer com interesses consolidados de sindicalistas que continuam a enganar o distinto público ao usarem a mídia como ferramenta de catequese e convencimento. 

José Auricchio pode juntar capital, trabalho e sociedade num mesmo pacote duradouro para equacionar uma conta que pode ser cruel se nada diferenciado for considerado. Ou seja: a dupla capital-trabalho está viciadíssima nas relações trabalhistas e quem paga o pato é a sociedade, representada pelo Poder Público e por representantes sociais. 

O liberalismo econômico em fase de transformações, o sindicalismo há muito fora de moda porque é extremamente corporativista e os gestores públicos, premidos por um Estado em decadência econômica e açodado pela crise fiscal, precisam se entender para valer numa mesma mesa de negociações em permanente comunhão crítica em busca de saídas menos traumatizantes como a que se ensaia em São Caetano. 



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