Imagine sete estádios Bruno Daniel lotados. É o público que forma a fila de desempregados que procuram a CTR (Central de Trabalho e Renda) em Santo André em busca de ocupação profissional. Atender cada candidato, delinear seu perfil e requalificá-lo se tornaram especialidades da central, que amplia os serviços pela região e também em São Paulo. É como se a população inteira de São Caetano tentasse realizar o mais comum dos sonhos humanos: ter uma atividade profissional assinada com carteira de trabalho. São cerca de 140 mil nomes no cadastro da Central de Trabalho e Renda, uma amostra perfeita da dura realidade dos grandes centros urbanos brasileiros. Serve também de laboratório para políticas públicas de geração de emprego, pois a experiência de parcerias é inovadora e a entidade está montando um banco de dados sobre essa mão-de-obra. Já no exercício de servir aos diferentes interesses da sociedade, a CTR quer mostrar que pode se transformar num gigantesco departamento de recursos humanos de caráter público para atender tanto quem procura como quem oferece emprego.
Todos perdem com o desemprego, fenômeno que no industrializado Grande ABC se intensificou na última década. Os 140 mil que bateram à porta da CTR são parcela representativa da perda de empresas que foram embora, fecharam ou se reestruturaram para manter-se na arena da globalização. Esse enxugamento ceifou também 30% do ICMS regional nos últimos cinco anos e enxugou em US$ 2,5 bilhões o potencial de consumo nos últimos 11 anos, de acordo com estudos da Secretaria da Fazenda do Estado e da Target Pesquisa e Marketing.
Os 140 mil desempregados são somente os que preencheram o cadastro da Central de Trabalho e Renda, porque no total a região contabiliza na Pesquisa de Emprego e Desemprego 236 mil trabalhadores desocupados, o que corresponde a 17,8% da População Economicamente Ativa, segundo a Fundação Seade. O banco de dados da CTR talvez seja a arma mais importante para ampliar a margem reduzida dos candidatos que conseguem trabalho. Mensalmente, 600 cadastrados em média conseguem se encaixar no mercado, uma gota no oceano ou menos de 0,5% da fila da CTR.
Capital e Diadema -- O investimento na formação e requalificação é acentuado com dois novos empreendimentos da CTR: o posto de atendimento montado em maio na Capital, em parceria com o Sindicato dos Bancários, e a unidade de Diadema instalada no final do mês passado. Diadema tem capacidade para receber 300 trabalhadores diariamente, semelhante ao posto de São Paulo.
As duas unidades são mais que meras agências de emprego e têm em comum a possibilidade de oferecer formação profissional. O Sindicato dos Bancários de São Paulo desenvolveu avançado programa de requalificação voltado a uma categoria que perdeu milhares de postos de trabalho nos últimos anos, num perfil muito semelhante ao que ocorreu com os metalúrgicos do Grande ABC. Em Diadema, cidade que contabiliza 40 mil desempregados, a Fundação Florestan Fernandes, uma autarquia municipal, vai atuar junto com a CTR para formar mão-de-obra. A autarquia é referência na área profissionalizante e anualmente desenvolve cursos para mais de 10 mil trabalhadores e jovens. Candidatos que concluem os cursos da Central de Trabalho e Renda têm prioridade no encaminhamento para as vagas. Longe de ser um tratamento discriminatório, a preocupação da Central de Trabalho e Renda é oferecer às empresas o pessoal mais qualificado, de acordo com as exigências do empregador e o perfil do candidato. "Mesmo assim, ainda colocamos poucos" -- lamenta o diretor Valtenice de Araújo, cuja preocupação aumentou nas últimas semanas com os efeitos negativos do racionamento de energia elétrica sobre a produção e o mercado de trabalho.
A CTR é uma iniciativa da CUT (Central Única de Trabalhadores) em parceria com prefeituras como de Santo André e Diadema, sindicatos como dos Bancários de São Paulo, Metalúrgicos e Químicos do ABC, além do governo do Estado, através da Secretaria de Relações do Trabalho. Foi desenvolvida em 1999 em convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego, que repassa recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Basicamente, a CTR é uma agência pública de emprego e de qualificação de mão-de-obra, um superdepartamento de recursos humanos gratuito e pouco aproveitado por empresários de pequeno e médio porte. Já grandes empresas como Pirelli, Firestone, Sé Supermercados, Wal Mart, Carrefour e DaimlerChrysler não abrem mão de recorrer à central quando precisam contratar. "São clientes de carteirinha que nos procuram pela qualidade do trabalho e pela seriedade" -- confia Araújo, ao ressaltar que os empregadores que requisitam a CTR não precarizam o trabalho.
