Economia

Sindicalismo industrializa
catástrofe e agora reclama

DANIEL LIMA - 27/02/2019

Alguém precisa dizer e martelar umas verdades aos sindicalistas da CUT, que dominam o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, quando o assunto é a crise provocada pela debandada da Ford: no jogo de cartas mais que marcadas da interminável queda de produção industrial de São Bernardo, a política de discriminação contra o capital exercida pelo sindicalismo desfraldador de um socialismo antiquado é uma das peças principais. 

Fosse a indústria de São Bernardo (e da região como um todo) uma alegoria carnavalesca, o desfile na passarela da competitividade seria trágico. A cada refrão do samba-enredo da desilusão uma peça ornamental despencaria. Na reta de chegada, todos estariam de tanga. Se tanto. 

Por essas e por outras as manifestações de ontem em São Bernardo, sobretudo as que pude ouvir de perde e as que pude aferir com terceiros, estão fora de ordem. A tentativa de atirar a retirada da Ford no colo de terceiros, inclusive do governo federal que mal chegou a Brasília, é uma fraude, uma farsa, um embuste. 

Tem-se, portanto, uma oratória tão fora de propósito quanto a tentativa de sensibilizar a população ao, finalmente, lembrarem-se, os sindicalistas, dos estragos do fechamento da fábrica nos mais diversos segmentos profissionais que atuam como terceirizados, recebendo salários muito abaixo dos sempre protegidos metalúrgicos. 

Corporativismo esgotado 

Ao finalmente deixarem o roteiro de sempre, de desfilar na Avenida Anchieta para atrair a mídia paulistana e nacional, e incursionar por bairros de São Bernardo, as lideranças sindicais de São Bernardo caíram na real, embora tardiamente. Descobriram que o corporativismo de décadas já não sustenta qualquer tentativa de sobrevivência de uma planta industrial jogada no lixo da produtividade internacional. A sociedade em geral sempre esquecida pelos sindicalistas de São Bernardo, virou provavelmente último bastião de salvamento. 

Ao longo dos tempos os sindicalistas só se preocuparam com aliados políticos, dentro das fábricas. A sociedade como um todo sempre foi desprezada, quando não discriminada. Sobretudo a classe média que não se forjou diretamente no chão de fábricas. Não faltaram manifestações frequentemente restritivas, quando não discriminatórias, sobretudo quando a cultura trabalhista se tornava cultura político-eleitoral.

Ao procurarem focalizar uma São Bernardo supostamente em estado de tensão por conta da decisão da cúpula norte-americana da Ford os sindicalistas são desonestos ou ignorantes, porque a crise industrial do Grande ABC, e de São Bernardo em particular, entre outros motivos, é subproduto de profissionais do ramo que não são flores que se cheirem no relacionamento com os empresários de grande, médio e pequeno porte. 

Modelos de debandada

A cultura arraigada e discriminatória anticapitalista acelerou o processo de retirada gradual, discreta, e, em situações de gravidade, duramente impactante, de centenas de empresas. A Ford entra no catálogo que contempla os dois modelos, dada a grandiosidade da corporação. Ou seja: foi saindo aos poucos, como se não quisesse nada, e, de repente, saiu com tudo o que restava. 

Os leitores não vão encontrar em lugar algum da mídia nacional qualquer ressalva à atuação predatória do sindicalismo, em oposição à construção de uma sociedade mais justa. 

E não vão encontrar porque os sindicalistas são protegidíssimos pela mídia, pelos acadêmicos, pelos políticos mesmo contrários aos esquerdistas do PT. Há um pacto de silêncio por conta de vantagens que todos usufruem. 

Deixar para lá os estragos sindicais é uma maneira de supostamente proteger os trabalhadores. Na verdade, os trabalhadores desempregados ao longo dos tempos, entre outras razões por conta de desigualdades geradas pelo protecionismo às montadoras e autopeças, sofreram as durezas dos cortes porque seus representantes usam e abusam do direito de mandar nos chãos de fábricas com comitês monitorados pelo poder central do Sindicato dos Metalúrgicos. 

Problema crônico 

Quem acha que a crise do desemprego industrial em São Bernardo vai passar não conhece da missa um terço. O problema é crônico. Só foi suavizado durante os anos falsamente dourados de Lula da Silva na presidência da República, sobretudo no segundo mandato, quando o PIB cresceu muito mais do que a responsabilidade fiscal permitia. 

Mas não durou muito e veio a realidade que associa a necessidade de investimentos à sustentabilidade do crescimento econômico produzido por empresas, não por políticas de gastança de governo para ganhar a próxima eleição.

