Economia

Sobrevivente da
GLOBALIZAÇÃO

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/04/2001

Imagine um tornado seguido por terremoto e acompanhado pela explosão de bomba atômica. Pois o cenário de tríplice hecatombe é muito parecido com o que restou do parque brasileiro de autopeças após a abertura econômica. Nenhum setor acusou tão intensamente os golpes da competitividade internacional quanto os fornecedores da indústria automobilística. A inserção do Brasil no mercado internacional obrigou as montadoras instaladas no País a correr atrás da competitividade esquecida durante décadas de enclausuramento. A ordem é oferecer carros melhores e mais baratos a um consumidor que passou a ter referências internacionais. Forçadas a produzir com mais qualidade e menos custos, centenas de autopeças de pequeno e médio portes não conseguiram resistir à nova realidade e foram nocauteadas. Na realidade, nem gigantes do setor resistiram à competição internacional. Cofap e Metal Leve, exemplos de ilhas de excelência, caíram nas garras de conglomerados estrangeiros com escala de produção infinitamente maior.


É nesse quadro desastroso que a Metalúrgica Jardim emerge como sobrevivente. A empresa sediada no Bairro do Sertãozinho, em Mauá, faz parte do restrito grupo de autopeças genuinamente nacionais que não foram varridas do mapa ou absorvidas por concorrentes multinacionais. O capital estrangeiro é dono hoje de 70% das autopeças feitas no Brasil. O fornecimento de conjuntos estampados para Ford, General Motors e Volkswagen rendeu à Metalúrgica Jardim faturamento de R$ 60 milhões no ano 2000, receita quase 50% maior que os R$ 44 milhões de 1999, que por sua vez já havia sido superior aos R$ 34 milhões faturados em 1998. 


O desempenho positivo nos últimos anos contrasta com a situação da maioria esmagadora das autopeças brasileiras e também desafia o fluxo errático do setor automotivo. A Metalúrgica Jardim ampliou receitas a bordo de novos serviços às maiores montadoras do País enquanto o mercado automotivo brasileiro descia a ladeira depois de atingir recorde histórico com 2,1 milhões de veículos produzidos em 1997. 


Mais importante que o crescimento já consolidado num panorama setorial marcado por reviravoltas é a expectativa de novos saltos. A Jardim acaba de ser destacada com o Prêmio Fornecedor do Ano Ford Brasil na categoria de Estampados, em cerimônia realizada no Hotel Maksoud Plaza com a presença do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Alcides Tápias, e do presidente da Ford Brasil, Antonio Maciel Neto, entre outros representantes públicos e privados do setor produtivo brasileiro. 


Além do reconhecimento como melhor estamparia do Brasil, a empresa recebeu da mesma montadora em meados de janeiro o Prêmio Q1 (Quality One), concedido a fornecedores brasileiros de classe internacional. O Q1 foi entregue pelo gerente de compras da Ford, Antonio Serrano, ao fundador Valdir Rigout, em cerimônia na sede da Metalúrgica Jardim. Os 290 funcionários participaram da comemoração com direito a fogos de artifício, Hino Nacional e hasteamento da bandeira. "São incentivos para continuar no caminho certo" — comenta o diretor-presidente Laércio Reverte, sócio de Valdir Rigout. 


A performance da Metalúrgica Jardim ganha contornos ainda mais surpreendentes quando se considera que a empresa chegou a abrir mão da indústria automobilística por não resistir às pressões do setor mais dinâmico e competitivo do planeta. Assaltados pela sensação de que a fábrica não mais lhes pertencia em razão de exigências cada vez maiores das montadoras, os diretores buscaram outros mercados na tentativa de restabelecer a autonomia que consideravam perdida. O foco foi voltado para a fabricação de bicicletas e fogões de marcas próprias. Com isso, durante cinco anos, de 1990 a 1994, o setor automotivo representou apenas 10% do faturamento. Ainda assim. com fornecimento para o mercado de reposição. A empresa chegou a produzir por mês 10 mil bicicletas da marca Tekforte para o mercado interno e cinco mil fogões Masterchef para Colômbia, Porto Rico e Bolívia. 


