A atividade de serviços que dão suporte às indústrias instaladas no Grande ABC apresenta perfil sincronizado com o diagnóstico do prefeito Celso Daniel, de Santo André, feito em entrevista há quatro meses à LivreMercado. Faltam à região serviços de ponta que agreguem maior valor econômico e que contribuam para reduzir o impacto das perdas industriais. Essa é a interpretação de LivreMercado para o documento Primeira Análise dos Resultados da Pesquisa de Atividade do Setor de Serviços Empresariais do Grande ABC, anunciado no mês passado pela Agência de Desenvolvimento Econômico. O conjunto de informações e análises de autoria de João Batista Pamplona, coordenador técnico de pesquisas da Agência, e de Paulo Luiz Miadaira, coordenador da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André, não apresenta grandes novidades sobre os chamados serviços voltados às indústrias da região.
A Passe/ABC, como foi definida a pesquisa, é um dos vértices do projeto patrocinado pelo Habitat com recursos do Banco Mundial para constituir o Plano Regional de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Anteriormente, a Agência analisou o setor informal e contratou análises de consultores especiais. Segundo explica João Batista Pamplona no documento, o objetivo do Passe/ABC foi coletar dados que pudessem orientar as ações a serem tomadas para o desenvolvimento do setor de serviços da região.
Da amostra planejada, chegou-se à efetivação de 851 casos, isto é, número de questionários coletados, ou 77% do total. Os dados revelam grande concentração em alguns segmentos, tanto em número de unidades como em proporção do faturamento e do pessoal ocupado. O segmento de transporte rodoviário de carga, com cerca de 300 unidades, respondia em 1999 por quase 24% do faturamento bruto do setor de serviços industriais e empregava aproximadamente 12,3 mil pessoas. Já os segmentos de seleção, agenciamento e locação de mão-de-obra, de atividades de investigação, vigilância e segurança e de atividades de limpeza e higienização somam cerca de 89% do pessoal ocupado, 59% do faturamento bruto e 37% do número de empresas da chamada Divisão de Serviços Prestados Principalmente às Empresas, como estratifica a pesquisa.
Outros segmentos anunciados pela Agência como importantes na estrutura setorial de serviços industriais envolvem a intermediação financeira, com cerca de 23% do faturamento bruto, e a divisão de alojamento e alimentação, com aproximadamente 9% do número de empresas e cerca de 6% do faturamento e do pessoal ocupado.
Traduzindo em miúdos, o setor de serviços industriais do Grande ABC é extremamente modesto em tecnologia agregada e em enriquecimento das relações terceirizadas que marcaram a reestruturação produtiva da região a partir de 1990. O documento da Agência não faz observações que marcaram a macroeconomia, como a abertura dos portos e o fim do processo inflacionário, nem explica que a realidade decorre do fato de que as indústrias sacudidas pelo terremoto da modernização compulsória preferiram passar para terceiros atividades acessórias não diretamente envolvidas com o produto final -- o que gerou o boom da terceirização de serviços nos anos 90.
O prefeito Celso Daniel, em entrevista à LivreMercado de abril, demonstrou forte preocupação com o buraco que separa o setor industrial mais desenvolvido de Santo André em relação ao comércio e aos serviços -- de resto uma realidade regional. A Passe/ABC confirma a inquietação do prefeito. Atividades voltadas para engenharia de produtos e processos, processamento de dados, pesquisa e desenvolvimento, consultoria, entre outras, foram anunciadas como necessárias para a retomada do desenvolvimento econômico de Santo André. São Caetano também se mobiliza na direção de atrair empresas de tecnologia agregada, como anunciou recentemente o executivo André Beer, presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Município.
Embora não tenha ressaltado o fosso tecnológico, a versão oficial da pesquisa constatou que se repete no setor de serviços industriais a concentração de grandes empresas do setor industrial, registrada em trabalho anterior da Agência. Segundo o novo documento, 71% do pessoal ocupado estão nas unidades de grande porte, enquanto há bipolaridade na repartição do faturamento bruto: empresas de grande porte participam com 47% do bolo, contra 33% das de pequeno porte.
Surpresa? -- O único deslize da análise da Agência de Desenvolvimento Econômico está na conceituação de surpreendente (o verbete foi grifado no texto original) a uma realidade exaustivamente avaliada por LivreMercado ao longo dos tempos -- a de que na década de 90 se deu a criação da maior parte das empresas do setor de serviços do Grande ABC. Cerca de 60% das empresas de serviços da região voltadas para o setor industrial foram constituídas nos anos 90. "A concentração do ano de criação da empresa na década de 90 foi um fenômeno que ocorreu em todas as faixas de tamanho. Isso demonstra que o fenômeno foi generalizado, independeu do tamanho da unidade pesquisada. Esta concentração evidencia que o setor de serviços empresariais do Grande ABC expandiu-se num período de fortes mudanças/reestruturação da indústria local. Isto é um expressivo indicativo das fortes interações entre os dois setores da atividade econômica na região" -- escreveram os analistas João Batista Pamplona e Paulo Luiz Miadaira.
