Debater a evasão industrial do Grande ABC, denunciada sistematicamente há uma década por LivreMercado e arrasadoramente comprovada nas edições Grande ABC e Estadual de outubro, não é assunto que interessa à maior parte das autoridades públicas da região, como é o caso de prefeitos, secretários municipais de Desenvolvimento Econômico, vereadores, deputados federais e estaduais. O tema também não incomoda lideranças econômicas, especificamente dirigentes de entidades de classe empresariais e sindicais. A campanha Chega de Evasão, É Hora de Mobilização, lançada por LivreMercado, sensibilizou muito mais agentes sociais e econômicos da comunidade que não têm poder de decisão.
Para se ter idéia do desinteresse das autoridades públicas da região com assunto que deveria ser tratado como prioridade absoluta dos Executivos, dos Legislativos e também das instituições que pressupostamente atenderiam aos anseios de regionalidade -- Câmara Regional, Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e Agência de Desenvolvimento Econômico --, basta dizer que apenas o prefeito Luiz Tortorello manifestou-se oficialmente. O principal representante público de São Caetano utilizou a mesma ferramenta eletrônica dos demais participantes da comunidade regional que se sensibilizaram com a campanha liderada por LivreMercado: enviou emeio para o boletim eletrônico Capital Social, braço on-line da revista que é remetido de segunda a sexta-feira para mais de cinco mil pessoas no Grande ABC. Capital Social registrou até o final do mês passado uma avalanche de idéias, sugestões, propostas, críticas e desabafos tendo como âncora a Reportagem de Capa de LivreMercado Grande ABC de outubro.
A repercussão motivou a direção da Editora Livre Mercado a manter o boletim eletrônico aberto ao debate sobre evasão industrial por mais algum tempo. A explicação é que não existe temário de maior gravidade na região do que o quadro de deserção industrial denunciado por LivreMercado. Quaisquer outros problemas regionais -- e não faltam exemplos que atormentam a vida de 2,3 milhões de habitantes dos sete municípios -- perdem pontuação na escala de importância quando se sabe de cor e salteado que a base do desenvolvimento econômico sustentado continua sendo o setor industrial.
O problema é que, além das perdas contínuas ao longo dos últimos 20 anos que fizeram a região desabar nos mais diferentes rankings econômicos, LivreMercado descobriu junto a consultorias especializadas que há dezenas de indústrias sediadas na região com imóveis à venda para mudar-se para outros municípios, especialmente do Interior do Estado. A Reportagem de Capa de outubro coroou o mais profundo, sistemático e independente acompanhamento jornalístico sobre a economia do Grande ABC. LivreMercado tem tradição de aprofundar diferentes aspectos econômicos da região, conectando-os ao comprometimento da qualidade de vida e de receitas públicas.
Não surpreende a retração da maioria dos agentes políticos e econômicos que comandam as principais instituições regionais. Afinal, invariavelmente, grande parte dessas representações mantém discursos ufanistas na tentativa de empurrar com a barriga problemas pelos quais são responsáveis proporcionalmente ao tempo em que estão em seus respectivos postos de comando. Também é comum entre representantes dessas instituições a opção de divulgar estatísticas viciadas, que não condizem com o quadro socioeconômico regional.
Um chamamento público para participar de medidas teóricas e práticas que impeçam a degringolada econômica do Grande ABC talvez tenha sido interpretado como cobrança pública de LivreMercado. Se esse foi o entendimento, pelo menos as lideranças que preferiram se omitir não perderam a capacidade de dimensionar até que ponto estão em débito com o Grande ABC. A decisão de LivreMercado de alçar o quadro de evasão explícita e dissimulada de indústrias do Grande ABC para Reportagem de Capa não se revestiu de tom alarmista, como seria comum o tratamento jornalístico da questão.
A Editora Livre Mercado publicou a informação porque não faz parte da confraria cor-de-rosa que varre para debaixo do tapete os problemas da região. Entretanto, incorporou ao material a iniciativa de provocar a participação de autoridades públicas e econômicas na busca de alternativas. Embora provavelmente nenhum outro tema tenha merecido tanta participação avaliativa na história da mídia do Grande ABC, o resultado parcial do final de outubro não satisfez integralmente a direção desta publicação. É absolutamente impossível desconsiderar o silêncio de prefeitos, vereadores, deputados, secretários municipais, presidentes de associações comerciais e industriais, de Ciesps e de outras instituições empresariais da região, além de sindicatos de trabalhadores, a classe mais duramente atingida pela evasão industrial.
Contasse o Grande ABC com a anunciada integração regional dos atores políticos, o chamamento de LivreMercado teria motivado pelo menos uma reunião de emergência para analisar a evasão anunciada pelas consultorias especializadas. Mais que isso: provavelmente se convidariam representantes da Bamberg e da Herzog, as consultorias em questão, para exposições detalhadas de seus arquivos e o esmiuçamento das razões mais explícitas para a pretendida debandada de empresas sediadas em municípios do Grande ABC mas que negociam imóveis para instalar-se principalmente no Interior paulista.