A estratégia de diversificação não resistiu ao tempo. Apesar de dominar tecnicamente a produção de fogões populares e bicicletas, até porque estava acostumada com as mais complexas autopeças, a empresa tropeçou na falta de intimidade com os canais de venda. "Achávamos que saber fabricar era o suficiente para ter sucesso, mas faltou conhecimento comercial" -- assume o presidente Laércio Reverte que, na época, era diretor industrial. O faturamento e a rentabilidade estavam em queda livre quando a Metalúrgica Jardim recebeu convite da Volkswagen para produzir o tanque de combustível para o Fusca, veículo reinserido na linha de produção por influência do ex-presidente Itamar Franco. A partir de então, a Metalúrgica Jardim foi abandonando os fogões e bicicletas para intensificar atendimento às montadoras. Passou a equipar o Gol, logo em seguida os modelos Pampa, Fiesta e Ka, da Ford, e também os carros da General Motors. "A volta do Fusca foi nossa redenção" -- afirma Laércio Reverte. "Abandonar o segmento automotivo foi um erro estratégico" -- completa.


A derrapagem teve enorme utilidade porque a Metalúrgica Jardim retornou à cadeia automobilística com cultura completamente diferente da forjada nos tempos de mercado fechado. A empresa reapareceu na cena automotiva adaptada aos padrões internacionais de competitividade. Passou a entregar sistemas completos em vez de peças isoladas, a interagir no desenvolvimento de novas peças, a entregar produtos em sistema just-in-time, a buscar proximidade física com as montadoras para reduzir custos com transportes e agilizar o suprimento -- entre outras técnicas de sobrevivência na selva de aço do setor automotivo. Trocando em miúdos, a Metalúrgica Jardim se reinventou para assumir papel participativo exigido pelas montadoras. As manobras de recuperação depois de ter pisado em falso configuram lição de benchmark a empreendedores que se debatem no mar revolto da competição global.


Sistemista -- Um dos principais impactos da internacionalização do mercado brasileiro de automóveis é a redução drástica no número de fornecedores. Permaneceram no circuito próximo das montadoras apenas os sistemistas. São empresas capazes de fornecer conjuntos completos, formados por várias peças. Fornecedores que entregavam exclusivamente peças isoladas perderam terreno, já que a indústria automotiva terceirizou em larga escala conjuntos que produzia com estrutura própria. É o fenômeno que especialistas da indústria automotiva chamam de desverticalização produtiva. Tudo para reduzir custos de produção e dar maior enfoque a áreas estratégicas de planejamento, marketing e comercialização, além de montagem final. A responsabilidade mais abrangente repassada aos fornecedores é comparável à complexidade de reger orquestra. No passado, bastava tocar um só instrumento.


A Metalúrgica Jardim se adaptou ao movimento de desverticalização. Passou a fornecer sistemas completos em vez de entregar peças avulsas. Ao tanque de combustível foram agregadas dezenas de peças menores produzidas por outras autopeças, casos de bomba, chicote, mangueira e filtros. O resultado da sinergia com os fornecedores é o suprimento direto às montadoras. A mesma lógica vale para outros conjuntos. Cada alavanca de câmbio produzida internamente é complementada por outras 15 peças fabricadas por terceiros antes de aterrissar nas montadoras. É assim também com o sistema de freio, cuja alavanca a Metalúrgica Jardim produz. "As montadoras não fazem questão de saber quem produz o que. O importante é que o conjunto preencha requisitos de qualidade e custo" -- explica Laércio Reverte.


A obrigatoriedade de entregar conjuntos completos impôs à Metalúrgica Jardim a necessidade de criar rede de fornecedores confiáveis do mesmo modo que as montadoras cultivam time de sistemistas de primeira linha. As peças que integram tanques de combustível, alavancas de freio e alavancas de câmbio que chegam às montadoras em forma de sistemas completos são fabricadas por 500 fornecedores cadastrados. O nível qualitativo dos chamados subsistemistas é avaliado periodicamente por profissionais do Departamento de Qualidade da Metalúrgica Jardim. Somente os subsistemistas certificados com as normas internacionais QS 9000 e IS0 9000 ficam livres de avaliações. "Temos liberdade para fazer auditorias extraordinárias ao sinal de problemas" -- alerta a coordenadora de Qualidade, Alessandra Rodeiro Alonso. "Entretanto, não somos implacáveis. Ajudamos o fornecedor a se desenvolver se percebemos que tem vontade e potencial" -- completa Laércio Reverte. 