O documento da Agência de Desenvolvimento poderia ter sido mais minucioso na análise. E também mais preciso. Afinal, não se trata de fenômeno algum, mas da evidente descompressão dos quadros de trabalhadores industriais. Milhares de operários e executivos foram levados à terceirização compulsória ou a negócios no setor de serviços empresariais e convencionais para atender à redução de custos do setor industrial. Criar a própria empresa foi a alternativa de inclusão econômica, já que os empregos industriais formais evaporaram. O documento da Agência registra que 33% das empresas pesquisadas, entre as 60% criadas nos anos 90 no setor de serviços industriais, originaram-se de terceirização.
Estudos de LivreMercado sobre o comportamento do número de clientes da Eletropaulo constataram nos últimos anos o extraordinário crescimento das unidades de serviços e de comércio, em contraposição à queda de consumo de energia elétrica industrial na região. Essa combinação e os dados sistêmicos de queda de receitas do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), do Índice de Potencial de Consumo, do PIB (Produto Interno Bruto) e do Valor Adicionado, formam o coquetel explicativo para as perdas econômicas da região. Perdas solenemente omitidas no novo documento da Agência de Desenvolvimento Econômico.
O comportamento da entidade em jogar para debaixo do tapete os problemas da região faz parte da estratégia oficial de minimizar pelo menos publicamente as dores da desindustrialização. A Agência está conectada, embora de forma equivocada, com outro resultado da Passe/ABC: "A adoção de ações de marketing para a consolidação de uma imagem positiva da região dentro da própria região" -- afirma o documento -- "foi considerada muito importante e crucial para 57,7% das empresas pesquisadas".
A dificuldade de escolher a ferramenta ideal para o marketing regional, precisamente porque não há especialistas no assunto na Agência, leva economistas a aplicar fórmulas desajeitadas porque partem de princípios esquizofrenicamente insustentáveis, ou seja, de que o Grande ABC não teria sofrido perdas econômicas e degradação social. Tanto sofreu que o fator criminalidade/falta de segurança apresentou alto índice na Passe/ABC. Nada menos que 46% dos entrevistados apontaram o problema, com predomínio de Santo André (49,1%) e São Bernardo (47,6%). A mais urbanizada e socialmente equilibrada São Caetano apresentou índice abaixo da média regional (32,1%).
Impostos e taxas -- Outros obstáculos fortemente apontados pela pesquisa, como os encargos sociais incidentes sobre a mão-de-obra assalariada, o atual nível da taxa de juros para empréstimos nos bancos comerciais e impostos e taxas municipais incidentes sobre a atividade, revelam que a escalada da criminalidade já atingiu patamares semelhantemente insuportáveis. São Caetano também vence a competição com os demais municípios da região no custo de taxas municipais incidentes sobre as atividades de serviços. Apenas 31,5% dos empreendedores do Município registraram queixa, contra média de 46% da região. O prefeito Luiz Tortorello adotou a política de derrubar alíquotas de diversas atividades para apenas 0,25% de ISS para atrair investimentos, por isso era esperado esse resultado da pesquisa.
O universo do levantamento realizado em parceria com a Fundação Seade e com o Imes (Centro Universitário de São Caetano) também se estendeu para a Capital paulista. O propósito, segundo o documento, é levantar informações que possam servir para análises comparativas com o setor de serviços empresariais do Grande ABC. A confrontação apresenta substância à analise, mas não deve ter valor irrebatível porque o universo da pesquisa na Capital abrangeu empresas com pelo menos 50 pessoas ocupadas, contra empresas com pelo menos cinco pessoas ocupadas no Grande ABC.
De qualquer forma, na maioria dos casos, segundo o documento, há mais similaridade do que diferenças entre o universo das empresas de serviços industriais da região e da Capital. Um comparativo da Capital e do Grande ABC com pólos econômicos como São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto poderia oferecer resultados mais interessantes porque provavelmente exumaria razões suplementares para a descentralização industrial que beneficia aquelas cidades-região.
Embora com as esperadas imperfeições, porque um documento analisado sob a ótica de representantes do Poder Público carrega o viés de subestimar aspectos negativos na mesma proporção em que procura inflar os pontos positivos, a Pesquisa da Atividade do Setor de Serviços Empresariais do Grande ABC é um novo ferramental que poderá ajudar a monitorar a recuperação econômica da região. Principalmente se os vieses forem abandonados e deixarem a potencialidade de bumerangue. O documento também teve o mérito de evitar o tom grandiloquente manifestado por executivos da Agência em outros eventos. Já é um grande progresso para apagar o fogo do rebaixamento da qualidade de vida na região.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?