Economia

Internet incomoda
concessionárias

RAFAEL GUELTA - 05/09/2000

Uma revolução, por enquanto lenta mas contínua, promete mudar radicalmente o mercado brasileiro de distribuição e venda de veículos. A entrada da Internet no negócio -- e a certeza de que as montadoras estão prontas para praticar venda direta por e-commerce -- faz com que tradicionais concessionárias de marcas como Volkswagen, Fiat, General Motors e Ford procurem desde já alternativas para resistir ou se adaptar à era das revendas virtuais. Lojas focadas em showrooms, sites próprios na Internet, transformação de oficinas especializadas em centros de serviços multimarcas e incremento de vendas de seminovos fabricados por concorrentes são algumas das inovações já introduzidas pelos distribuidores. A venda de veículos novos deixa aos poucos de ser o principal foco do negócio. Há previsão de que em curto prazo a Internet venha a responder por 20% do comércio automotivo. 

O gatilho das transformações já foi disparado no Grande ABC. Incentivados pelos próprios fabricantes que representam, tradicionais distribuidores de veículos começam a se ajustar aos tempos da nova economia. Duas revendas inauguradas recentemente em São Bernardo, cidade que abriga o maior número de automobilísticas do País -- seis ao todo --, abandonaram de vez conceitos que predominaram na era pré-Internet. As lojas são do tipo showroom, dirigidas exclusivamente ao atendimento e conforto do cliente. Visualmente estilizadas, são vitrines que expõem e comercializam veículos zero quilômetro e seminovos. Não possuem oficinas para os chamados serviços mecânicos pesados, nem grandes áreas para estoques e testes. A redução de pessoal, em comparação com revendas tradicionais, chega a 70%.

Protagonista da primeira fusão multimarcas ocorrida no País, ao ser incorporada pela distribuidora Fiat Projeto, a Ford Sandrecar inaugurou em agosto showroom na Avenida Pereira Barreto. Única concessionária Ford instalada na cidade que concentra o comando brasileiro da montadora, a Sandrecar de São Bernardo é exemplo do empreendimento enxuto da nova economia. Inaugurada com festa que teve a presença do presidente da Ford Company Brasil, Antonio Maciel Neto, do presidente da Projeto, Pacifico Paoli, e do fundador da Sandrecar, Octávio Vallejo, a loja conta com ajuda estratégica da Internet para conquistar e fidelizar clientes. "Entre outras ações, vamos desenvolver promoções para empresas frotistas via e-mail" -- afirma o gerente de vendas Márcio José da Silva.

A Sandrecar de São Bernardo não tem oficina para serviços pesados. Trabalha apenas com os chamados reparos rápidos e básicos, como balanceamento de rodas e trocas de freio, embreagem e óleo. O setor de mecânica especializada está concentrado na matriz em Santo André, que depois de 37 anos deixou de atender exclusivamente veículos da marca Ford para dedicar-se também a produtos da concorrência. Em janeiro deste ano, quando a Sandrecar foi incorporada pela Fiat Projeto, a própria Ford fez questão de enfatizar que acabou a era do distribuidor fiel à marca. "Não existe mais esse conceito porque o mercado brasileiro tem muitas marcas e poucos investidores competentes no ramo de distribuição" -- afirmou à época o diretor de Desenvolvimento de Negócios da montadora, José Ramos de Oliveira.

A distribuidora Ford inaugura ainda este ano outra filial enxuta no Grande ABC, na avenida Papa João XXIII, em Mauá. O diretor Gustavo Vallejo afirma que não estaria investindo em novos pontos de vendas se sentisse ameaça da Internet. "A rede mundial de computadores vai dizer ao cliente em qual concessionária está o veículo. Pesquisas indicam que o consumidor brasileiro gosta de ver, tocar e experimentar fisicamente o que está comprando" -- enfatiza o executivo. Vallejo observa que tem havido estreitamento nas relações das montadoras com distribuidores, mas não arrisca avaliar como será o negócio dentro de 10 anos. Não acredita em lojas multimarcas, mas reconhece que um mesmo proprietário poderá comercializar várias bandeiras em pontos diferenciados. A loja Sandrecar de Mauá terá como vizinha uma filial da sócia Projeto, que representa a Fiat.  

Não existe oficina, nem para reparos rápidos, na filial que a Volkswagen Avel inaugurou em julho na elegante e agitada Avenida Kennedy, principal point de lazer noturno de São Bernardo.  Chamada de ponto-de-venda expandido, a loja foi planejada de acordo com conceito desenvolvido pela própria Volks. Estão expostos todos os veículos nacionais e importados da marca comercializados no Brasil, além de seminovos multimarcas. O showroom da Avel dispõe de serviços de despachante e companhias de seguro. A loja se prontifica a receber veículos com problema mecânico e encaminhá-los à oficina própria, que fica em outro endereço em São Bernardo.

A exemplo da Sandrecar, que conta com Internet para incrementar vendas e fidelizar clientes, a Avel aposta na rede mundial de computadores. A proprietária Denize Apolinário comemora a média de 12 veículos vendidos mensalmente pela web. O site da Avel oferece todo tipo de informação sobre produtos Volkswagen, planos de pagamento e consórcios. O cliente pode até marcar test-drive via e-mail. 