A transição de autopeça para sistemista demandou mudança radical de cultura empresarial. Em vez de apenas produzir, a Metalúrgica Jardim se viu compelida a enxergar as necessidades do cliente. O comodismo operacional cedeu lugar à estratégia. É imperativo fazer o melhor da maneira mais completa pelo custo mais baixo e com a melhor qualidade possível. A barreira cultural não foi a maior responsável pelo desaparecimento de milhares de autopeças. O grande obstáculo chama-se incapacidade financeira. Laércio Reverte explica que um sistemista não sobrevive sem capital de giro que dê sustentação ao caixa no inevitável descompasso permanente entre despesas e receitas. "Na maioria das vezes, o sistemista compra à vista dos fornecedores e recebe a prazo das montadoras" -- explica. A Metalúrgica Jardim foi beneficiada pela filosofia do fundador Valdir Rigout de poupar a maior parte dos recursos financeiros disponíveis. 


Além da rede de fornecedores, a Jardim recebe peças de fábrica própria sediada em Ribeirão Pires. Trata-se de uma estamparia leve que emprega 68 trabalhadores em galpão de 2,5 mil metros quadrados. A estrutura é pequena quando comparada aos galpões de 11 mil metros quadrados em terreno de 40 mil metros no Bairro do Sertãozinho, onde trabalham 290 funcionários. Mas o respaldo à montagem dos conjuntos em Mauá é superlativo.


Conexão via satélite -- Além de fornecer conjuntos completos, a cartilha de sobrevivência da Metalúrgica Jardim ensina que é imprescindível entregar com agilidade e precisão. As montadoras não estão dispostas a perder tempo e dinheiro com administração de estoques. A Jardim investiu R$ 1 milhão em sistema de comunicação para viabilizar o fornecimento inteligente. Os pedidos via satélite das plantas da General Motors, da Volkswagen e da Ford são transferidos para software que executa toda a programação de produção com base em informações alimentadas periodicamente pelo departamento de compras. 


Dotado de metodologia MRP (Manufacturing Resources Planning, ou Planejamento dos Recursos de Manufatura), o software indica a necessidade de novos pedidos aos subsistemistas com base no cruzamento dos pedidos das montadoras com o volume de produtos acabados prontos para o embarque; isto é: o software sincroniza da maneira mais eficiente e econômica possível os pedidos das montadoras à Metalúrgica Jardim e da Metalúrgica Jardim aos fornecedores. Um duplo just-in-time de racionalidade operacional.


É mais fácil cumprir o rigoroso cronograma de suprimentos quando se está instalado próximo às montadoras. Por facilitar a pontualidade das entregas e proporcionar redução de custos com transporte, proximidade física tornou-se uma das variáveis mais valorizadas pelas indústrias automobilísticas obcecadas por reduzir custos de produção. Prova disso é que algumas das mais novas montadoras brasileiras adotaram sistemas de condomínio industrial e de consórcio modular. Fornecedores estão literalmente dentro ou no quintal da linha de produção na pioneira fábrica de caminhões da Volkswagen de Resende (Rio de Janeiro), da planta da General Motors de Gravataí e do complexo industrial que a Ford está montando na baiana Camaçari. 


A Metalúrgica Jardim instalou filial em Caçapava para ficar mais perto da General Motors em São José dos Campos. Da unidade instalada a 10 quilômetros do portão da montadora saem sistemas de alimentação para abastecer a montagem da família Corsa, das picapes S10 e do utilitário esportivo Blazer. A quantidade de conjuntos despachada em intervalos cronometrados de uma hora e 11 minutos varia conforme a necessidade pontual da montadora, informada em tempo real pela conexão via satélite. O resultado da otimização logística proporcionada pelo casamento entre tecnologia de informação e localização privilegiada está no fato de a montadora não precisar se preocupar com administração de estoques -- um núcleo de custos inúteis ao lado de transportes.


