Chegamos à edição de número 20 da newsletter OmbudsmanDiário, instrumento que criei para me comunicar diretamente com diretores, acionistas e editores do jornal Diário do Grande ABC. Era 30 de junho de 2004. Portanto, há praticamente uma década e meia. Mesclava atuação em duas frentes: analisava diariamente o produto que ia aos assinantes e consumidores em geral e reproduzia gradualmente as propostas do Planejamento Editorial Estratégico que preparei para revolucionar o jornal naqueles próximos cinco anos.
Era a primeira vez que o jornal mais tradicional da região adotava a função de ombudsman. Depois, virei diretor de Redação.
Sempre é bom lembrar que o Planejamento Editorial Estratégico foi preparado num fim de semana em que me mandei para o Interior do Estado, isolando-me de tudo e de todos. Escrevi quase 100 mil caracteres.
Delineei o Diário do Grande ABC do futuro com base no passado (então presente) de sucesso editorial da revista LivreMercado. Criei do nada e sem nada aquela publicação em março de 1990. LivreMercado se converteu no melhor produto editorial regional do País.
O Diário do Grande ABC estava a léguas de distância do padrão que introduzi na LivreMercado. Daí ter estipulado o período mínimo de cinco anos para que os resultados se cristalizassem. Quem pensa que se faz algo intrinsecamente semelhante em menos tempo é ruim da cabeça.
Na edição de OmbudsmanDiário de 30 de junho de 2004 tratei de multifuncionalidade. Leiam:
Edição número 20
A especialização é parente muito próximo da multifuncionalidade. Sem especialistas não se alcança a diversidade funcional. Com vagar, é mais que possível, é certo, que um profissional de jornalismo absorva várias atribuições que o convencionalismo editorial subdivide entre vários colaboradores. As diversas fases que caracterizam a linha de montagem editorial podem ser compactadas com evidentes vantagens de tempo e recursos financeiros. Um mesmo jornalista pode desempenhar funções de pauteiro, repórter, redator, editor, titulista e legendista. E não se observe esse encadeamento como algo tecnicamente inconciliável. Trata-se de gestão compulsória de atributos pessoais. Basta querer. É assim que iniciamos uma revolução na Editora Livre Mercado, onde metade da equipe editorial é formada de jovens ainda inexperientes.
Destacamos esse caráter de juventude que caracteriza parte dos quadros editoriais da Editora Livre Mercado para que não se avoque a impossibilidade de combinar revolução e inexperiência. Os resultados não são semelhantes entre os dois grupos de profissionais. Os jornalistas com maior experiência e que tiveram de adequar-se ao novo modelo, vindos todos do arcaísmo de uma hierarquia atávica, compreenderam a importância de se tornarem donos de cada produto que têm na mão -- sim, a eles entregamos a responsabilidade e o prazer de extraírem o máximo de insumos. Quem redige a matéria tem mais facilidades para escolher a foto, sacar um título, optar pela melhor legenda, redigir o texto de chamada de primeira página, coisas assim. Ao editor compete, entre outras tarefas, a homogeneização da linguagem que, por sua vez, é uma das frondosas ramificações da mesma árvore editorial. A isso se dá o nome de personalidade editorial.
A introdução do sistema de multifuncionalidade conjugada com especialização poderá causar certo impacto no início, mas a mensagem que será passada aos profissionais permitirá amortecer eventuais desconfortos. Primeiro porque poucos resistirão à tentação de apropriarem-se de cabo a rabo dos produtos sob sua responsabilidade. Segundo porque a perspectiva favorecerá o enriquecimento técnico. Terceiro porque estará firme no horizonte a oportunidade de a racionalidade associada à qualidade gerar maiores rendimentos salariais porque os mais apetrechados acabarão por galgar os melhores postos. É impressionante como os profissionais que se motivam com a multifuncionalidade -- e a motivação é praticamente compulsória -- acabam por se preocupar muito mais com o conjunto da obra. Sim, porque eles passam a entender uma das leis soberanas do jornalismo: se a matéria é confusa, o título se torna um tormento e a legenda um desafio.
Não conseguimos enxergar uma redação que não tenha vocação a multiplicar funções. Estamos reproduzindo no campo editorial uma realidade prática do mundo da indústria de transformação. Mais e mais os chãos de fábrica patrocinam cases de engenhosidade funcional. Os núcleos de produção estão sendo ocupados cada vez mais por profissionais doutrinados a exercerem funções correlatas múltiplas. Vivemos tempos ultramodernos em que o conhecimento teórico aliado à funcionalidade prática faz a diferença.
Estabelecer limites fossilizados aos profissionais de comunicação é o caminho mais curto ao desperdício. Quando se descobre capaz de pautar, redigir, corrigir, titular e legendar, não há jornalista que não estufe o peito da autoestima. Que prazer tem um profissional, se de autocrítica dispor, em simplesmente executar uma dessas tarefas? O mais interessante é que multitarefas se revestem de tanta sinergia individual e coletiva que acabam por agilizar o amadurecimento dos profissionais. Queimam-se etapas. Profissionais mais antigos e que não passaram pela experiência simplesmente acusam as dores do despreparo. Há profusão de casos de bons redatores péssimos titulistas, bons pauteiros péssimos redatores, bons editores e péssimos pauteiros.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)