Polêmica e trauma -- O impacto da Internet no negócio de veículos polemizou o 10º Congresso da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos) realizado no mês passado em Salvador (BA). Concessionárias de todo o País discutiram formas de se posicionar diante da iminência de as montadoras iniciarem venda direta por e-commerce a curto e médio prazo. O assunto é tão delicado que as montadoras evitam comentários para não se expor e, ao mesmo tempo, não se indispor com seus representantes diretos junto ao consumidor.

Revendedores não têm a menor dúvida de que a questão é irreversível. Basta que o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) conceda à venda on-line a mesma regulamentação da venda física interestadual para que fabricantes entrem com força no e-commerce. O fato de a pressão sobre o órgão federal que agrega secretarias estaduais da Fazenda partir da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) reforça a tese de que a estrada virtual do futuro não tem volta.

É provável que a decisão do Confaz seja divulgada neste mês. Há uma rodada de negociações marcada com representantes da indústria automobilística. Se for aprovada a regulamentação da forma como querem as montadoras, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) será recolhido integralmente pelo Estado que for ao mesmo tempo produtor e consumidor. No caso de a produção ocorrer num Estado e a venda do produto acabado se der em outro, o imposto será dividido. O Estado produtor ficará com 7% e o consumidor com os restantes 5%.

Como o Brasil ainda tem longo percurso de transformações pela frente, está definido temporariamente que não interessa nem um pouco às montadoras desfazer-se do apoio das redes de distribuição. A questão é eminentemente estratégica, pois apenas seis milhões de brasileiros estão conectados atualmente à rede mundial de computadores. É público muito pequeno para o e-commerce. Por isso fabricantes ainda não querem liberar concessionários do compromisso de fidelidade à marca. O mercado de veículos está tão aquecido, depois de dois anos seguidos de vacas magras, que o objetivo das montadoras é um só: vender, vender e vender -- seja no balcão ou pela via virtual.

É justamente a necessidade de incrementar vendas para ocupar a capacidade instalada de quase três milhões de veículos/ano no País que atenua a tensão dos concessionários, porque reforça a dependência imediata das montadoras às redes. A previsão da Fenabrave para este ano é de que o mercado de veículos zeroquilômetro apresente crescimento de 12% comparado a 1999, somando-se vendas de automóveis, utilitários, ônibus, caminhões, tratores e motocicletas. O mercado especula que será possível repetir em 2002 o recorde histórico de vendas atingido pela indústria automobilística brasileira em 1997, quando foram comercializados mais de dois milhões de veículos.  

Celta é divisor -- Num primeiro instante é certo que o e-commerce das montadoras passará obrigatoriamente pelas concessionárias. O internauta entrará na rede de computadores, acionará o site do fabricante, solicitará test-drive, fará escolha do veículo por modelo, cor e opcionais e definirá prazo de financiamento. O banco da montadora, por sua vez, utilizará a via virtual para aprovar o crédito. A concessionária será fundamental na hora de o consumidor fazer a retirada do veículo. Receberá comissão da montadora para prestar serviço.

É esse o modelo que a General Motors pretende adotar para vender o Celta, subcompacto fabricado no Rio Grande do Sul que está sendo lançado oficialmente neste mês. Se o Confaz aprovar logo a regulamentação para venda eletrônica, o Celta será divisor de águas no processo de vendas de veículos, fazendo a ponte da velha para a nova economia. A montadora, cujo centro de decisões fica em São Caetano, já definiu até a comissão que será dada aos distribuidores: 7,3% sobre o valor total do negócio.

A GM está mais do que pronta para o comércio eletrônico. Das montadoras instaladas no País, é a que mostra estar em estágio mais avançado. Tanto que Mark Hogan, ex-presidente da filial brasileira e hoje principal executivo de e-commerce da maior fabricante de veículos do planeta, esteve recentemente no País para fechar os últimos detalhes com concessionários.

Hogan participou da solenidade de inauguração da fábrica do Celta em Gravataí. Sua principal missão foi tranquilizar concessionários da marca, que temiam ser descartados do processo de venda do subcompacto. Explicou que a GM não tem condições de competir diretamente com a rede de distribuição nos prazos de entrega. A indústria automobilística está consciente de que o consumidor, internauta ou não, quer receber o produto adquirido no menor tempo possível. Que o digam livrarias e outros tipos virtuais de comércio, que enfrentam sérios problemas com distribuição.

Se o e-commerce emplacar como imaginam as montadoras e seguir o mesmo rastro da comercialização de computadores nos Estados Unidos, que foi sucesso pela via virtual, é possível que no futuro concessionárias passem a ter papel secundário nas vendas diretas. O pano de fundo de toda a questão é a acirrada disputa dos fabricantes de veículos por um mercado cada vez mais competitivo. Vendas diretas por computador podem fazer a diferença porque acenam com redução final no preço dos produtos de quase 20% -- patamar impossível de ser atingido hoje, mesmo com todo o enxugamento e estímulo à produtividade que se prevê para os próximos anos.



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