Acreditar nesse tipo de reação dos prefeitos e respectivos assessores econômicos é forçar a barra demais para testar até que ponto chegou não a integração, mas a desintegração institucional da região. Revelar as fissuras que marcam o relacionamento entre os paços municipais da região, inclusive de administrações chefiadas por políticos do mesmo partido, é quase um ato de terrorismo na interpretação dos envolvidos.
Por isso mesmo a campanha de LivreMercado se assemelha a falar de corda em casa de enforcado. Incomoda demais expor publicamente uma proposta de força-tarefa regional ou mesmo municipal para minimizar a máquina retroalimentadora de evasão industrial quando se sabe que as secretarias de Desenvolvimento Econômico dos municípios são apêndice dos organogramas municipais. O peso relativo da pasta é muito inferior à quase totalidade das demais.
Assuntos relacionados ao pronto-socorro social são muito mais interessantes para os prefeitos. A máquina de enxugar gelo de ações sociais que se multiplicam na velocidade do enfraquecimento econômico concentra foco e recursos das políticas públicas. O viés socialista da maioria dos administradores públicos da região é virtude que não pode ser simplificada, mas é também espécie de miopia porque sacramenta a perpetuidade de medidas terapêuticas que não se ajustam à recuperação do organismo social da região exatamente porque prescinde da cirurgia reparadora de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico.
Num verdadeiro tapa de luva de pelica na cara da omissão dos prefeitos, de boa parte dos vereadores, de deputados federais e estaduais e também de entidades de classe empresariais, a comunidade que se manifestou através do boletim eletrônico Capital Social em resposta à chamada de LivreMercado mostrou o quanto está preocupada. Os quase 200 mil caracteres que se somaram até 30 de outubro em manifestações construtivas sobre o futuro da região preencheriam 40 páginas de uma revista, sem qualquer ilustração, e um livro de 90 páginas, também sem ilustrações.
Não se conhece na história da região algo semelhante a essa enxurrada de propostas, idéias, desabafos, sugestões. Por isso, a partir do dia 12 deste mês o site de LivreMercado (www.livremercado.com.br) estará incorporando a íntegra de todos os emeios enviados e publicados por Capital Social. Dois dos leitores de LM e emeiados de Capital Social, o tributarista Ary Silveira Bueno e o professor universitário Sérgio Munhoz, até sugeriram que o material produzido pela comunidade regional seja transformado em livro.
A impossibilidade de transcrever ou mesmo interpretar em poucos dias e com o cuidado necessário o conteúdo do material enviado pelos leitores levou a direção da Editora Livre Mercado a definir-se pela abertura de espaço especial no site de LivreMercado. Paralelamente, apenas para aguçar o apetite dos leitores e dos internautas, decidiu também pinçar trechos das manifestações, alçando-os à ilustração desta Reportagem de Capa.
De maneira geral, os representantes da comunidade que decidiram debruçar-se sobre um computador e enviar mensagens estão absolutamente insatisfeitos com o quadro institucional do Grande ABC. Há declarações contundentes. A multiplicidade de motivos que justificariam a evasão industrial da região é espécie de barraca de alvos de um parque de diversões cujo proprietário não se incomoda em estimular que cada atirador de espingarda de chumbo leve para casa pelo menos uma prenda. Acerta-se desde o boneco do sindicalismo bravio até o custo dos terrenos. Mira-se no custo da água tanto quanto no sistemático aumento de impostos municipais. Derruba-se tanto a obtusidade dos políticos que passaram pelas prefeituras da região num passado de riqueza industrial quanto a imprevidência dos atuais dirigentes pela falta de sinergia municipal e regional.
É natural que material tão denso e vasto guarde pontos contraditórios e paradoxais, como a pregação pela unidade regional como elemento decisivo à reestruturação do Grande ABC ou a inversa estratégia de dar competências e competitividade a partir de vias municipais isoladas. Entretanto, não é por reunir pontos aparentemente inconciliáveis que o material amealhado por LivreMercado deve servir de justificativa para administradores e legisladores públicos manterem-se distantes dos anseios de responsabilidade regional. Pelo contrário, porque é na exata medida em que há pontos que teoricamente se constrangem, se anulam, se ferem, que ganha importância a formulação e a execução de políticas públicas de desenvolvimento sustentado.
O fato é que, enquanto o Grande ABC não cria mecanismos pragmáticos para canalizar informações diversas que ajudem a fermentar um caldo de qualidade de informações econômicas, o jogo da regionalidade competitiva prossegue embutido no campeonato de globalização redentora. Enquanto prefeitos, vereadores, deputados, lideranças empresariais, sindicais e sociais do Grande ABC parecem baratas tontas esperando por milagre auto-realizável, outras regiões do Estado mostram vigor e flexibilidade para atrair investimentos. Enquanto o Grande ABC se lança numa guerra fiscal fratricida, que penaliza quem já está instalado em seus municípios, o Interior de São Paulo continua enviando missões de executivos públicos para atrair indústrias que já não acreditam tanto nas pseudo-vantagens comparativas que triunfalistas de plantão brandem como estratégia para esconder a inação.
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