A preocupação do executivo da Central de Trabalho e Renda é que a prestação de serviços poderia ser maior: "O dinheiro que estruturou a CTR é público e a sociedade deveria valorizar mais a entidade". O diretor ressalta que contratar sempre pode ser um problema para as empresas se não houver boa escolha de candidatos. Além disso, para Valtenice de Araújo, a central precisa quebrar a imagem de pouca eficácia que os empresários têm do serviço público. "Ao utilizar a central, o empregador pode redirecionar as tarefas do pessoal de recrutamento e ter ganho de produtividade de forma absoluta" -- garante o diretor.
Laboratório -- Os primeiros resultados do estudo sobre o perfil do desempregado da região revelam que o maior contingente, 37,15%, é de trabalhadores com Ensino Médio -- o antigo 2º Grau -- completo. "Temos contingente de mão-de-obra disponível com enorme capacidade de se adaptar à realidade da empresa" -- analisa o diretor-executivo da CTR. Somado aos candidatos que têm curso superior completo e incompleto, o percentual salta para quase a metade: 47,3%. Com essa informação na mão, a CTR investe na qualificação profissional e no programa de orientação que prepara os candidatos para identificar as melhores oportunidades. São 40 cursos, além de entrevistas que delineiam o perfil mais acurado do profissional que disputa uma vaga.
Em matéria de desemprego, não existe sequer distinção de sexo. O estudo sobre o perfil do desempregado no Grande ABC indica que 51,27% dos candidatos a trabalho são homens e 48,73% mulheres. Portanto, todos estão em busca de uma vaga. No entanto, as mulheres representam 56,43% dos candidatos com escolaridade igual ou superior ao Ensino Médio, enquanto o contingente masculino é menor, chegando a 43,57%. Somente na faixa de 18 a 29 anos, houve 19.041 inscrições de mulheres na CTR, contra 12.292 homens cadastrados, no período de agosto de 1999 a maio deste ano.
O trabalho desenvolvido pela Central de Trabalho e Renda representa uma das vertentes da política de emprego, que é fazer a intermediação de mão-de-obra, qualificação e requalificação profissional, além de orientação para o trabalho. A outra parte da política é justamente gerar empregos, o que se distancia das atribuições estritas da CTR e diz respeito às diretrizes e planos do Poder Público. Mas é inegável que as parcerias desenvolvidas pela central com prefeituras, governo do Estado e mesmo a aplicação dos recursos do FAT apontam para um trabalho a longo prazo e fundamentalmente estratégico. Como a CUT tem laços preferenciais com partidos de esquerda, Valtenice de Araújo não descarta que a experiência e o grande laboratório social representado pela CTR são subsídio precioso para programas de governo que começam a ser rascunhados por partidos e candidatos às eleições de 2002, principalmente os de oposição.
No mês passado, o PT e o Instituto Cidadania iniciaram discussão com economistas não filiados ao partido, como Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho e Manuel Cardoso de Mello, em torno de um programa de governo a ser debatido nas eleições do ano que vem. Fundamentalmente, para essa ala da esquerda, o programa deve ter o mérito de abrir à sociedade um projeto para o País que não assuste empresários e seja basicamente propositivo, pragmático. "Nada mais pragmático do que a experiência acumulada pela CTR. A parceria com Poder Público, na ótica de políticas sociais, permite ser referencial para programas de desenvolvimento e para políticas de geração de renda" -- acredita Valtenice de Araújo.
