Economia

O futuro aos
clusters pertence

DA REDAÇÃO - 05/11/2001

A conferência/debate promovida pela Editora Livre Mercado no âmbito do programa Construindo o Futuro ganhou contorno histórico por demolir de vez paradigmas obsoletos que insistiam em atrapalhar o reconhecimento dos problemas estruturais que há tempos abalam a economia da região. Quem melhor definiu a situação delicadíssima que o Grande ABC atravessa foi Celso Daniel, prefeito de Santo André e diretor-geral da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Celso Daniel admitiu publicamente que a situação socioeconômica da região é grave, e que é essencial resgatar o tônus industrial.  

"O Grande ABC passa por crise econômica e o maior patrimônio da região continua sendo a indústria" -- afirmou, em contraposição a correntes que apregoam o terciário como alternativa satisfatória de reposição da riqueza. "Podemos diversificar com o terciário de valor agregado, mas nosso ponto de partida é a indústria. Temos que preservar, conservar e melhorar a competitividade industrial para atrair novas empresas" -- afirmou o prefeito. "A última coisa que podemos fazer é ficar parados, esperando" -- alertou, em sintonia fina com a última reportagem de capa da edição regional de LivreMercado. Com o título Chega de Evasão, É Hora de Mobilização, a reportagem convoca lideranças públicas, privadas, institucionais e comunitárias do Grande ABC a reagir contra a evasão industrial explícita e implícita descortinada pela Bamberg, uma das maiores consultorias imobiliárias no setor industrial do País.

Celso Daniel teceu essas considerações na sequência da palestra do executivo Fernando Musa, sócio-diretor da subsidiária brasileira do Monitor Group. Ancorado na experiência da consultoria norte-americana que já desenvolveu mais de 60 estudos de competitividade regional pelo mundo desde que foi criada, em 1983, por Michael Porter e Mark Fuller -- ambos do Departamento de Estratégia da prestigiada Harvard Business School --, Fernando Musa deu verdadeira aula sobre clusters produtivos e desenvolvimento econômico de cidades, temas sobre os quais lideranças regionais precisam se aprofundar caso desejem resgatar o Grande ABC do buraco de retração econômica, produtiva e social em que se meteu por não fazer a lição do desenvolvimento sustentado.

Fernando Musa explica que a competitividade das empresas e das nações está sempre condicionada à organização dos fatores de produção em clusters, como são chamadas as aglomerações de empresas e instituições públicas e privadas de determinado segmento no mesmo espaço geográfico e que agem em sinergia. De acordo com Michael Porter, clusters geralmente incluem fornecedores de componentes, equipamentos e serviços, universidade, agências provedoras de treinamento especializado, educação, informação pesquisa e suporte técnico. É justamente por contemplar todas as engrenagens necessárias ao funcionamento azeitado de setores produtivos próximos fisicamente que os clusters representam a espinha dorsal do desenvolvimento regional, e consequentemente nacional. 

"Os Estados Unidos não são um país competitivo. São, antes disso, um país de clusters competitivos" -- afirma o especialista. Alguns dos principais clusters norte-americanos são os de produtos farmacêuticos em Pensilvânia e Nova Jersey, dispositivos ortopédicos em Indiana, defesa aeroespacial, entretenimento e biotecnologia em Los Angeles, além de microeletrônica e capital de risco na região californiana do Vale do Silício, sem contar o cluster de entretenimento de Hollywood.


Vantagem competitiva -- A observação de que tanto a competitividade empresarial como a nacional passa pelo eixo dos clusters está ancorada na constatação de que apenas com vantagens competitivas é possível assegurar êxito empresarial e regional no longo prazo. E o que são vantagens competitivas? Todos os ganhos de escala e evolução contínua de produtos e serviços que a coopetição (cooperação e competição) engendra nas empresas e instituições clusterizadas. 