Quando afirmo que São Bernardo é um caso de desemprego e de desindustrialização crônicos não faço mais que a obrigação de chamar a atenção das autoridades locais. Busquem alternativas, porque a depender do setor de transformação os anos vindouros serão igualmente desastrosos, possivelmente com alguns intervalos de respiro que darão sobrevida aos sindicalistas em desespero. 

Trajetória de queda 

Foi exatamente sob o governo petista em Brasília que São Bernardo conheceu um período de chumbo industrial, sempre ressaltando o intervalo artificialmente criado pelo lulismo protetor das montadoras em detrimento dos cofres públicos e do bolso dos consumidores. 

Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2016 (devemos considerar a gestão de Michel Temer apenas a partir de 2017, e mesmo assim com os rabos de foguete remanescentes do governo Dilma Rousseff), São Bernardo ficou entre os rabeirinhas do Produto Bruto Industrial dos 39 integrantes da Região Metropolitana de São Paulo, conglomerado de municípios que responde praticamente por metade do PIB do Estado de São Paulo. 

Fiz todas as contas, meticulosamente, cuidadosamente, e contatei com esses olhos que passaram recentemente por drástica cirurgia, que São Bernardo ficou entre os piores da Região Metropolitana de São Paulo.  

O crescimento nominal (sem considerar a inflação) do PIB Industrial de São Bernardo nos 16 anos petistas não passou de 61,58%, acima apenas de São Caetano com 40,62%, de Salesópolis com variação negativa e de São Lourenço da Serra, com crescimento de 8,90%. A inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) chegou a 128,98%. Traduzindo: São Bernardo está na zona de rebaixamento de crescimento industrial na Grande São Paulo, área que cresce menos que as regiões metropolitanas do Interior do Estado, sobretudo Campinas, Sorocaba e São José dos Campos. 

Resultados devastadores 

Com a sistemática fragilização da indústria, São Bernardo só poderia mesmo acusar as dores da quebra do PIB Geral, que é a soma dos valores de todas as atividades econômicas, além da Administração Pública. No mesmo período, quando se pega o ranking dos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, os 175,18% de crescimento nominal (contra uma inflação do IPCA no período de 128,98%) colocariam São Bernardo em 34º lugar na classificação. À frente somente de Juquitiba, São Caetano, Poá, São Lourenço da Serra e Salesópolis. 

Os estragos que o sindicalismo e outros fatores relativamente menos importantes provocaram em São Bernardo durante a gestão petista em Brasília talvez fiquem mais evidenciados ao se confrontarem os números apontados com os primeiros colocados. 

No caso do PIB Geral, por exemplo, enquanto São Bernardo ultrapassou com escassa margem a linha positiva medida pela inflação do período, ou seja, avançou nominalmente 175,18%, a primeira colocada Itapevi cresceu 1.042,95% no período, Arujá registrou 735,05% e Embu das Artes 623,77%. 

Possivelmente os leitores mais críticos vão argumentar que municípios menores tendem a crescer mais por força do nanismo numérico suscetível a impactos mais expressivos. Verdade, ou nem sempre verdade. Osasco, como se sabe, não é um Município pequeno. Tanto não é pequeno que está em oitavo lugar no PIB Geral dos Municípios de 2016, o último anunciado pelo IBGE. Pois Osasco, beneficiadíssima pelo trecho Oeste do Rodoanel (enquanto o Grande ABC se ferrou com o traçado Sul), cresceu entre janeiro de 2003 a dezembro de 2016 nada menos que 499,11% no PIB Geral, que, repito, contempla todas as atividades. 

Mais complicações 

Quando se vai ao PIB Industrial do período, São Bernardo leva um show de bola porque acima dos nominais 61,58% registrados está um batalhão. Guarulhos, fortemente industrial, e que, portanto, poderia ter sido igualmente aniquilada nos anos de chumbo dilmistas, cravou 199,30% de crescimento nominal. 

Citar outros municípios soa desnecessário agora, até porque estou preparando uma análise específica sobre isso. O que vale mesmo como conceito respaldado pela realidade do dia a dia é que São Bernardo jamais vai se livrar do processo de desindustrialização se, entre os vetores mais relevantes, a questão sindical não for devidamente aparada. 

Quem coloca o guizo da responsabilidade social no pescoço do gato do corporativismo atávico? O Custo ABC é uma dura realidade, denunciada há pelo menos duas décadas e meia, e só se tem agravado a cada temporada. Desfilar pelos interiores de bairros em direção ao Paço Municipal, carregando alguns milhares de trabalhadores e familiares, não passa de mais um ato demagógico de sindicalistas órfãos de benesses federais. 



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