Vamos esquecer o que se passou até 2002 na indústria de transformação do Grande ABC. Façamos de contas que os anos 1990, com perda líquida de mais de 100 mil empregos industriais com carteira assinada, não existiram. Que os anos terríveis de Fernando Henrique Cardoso foram uma ficção. Que as consequências deletérias do sindicalismo naquele mesmo período e antes disso, foram uma miragem.
Vamos para a realidade de 2003 a 2016, quando o PT mandou na economia nacional, mesmo depois da queda de Dilma Rousseff. Entenderam?
Pois agora sigam sentados: somente nesse período, de 14 anos, o setor industrial da região perdeu 40% de participação no Estado de São Paulo. Uma queda relativa que expressa queda de fato. Vou explicar mais abaixo, mas vou antecipar: se tivéssemos crescido como cresceu a indústria paulista, teríamos agregado ao PIB Industrial do Grande ABC os PIBs industriais de São Bernardo, Santo André e São Caetano.
Saída complicadíssima
O que quero chamar a atenção com esse enunciado é que o melhor é os leitores não acreditarem no que andam dizendo executivos empresariais, políticos e sindicalistas. É ilusão entender que a salvação da economia regional no setor que mais gera riqueza poderá ser resolvida com a manutenção da General Motors em São Caetano e com uma reviravolta mais que improvável da Ford em São Bernardo, redefinindo o futuro de uma fábrica velha e fora de moda.
O drama da indústria regional é muito maior que a soma de algumas plantas individuais. É estrutural, endêmico, dramático. Por isso, a decisão do prefeito Paulinho Serra, de Santo André, de atender à proposta deste jornalista e decidir contratar uma consultoria preferencialmente de reconhecimento internacional para redesenhar a competitividade econômica de Santo André, com possibilidades de o projeto tomar toda a geografia regional, não é algo para amanhã. E para o aqui e agora.
A participação relativa da indústria de transformação do Grande ABC no Estado de São Paulo era de 10,80% quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência da República em dezembro de 2002. Na outra ponta, em dezembro de 2017, sempre segundo dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), não passava de 6,53%. Uma queda de 39,54%. Ou os 40% que arredondei por conta e risco de facilitação jornalística.
Perda de R$ 15 bilhões
Se acompanhasse o desempenho médio da indústria paulista durante o período, o PIB da Indústria regional não teria somado R$ 24.123.420 bilhões em valores de dezembro de 2016, mas R$ 39.913.554 bilhões. O crescimento médio dos municípios paulistas na indústria de transformação foi de 212,41%, enquanto o Grande ABC registrou apenas 88,82%.
A diferença em valores monetários alcança R$ 15.790.134 bilhões. Ou seja: os R$ 39.913.554 bilhões que seriam o resultado do crescimento com base na média paulista menos os R$ 24.123.420 bilhões registrados de fato.
Nesse período de 14 anos, portanto, a indústria do Grande ABC cresceu nominalmente 88,82%, bem abaixo da inflação de 128,98%, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A indústria paulista ultrapassou com facilidade esse limitador com os 212,41% nos mais de 600 municípios.
Situação incontrolável
É por essas e outras que tenho insistido na necessidade de mudanças viscerais no Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Entra ano, sai ano, e nada de mudanças. Aposta-se em atividades comerciais e de serviços sem valor agregado e, por isso mesmo, distantes das matrizes industriais. Transforma-se um anúncio especulador de retirada da General Motors em desespero total e um anúncio resolutivo de debandada da Ford igualmente em fonte de desencanto. O que não se percebe é que a vaca está indo cada vez mais para o brejo mesmo que as montadoras não fechem as portas de vez, porque estão fechando dissimuladamente, investindo em outros territórios.
Perde mais riqueza industrial quem tem mais riqueza industrial para perder no Grande ABC? Não é exatamente assim. A situação de São Caetano nos anos petistas de governo federal é mais grave que a de São Bernardo. Os dois municípios dependem demais da Doença Holandesa Automotiva, que consiste em colocar praticamente todas as fichas industriais no setor de veículos de passeio e também pesados.
Entre 2003 e 2016 São Caetano registrou apenas 40,62% de crescimento nominal na indústria, conta inflação três vezes maior. Isso é desindustrialização escancarada. São Bernardo foi menos ruim, mas também lamentável, com avanço nominal de 61,58%. Isso também é desindustrialização escancarada. Santo André chegou a 87,87%. Isso é igualmente desindustrialização escancarada.
Nem Diadema, que cresceu 121,89%, rompeu a barreira inflacionária, ficando abaixo do IPCA. Somente Mauá (202,29%), Ribeirão Pires (249,55%) e Rio Grande da Serra (315,85%) superaram o limitador inflacionário. Muito pouco para o conjunto da obra porque não passam, em conjunto, de 12% do PIB da região.
Fazendo as contas
Para chegar à participação da região no PIB Industrial do Estado de São Paulo de 10,80% em 2002 bastou dividir o PIB Industrial da região (R$ 12.776.017) pelo PIB Industrial Paulista (R$ 118.210.693 bilhões). E para chegar à participação do PIB do Grande ABC no Estado de São Paulo de 6,53% em 2016 basta dividir R$ 24.123.420 também pelo PIB Estadual do setor, de R$ 369.304.807. Quando o Estado avançou nominalmente 212,41% em volume do PIB Industrial em 14 anos e o Grande ABC não passa de 88,82% o sinal evidente é de que a situação está muito pior do que imaginam os mais céticos.
Esses dados não me surpreendem porque monitoro sistematicamente vários indicadores econômicos da região, retirando-os da geografia exclusivamente local e inserindo-os em outros ambientes para estabelecer competitividades que as administrações públicas deveriam ter como premissa de planejamento.
Guardei para o final deste texto uma comparação que vai arrepiar o último fio de cabelo de quem tem um mínimo de interesse em ver o Grande ABC navegando em águas menos turvas: os arredondados R$ 15 bilhões de PIB Industrial que o Grande ABC perdeu, caso mantivesse o ritmo de desenvolvimento da indústria paulista, corresponde à soma dos PIBs Industriais de São Bernardo (R$ 8.223.955), Santo André (R$ 4.327.279 bilhões) e apenas um pouco menos que o PIB de São Caetano (R$ 2.950.348 bilhões), sempre em valores atualizados a dezembro de 2016.
Com tudo isso, é claro que a ajuntamento regional em torno do projeto defendido pelo prefeito de Santo André não colocaria imediatamente o trem da indústria nos trilhos. O melhor que se pode pensar com os pés no chão é que o Grande ABC seguirá a perder participação real e relativa no PIB do Estado de São Paulo e ainda mais no Brasil, porque o ritmo de crescimento do PIB Industrial Nacional é maior que o dos paulistas. O planejamento estratégico de Santo André e quem sabe da região como um todo visa a reduzir a velocidade de perdas em sintonia com o desenvolvimento de outras matrizes econômicas fora da dependência da indústria de transformação.
Ou seja: precisamos passar sebo nas canelas para impedir que a derrocada dos últimos 14 anos, que se sobrepõem às derrocadas anteriores, não vire moto-perpétuo, até o caos derradeiro. Quem não sabe ou não tem ideia do que seja caos derradeiro não deve se penitenciar pela falta de conhecimento agregado. Mesmo quem tem não saberiam responder. Mas que o caos viria, não tenham dúvida. Por enquanto, General Motors e Ford são refrescos, porque falseiam uma realidade orgânica nada satisfatória.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?