O presidente Laércio Reverte explica que a unidade de Caçapava foi instalada há dois anos para produzir o conjunto que era fabricado pela própria GM do Vale do Paraíba. A estrutura da unidade é bem menor que a de Mauá porque em Caçapava a Metalúrgica Jardim não fabrica -- apenas monta as peças produzidas em Mauá e pelos fornecedores. Com 20 funcionários em galpão de dois mil metros quadrados, a unidade do Vale do Paraíba é responsável pelo fornecimento de 12 mil conjuntos por mês para veículos destinados a mercados externos, além de peças menores como treliças de teto e hastes do capô. 


A imperiosidade de seguir o rastro das montadoras também levou a Metalúrgica Jardim a implantar unidade na Bahia, a seis quilômetros do complexo industrial que a Ford está erguendo no Município de Camaçari. As obras da estamparia nordestina estão em estágio avançado. O início da produção está programado para março de 2002, quando os primeiros veículos do projeto Amazon começarem a sair das linhas de montagem. Até lá, a Metalúrgica Jardim terá investido R$ 7 milhões, dos quais R$ 5 milhões em equipamentos e R$ 2 milhões na construção do galpão de 1,5 mil metros quadrados. O fundador Valdir Rigout está cuidando pessoalmente da unidade, que terá inicialmente 20 funcionários.


A Metalúrgica Jardim atenderá a Ford baiana por intermédio da Krupp Automotive. Os sistemas de suspensão que a multinacional fornecerá aos automóveis da linha Amazon agregarão peças estampadas da Jardim. Krupp e Jardim compartilharão o mesmo espaço físico -- estarão separadas apenas por um corredor -- para agilizar a montagem dos conjuntos. O fornecimento de peças para sistemas de suspensão renderá R$ 10 milhões por ano, com base na produção anual de 250 mil veículos estimada pela Ford. "A dobradinha com a Krupp responderá por um sexto do faturamento atual" -- destaca Laércio Reverte.


O peso da operação baiana no balanço tem tudo para ser ainda maior. A produção não ficará restrita a peças para sistemas de suspensão. A parceria com a Krupp é apenas a ponta do iceberg de oportunidades. No plano de negócios também está previsto suprimento direto de conjuntos estampados para a linha Courier, que passará a ser produzida na Bahia, além de São Bernardo. Além dos R$ 7 milhões iniciais, outros R$ 1,5 milhão serão investidos até setembro de 2002 na segunda fase do projeto baiano. O montante é relativamente modesto porque parte dos equipamentos será transferida de Mauá. 


O potencial de negócios com a Ford baiana é incalculável. Os veículos que sairão das linhas de montagem é segredo guardado a sete chaves pelos executivos da multinacional norte-americana. Sabe-se que o chamado projeto Amazon simboliza a última cartada da montadora, preocupadíssima em retomar a participação que despencou a partir do casamento mal-sucedido com a Volkswagen, nos anos 80. O presidente Antonio Maciel Neto já se prometeu chegar a 14% do mercado nacional de automóveis até 2004, contra 9,5% obtidos em 2000. Se a unidade baiana conseguir recuperar as vendas da marca no mercado doméstico, os fornecedores crescerão na mesma proporção. Principalmente os quase 30 sistemistas e subsistemistas de elite que compartilharão o espaço do complexo industrial, além de empresas como Krupp e Metalúrgica Jardim, situadas num raio de poucos quilômetros. 


Há enorme diferença entre as perspectivas oferecidas pelas montadoras pioneiras dos anos 50 e a Ford baiana do século XXI. O complexo industrial de Camaçari foi concebido para gerar modelos competitivos no mercado aberto, globalizado, enquanto as plantas do Grande ABC remontam a uma época em que a expressão da moda era substituição de importações. Além de inovar no sistema de produção com a concepção de condomínio industrial, o Complexo Industrial Ford Nordeste vai operar com tecnologias avançadas, incluindo sistemas de solda a laser e tintas à base de água. A produção de 250 mil veículos por ano da família global Amazon se dará em ambiente equilibrado sob o ponto de vista ecológico: cerca de metade dos 4,7 milhões de metros quadrados do terreno será destinada a reflorestamento com espécies nativas da Mata Atlântica. Inicialmente a fábrica terá 230 mil metros quadrados construídos, mas área três vezes maior foi reservada para futuras expansões.  