Além de instalar unidades em grandes centros econômicos, a Central de Trabalho e Renda chegou a desenvolver experiência de atendimento itinerante no chamado Triângulo da Morte em São Paulo, entre os bairros do Jardim Ângela, Jardim Miriam e Capão Redondo. O banho de realidade e as ações conveniadas com as prefeituras apontam para um projeto mais amplo e ambicioso. E o Grande ABC não é qualquer laboratório, já que, por ser um dos maiores pólos econômicos do País, a crise se abateu com mais intensidade. Mesmo na Capital, o escritório montado pela CTR e o Sindicato dos Bancários atende apenas um quinto dos 1,5 mil desempregados que diariamente se enfileiram em busca de oportunidades de trabalho. "A CTR não vai resolver o problema do desemprego, mas vai apontar caminhos de como solucionar determinadas situações" -- planeja o executivo da entidade.
Um exemplo de abertura para os diferentes e mesmo conflitantes setores da sociedade está configurado no próprio Conselho Deliberativo da CTR em Santo André, onde há lugar para sindicalistas, representantes de Prefeitura, governo do Estado e Acisa (Associação Comercial e Industrial). A convivência entre diferentes setores tem se revelado positiva. "É uma experiência absolutamente fundamental porque o Brasil nunca teve política de emprego" -- afirma Sidnei Roberto Ladessa Muneratti, representante da Acisa no Conselho de Gestão da central e executivo da Pirelli, uma das empresas que mais utilizam os serviços da entidade. Muneratti não vê a CTR como organismo público, mas como produto da parceria entre iniciativa privada, sindicatos e Poder Público. "Nos últimos anos sentimos um efeito devastador do desemprego no Grande ABC e é importante organizar as vagas que, por incrível que pareça, ainda existem e estão espalhadas pela região" -- declara o executivo.
Se há vagas espalhadas no Grande ABC, no Interior de São Paulo, onde se concentraram os investimentos produtivos nos últimos anos, a oferta de trabalho pode configurar um quadro menos crítico do que na região. A CTR ainda não dispõe de números sobre o mercado do Interior paulista, mas se prontifica a direcionar a mão-de-obra disponível no Grande ABC para pólos econômicos onde o desemprego não atingiu níveis tão dramáticos como na região. "Se as empresas do Interior disponibilizarem vagas, podemos desenvolver um processo de seleção para identificar os profissionais que querem e têm capacidade para trabalhar no Interior" -- garante Valtenice de Araújo.
Cooperativas -- Outra iniciativa da Central de Trabalho e Renda é estimular o empreendedorismo e a chamada economia solidária, por meio de cooperativas. Trabalhadores identificados com perfil e interesse para os programas de geração de trabalho e renda são encaminhados às iniciativas do Banco do Povo e Incubadora de Cooperativas de Santo André. Foi o que aconteceu com o metalúrgico José Antonio Grossi, de Santo André, que durante 13 anos trabalhou na Volkswagen como ferramenteiro de manutenção e fundição. Ele deixou a montadora para criar empresa na área da construção civil, experiência abandonada em seguida. "Pensei em voltar a ser ferramenteiro, mas percebi que a função estava defasada porque as peças que fazia e que eram de metal agora estavam sendo feitas em plástico" -- explica o ex-metalúrgico, que ingressou no Alquimia, curso de formação para a área química e de plástico mantido pela CUT e pelo Sindicatos dos Químicos do ABC também com recursos do FAT.
Foi do Alquimia que surgiu a idéia de formar uma cooperativa para reciclagem de plástico. Grossi e 70 pessoas foram selecionadas em novembro do ano passado pela CTR para montar a cooperativa. "Eles nos cederam salas para reuniões e dois consultores para o encaminhamento das discussões" -- conta José Antonio Grossi. Não demorou muito para o grupo perceber que o maior obstáculo era a compra de equipamentos, avaliados em R$ 30 mil. Os integrantes, que no decorrer das discussões caíram de 70 para cerca de 30, decidiram então por caminho alternativo. Para reunir recursos e adquirir o equipamento, a cooperativa vai inicialmente trabalhar com montagem e distribuição de cestas básicas.
Buscar todas as possibilidades de trabalho numa região devastada pelo desemprego é tarefa que a CTR se colocou, seja em programas de geração de trabalho e renda ou de intermediação de mão-de-obra. O desafio continua a ser o residual 0,5% de colocação no mercado, fruto da performance de altos e baixos da política econômica e do lugar ainda secundário ocupado pelo Brasil na economia global.
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