Com a precisão tardia de um negligente, tomei a decisão de, praticamente 17 anos depois, trazer para o campo digital o que foi um estrondoso sucesso impresso. “Complexo de Gata Borralheira”, definido como “A mais ousada explicação sociológica para o sentimento de inferioridade do Grande ABC em relação a São Paulo”, deixa o formato livro com que foi concebido e lançado oficialmente na noite de 16 de abril de 2002 para ganhar o mundo sem limites da digitalização. E o vamos fazer de forma gradual.
Possivelmente até o final deste mês mais curto do calendário gregoriano teremos transferido todos os capítulos para este site. Demoramos, mas nunca é demais quando se tem tempo de corrigir, de interromper um descaso.
Não sei se vou exagerar na dose da autoavaliação, mas, lá vai bomba de imodéstia: como o mais dedicado e incômodo regionalista que esta praça já conheceu, tenho toda a autoridade do mundo para sugerir aos leitores que não percam tempo. Acompanhem cada parágrafo dessa que é a maior obra de minha vida. Vou explicar as duas coisas.
Primeiro, sou o mais intenso regionalista desta praça porque não existe nesta praça quem tenha abraçado tanto e por tanto tempo o regionalismo em suas múltiplas dimensões. Do esporte à economia, da logística às estatísticas, da cidadania às instituições, do comportamento aos costumes.
Segundo, é a maior obra de minha vida entre os cinco livros que escrevi em formato tradicional e pelo menos uma dezena que poderia expor em forma de coletâneas de temáticas diversas, porque a fiz para a juventude. Como, aliás, explico na apresentação que consta desta primeira viagem rumo ao passado que segue sendo presente e futuro, ou seja, o enredo de Gata Borralheira.
Frustração continuada
Por ser o mais provocador regionalista desta Província, outrora Grande ABC, é inescapável que me sinta frustrado. Estamos a léguas de distância do mínimo necessário para merecermos o rótulo de região. Podemos o ser em formato cartográfico não oficial, como ajuntamento econômico e social de sete municípios, mas não o somos em integração sob qualquer aspecto. Somos um fracasso em regionalidade.
Em qualquer lugar do mundo civilizado e preocupado com o amanhã, Complexo de Gata Borralheira me teria conferido algo que jamais procurei ou procuro, mas que seria o desenlace natural do que chamaria de cidadania no aspecto mais puro possível: teria merecido estudos, análises, condecorações e o escambau. Escrever o que escrevi do fundo de minha alma para resumir do que estamos tratando foi um exercício de psicografia. Produzi mais de 150 páginas em menos de uma semana. Foi uma catarse criativa movida por outra catarse, o pós-assassinato do prefeito Celso Daniel.
Contextualizar a obra no tempo e no espaço, e sobretudo, adequar a compreensão às circunstâncias daquele janeiro de 2002 é o primeiro passo para que entendam Complexo de Gata Borralheira na plenitude intelectual e emotiva com que foi concebida.
Vivia um ambiente psicológico extraordinariamente devastador. Via desaparecer o único gestor público que nos hipnotizou em torno de pressupostos de regionalidade – mesmo que não fossem tão completos quanto aqueles que me levaram, 12 anos, a criar a revista LivreMercado.
Com a plena certeza de que todos farão uma viagem inesquecível pelas entranhas do Grande ABC, embora não faltem quem conheça de fio a pavio cada enunciado, abro as portas e as janelas de Complexo de Gata Borralheira para o mundo sem fronteiras da Internet. Encerra-se um longo e tenebroso período de omissão e de enclausuramento físico daquelas páginas de papel.
Multipliquem essa obra em formato digital. Deem densidade de leitura. Compreendam o que somos. Quem sabe, assim, nestes tempos de contestações, contraposições e mesmo exageros nas redes sociais, um grupo de sonhadores se junte a este jornalista para tentar mitigar as travessuras contínuas de um provincianismo desestimulador.
Vamos diminuir o varejismos das redes sociais. Vamos dar qualificação a debates que podem alterar o rumo da história que se repete impunemente. Complexo de Gata Borralheira carrega esse pressuposto em cada frase. Voltem 17 anos no tempo e comecem a ler uma obra que, para ser esgotada, não consumiria, na plenitude, mais que um tempo de jogo de futebol. Uma leitura que sintetiza a história de uma província metida a besta, porque, borralheiresca, imagina-se Cinderela.
Leiam, portanto:
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)