A capacidade de desenvolver sistemas de alimentação, de câmbio e de freio é condição sem a qual a Metalúrgica Jardim não poderia nem sonhar em usufruir da privilegiada condição de atender diretamente aos pesos pesados da indústria automotiva. A credibilidade conquistada com o fornecimento de conjuntos completos abriu caminho para que a empresa estabelecesse outros diferenciais de atendimento: nacionalização e desenvolvimento de peças com participação da engenharia das montadoras, o chamado co-design. 


Nacionalizar é o verbo mais conjugado pelos executivos da indústria automotiva nos últimos tempos porque diz respeito à área mais sensível das montadoras: o balanço. Ao adquirir peças de fabricante nacional, as montadoras ficam livres de despesas portuárias e de transportes que comprimem margens de lucro e incham o preço do veículo nas concessionárias. Sem falar na impossibilidade de garantir pontualidade nas entregas quando o fornecedor está do outro lado do mundo ou a um oceano de distância. A Metalúrgica Jardim converteu em benefício próprio as dificuldades logísticas das montadoras: erigiu reputação de eficiente nacionalizadora de peças. Só a caminhonete F250, da Ford, tem mais de 40 itens produzidos pela estamparia de Mauá, entre os quais o sistema de pedaleiras, as partes internas dos pára-lamas e travessas de teto. O sistema de pedaleiras substituiu importação da Argentina. 


A participação no co-design reflete-se no desenvolvimento de peças para veículos novos ou reestilizados. Suportes para rodas sobressalentes dos modelos Ka e Fiesta são exemplos de itens elaborados em parceria com engenheiros da Ford. Além disso, Ka e Fiesta carregam juntos mais de 20 itens nacionalizados. As novas peças nascem sem deformações genéticas porque a Metalúrgica Jardim dispõe de laboratório de testes que simula condições de uso. O equipamento salt-spray virtualiza a resistência de peças à oxidação típica de regiões litorâneas.


Guerra positiva -- O filósofo alemão Friederich Nietszche imprimiu uma célebre frase segundo a qual tudo de ruim que não mata um organismo vivo acaba tendo o efeito inesperado de torná-lo ainda mais forte. Nietszche queria dizer que o infortúnio carrega o efeito positivo de preparar para embates ainda mais duros. O raciocínio formulado há mais de dois séculos se adapta com perfeição à trajetória da Metalúrgica Jardim e de outras empresas que conseguiram hastear caravelas para navegar a favor dos ventos fortes da globalização. 


A abertura econômica que dizimou centenas de concorrentes formou o cenário de guerra que levou a Metalúrgica Jardim à superação. Os desafios da globalização esculpiram perfil moderno, inovador e comprometido com os resultados das montadoras tanto quanto prensas de até uma tonelada de pressão moldam tanques de combustíveis que equipam milhares de carros brasileiros. Se o mercado brasileiro não tivesse levado um chacoalhão, empresas com potencial latente como a Metalúrgica Jardim ainda estariam misturadas à massa de comodismo que caracterizou o parque nacional de autopeças até 1990. 


A sensação de que a estamparia de Mauá atingiu o Olimpo do suprimento às automotivas não encontra ressonância nos 378 funcionários da unidade-sede e das filiais de Caçapava e Ribeirão Pires. O sentimento transmitido por Valdir Rigout e Laércio Reverte é de que a empresa é uma embarcação respeitável no mar revolto da cadeia automotiva internacional, mas que exige atenção permanente para não naufragar na travessia repleta de transatlânticos de classe mundial. Apesar de terem consolidado a capacidade de fornecer conjuntos completos em vez de peças, os diretores da Metalúrgica Jardim não descartam a possibilidade de a empresa vir a perder o posto estratégico de sistemista para se tornar fornecedora de segundo escalão. "No segmento de caminhões já há fornecedores entregando o sistema de alimentação integrado com o chassi" -- afirma Laércio Reverte. Se for transplantada para a cadeia de veículos de passeio, a metodologia jogaria a Metalúrgica Jardim para a posição de subsistemista.