Fernando Musa explica que a sinergia entre empresas proporciona acesso facilitado a informações e a funcionários especializados, reduz custos com transportes, minimiza despesas e dores de cabeça com retrabalhos e, acima de tudo, favorece o surgimento de inovações. São as inovações que estabelecem diferencial competitivo num mundo em constante evolução. Fernando Musa descreve que vantagem competitiva corresponde ao extremo oposto da chamada vantagem comparativa. Enquanto a primeira tem foco em inovações que superam expectativas dos consumidores e trazem maior rentabilidade, a segunda prioriza contenção de custos para adequar-se ao bolso do consumidor médio. 

O jornalista André Marcel de Lima, profissional de LivreMercado que compôs a mesa de debatedores com Celso Daniel e o sindicalista José Lopes Feijó, lembrou que, infelizmente, o Grande ABC não dispõe de nenhuma das duas categorias de vantagem para acenar a investidores. Não é à toa que 40 empresas de médio porte estão com imóveis à venda na região, de acordo com a Bamberg. "Vantagens comparativas nós não temos porque tributos municipais como IPTU (Imposto Predial Territorial e Urbano) e custos do trabalho são mais altos no Grande ABC em comparação com outras regiões paulistas e brasileiras. Vantagens competitivas inerentes aos clusters também não possuímos porque o Grande ABC nunca teve cluster, mas apenas um aglomerado não-sinérgico do setor metalmecânico na órbita das montadoras" -- disse. 

"Prova disso é que a indústria automobilística se modernizou com mão forte de parceiros internacionais que atendem o setor nos países de origem há décadas, não com o envolvimento de centenas de autopeças locais que sucumbiram exatamente por restarem à margem do processo de globalização" -- observou. André Marcel ressalvou que não são os trabalhadores do Grande ABC que ganham muito, mas os de outras regiões que ganham pouco. "O fato de vivermos num País miserável e de fundas desigualdades regionais é outro fator que atrapalha a competitividade do Grande ABC" -- disse.

Fiel à linha editorial da publicação que representa, André Marcel de Lima enfatizou que o Grande ABC passa por processo de desindustrialização mais acentuado que o de outras cidades da Grande São Paulo e provavelmente sem paralelo no País. Trata-se, segundo o jornalista, de efeito colateral por falta de planejamento da industrialização automobilística que beneficiou o Grande ABC a partir da década de 50. "O choque de modernidade da globalização atingiu o Grande ABC mais do que qualquer outra atividade econômica brasileira" -- afirmou. "Além disso, a indústria automobilística se pulverizou por outras regiões brasileiras nos últimos anos e continua se pulverizando, colocando em xeque montadoras instaladas no Grande ABC. Por tudo isso é temerário continuar dependendo quase que exclusivamente do setor mais globalizado e competitivo do planeta. Se lideranças do Grande ABC se unirem para concatenar plano de desenvolvimento sustentado que contemple outras matrizes produtivas, transformaremos um grande abacaxi em exemplo de volta por cima regional em nível nacional e até internacional" -- acredita. 


Cidadania -- Para o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopes Feijó, que representou o presidente Luiz Marinho, envolvido nas negociações de flexibilização trabalhista com a Volkswagen, o Grande ABC vive momento especial porque lideranças públicas, privadas e institucionais reúnem-se já há algum tempo para encontrar caminhos à recuperação socioeconômica. "E nós, sindicalistas, somos parte integrante desse movimento de cidadania" -- enfatizou.

Feijó demonstrou conhecimento de macroeconomia ao observar que países desenvolvidos praticam protecionismo ao mesmo tempo em que estimulam a competitividade empresarial. Citou exemplos dos produtores de laranja e de aço dos Estados Unidos e poderia ter falado também dos agricultores franceses, mas derrapou por instinto de auto-defesa quando disse que a evasão industrial do Grande ABC não é maior que a de outras cidades do Estado, numa tentativa de desvincular o sindicalismo das deserções fabris. 

A justificativa de Feijo é desnecessária porque ninguém em sã consciência atribuiria as mazelas do Grande ABC exclusivamente ao movimento corporativo liderado por Lula e companheiros, principalmente diante de tantos dirigentes políticos que se omitiram e aos quais cabe a maior parcela da responsabilidade.  


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