Um sinal de que o mar é bravio: a ótima relação com a Volkswagen não garantirá à Metalúrgica Jardim presença na cadeia de suprimentos do novo carro mundial que a montadora de São Bernardo pretende lançar no ano que vem e que é conhecido pela plataforma PQ 24. O motivo alegado, segundo o próprio diretor-presidente da Metalúrgica Jardim: falta de competitividade. "Peças e conjuntos estampados para a linha PQ 24 serão produzidos pela própria Volkswagen, em unidade instalada no Interior de São Paulo" -- informa Laércio Reverte. 


O PQ 24 está para a Volkswagen como o Projeto Amazon está para a Ford. A conotação redentora no mercado brasileiro disputado por quase duas dezenas de marcas é a mesma. A diferença é que a Ford tem perspectiva mais modesta: espera que os novos modelos ajudem a recompor fatia de mercado mais encorpada, compatível com o desempenho mais favorável em outros continentes. A esperança é amparada num passado não muito distante, quando ocupava a terceira posição no ranking nacional, antes de entrar na barca furada da Autolatina. Já a Volkswagen deseja reassumir a liderança de vendas colocada em sucessivos xeques pela Fiat nos últimos meses. 


As empreitadas da Volkswagen e da Ford são igualmente inglórias. O mercado brasileiro está no limite da competição. A capacidade instalada está pelo menos 30% além do potencial de consumo. Montadoras que nos últimos cinco anos investiram US$ 20 bilhões para instalar linhas de produção em território brasileiro e modernizar as existentes não levaram em conta que é só aparente a facilidade de vender carros num País que tem apenas um automóvel para cada nove habitantes. Essa facilidade se transforma em miragem diante das disparidades de renda expressas na conta de que 10% da população absorvem 50% da riqueza. Até o presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel, afirma que o mercado brasileiro tem montadoras demais e que a desativação da Chrysler no Paraná é apenas o primeiro sintoma de uma enfermidade setorial que fará novas vítimas. 


Margens estreitas -- A competitividade entre as montadoras repercute na redução de margens de lucro dos fornecedores. A anorexia financeira é outro desafio da cadeia automotiva. O diretor-presidente da Metalúrgica Jardim revela que o lucro líquido de 2000 foi de 2,2% sobre o faturamento R$ 60 milhões. O índice representa metade do projetado, mas não é de todo ruim quando se leva em conta que algumas das principais montadoras estão no vermelho. Laércio Reverte espera elevar o lucro para 3,8% em 2001. A solução? A mesma das montadoras: negociar as margens de rentabilidade com fornecedores.


A recente associação da General Motor com a Fiat na criação da GM -- Fiat Worwide Purchasing, organização unificadora de compras, representa mais oportunidades do que riscos. Laércio Reverte revela que a Fiat já pediu alguns orçamentos por indicação da General Motors e que o fornecimento para a fábrica da montadora italiana é praticamente certo. "Se preciso, investiremos na criação de uma unidade em Betim, Minas Gerais. Mais do que nunca é necessário estar onde as montadoras estão" -- completa. 


Os gigantes sistemistas internacionais que invadiram o mercado brasileiro nos últimos anos também batem à porta da Metalúrgica Jardim. São muitas as organizações transnacionais decididas a desembolsar milhões para converter a empresa em ponto estratégico de global-sourcing (suprimento global). As propostas de compra são interpretadas como sinal positivo pelos sócios, pois estão baseadas no desempenho da empresa. A contabilidade física diária atinge 1,6 mil sistemas de alimentação, dois mil sistemas de freio e dois mil sistemas de câmbio, os principais itens de produção. São mil toneladas de aço processadas por mês. Entretanto, nada garante que permanecerá sob o comando dos sócios brasileiros. "Dificilmente a empresa escapará do nosso controle nos próximos cinco anos. Depois, só Deus sabe" -- prevê Laércio Reverte.


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