A modernização das padarias, condição vital para o negócio sobreviver no mundo globalizado, depende de o panificador dar alguns passos: deixar a boca do caixa para ir até a boca do forno. Esse é um dos itens identificados no diagnóstico feito pelo Sebrae-SP (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) de Diadema em parceria com o Senai do Município e da Barra Funda, na Capital. O dono de padaria precisa deixar de ficar grudado no caixa para adquirir o controle básico de gestão da empresa. Um dos pontos onde precisa estar é na boca do forno, onde pãezinhos que deveriam ter 50 gramas pesam até 70 gramas assados e queimam o lucro do empresário literalmente no forno. Se o panificador der mais alguns passos e circular pela copa e entre as gôndolas de produtos, perceberá que deixa de potencializar um dos negócios mais tradicionais do Brasil e precisa urgentemente se reposicionar no mercado. Se seguir em direção às novas tecnologias como a informatização, vai controlar e dominar melhor os negócios, analisando as linhas de produtos mais comercializados e as necessidades dos clientes. "Cabe lembrar que as padarias brasileiras substituem as lojas de conveniências como negócio e têm como característica básica uma facilidade de adaptação surpreendente. Transforma-se de padaria com serviços de lanches em restaurante, em mercearia e em delivery de pizzas, entre outros formatos" -- descreve Renata Contatori, coordenadora no Sebrae do programa das padarias.
"A indústria acompanha a modernidade, mas a indústria de panificação é fechada. Tem padaria que até hoje não usa divisória, um equipamento que corta a massa, uniformiza o produto e evita perdas" -- conta Alexandre Ferreira, dono da Center Fradess Laticínios e Conveniência. Ele participa de programa organizado pelas unidades do Sebrae e do Senai de Diadema e da Barra Funda para fazer diagnóstico do setor e iniciar a reciclagem dos empresários. Somente Ferreira e outros 20 empreendedores de Diadema participam do programa, num universo de 110 padarias. Sinal de que o segmento ainda é refratário a inovações. Ferreira é exceção à regra e acredita que os colegas não conseguem enxergar o mercado. Para Renata Contatori, coordenadora do programa, trata-se de problema de alcance de visão gerencial. "Os panificadores geralmente administram a caixa registradora, o quanto entra e o quanto sai" -- afirma a coordenadora, cujo diagnóstico apresenta números que fundamentam a visão crítica.
Desconhecimento -- O estudo feito com 21 padarias indica que 81% dos empresários necessitavam de noções gerenciais e 86% desconheciam as tendências de mercado. Se essa é a realidade entre os 21 mais interessados em acompanhar as mudanças na economia, entre os demais empresários do segmento a situação deve ser no mínimo equivalente. Pelo levantamento, 57% dos panificadores afirmaram que conheciam os clientes, mas 81% admitiram que não faziam pesquisas junto aos consumidores. Treinamento de funcionários é recurso pouco utilizado. O diagnóstico apontou que 71% não têm qualquer atividade de motivação. Mais grave ainda é o índice de 61% dos panificadores que não acompanham a produção de pães, motor do negócio. As inovações que revolucionam há duas décadas a economia de todo o planeta também não aterrissaram nas padarias de Diadema: 90% dos estabelecimentos pesquisados não estão informatizados, índice que pode ser ainda mais grave caso os 10% restantes sejam melhor analisados. "Às vezes a padaria está informatizada, mas o estoque não está, o que não adianta nada se não há como alimentar o sistema com informações" -- ressalta Renata Contatori.
Os indicadores do diagnóstico certamente não produzem boas avaliações. "Os panificadores não conseguem canalizar investimentos, administrar compras ou vendas" -- diagnostica Alessandro Paes dos Reis, gerente do Sebrae em Diadema. Na pesquisa, 40% dos panificadores entrevistados garantiram que sabiam calcular o preço de venda. "Como é que calculam preço se não têm controles básicos de gestão?" -- questiona o preocupado Alessandro, acrescentando: "A frequência média de visita mensal dos clientes a uma padaria gira em torno de 14 vezes e isso talvez explique por quê ainda dá certo". Ele lembra que os supermercados são frequentados em média quatro vezes ao mês.
Para o engenheiro de alimentos Marcílio Ferraz, que trabalha há sete anos no Senai Barra Funda sobre as questões que se localizam entre a caixa registradora e o forno, o segmento sobrevive, mas precisa se reciclar. "Existe demanda, só que cada vez mais voltada às boas padarias" -- responde Ferraz. Embora o Sebrae e o Senai em São Paulo não façam essa extensão, os números de Diadema refletem a maioria das padarias dos grandes centros do País. Retratam uma atividade tradicional, familiar, mas que ainda resiste às inovações, principalmente gerenciais, de adaptar o negócio às expectativas do consumidor. O que o empresário de padaria precisa mesmo saber é controlar os fluxos e ritmos do negócio. "Mensurar é uma dificuldade para o panificador. Ele precisa saber o que é mais rentável, se são os pães, as latarias ou a copa, para que possa obter bom retorno e canalizar os investimentos" -- explica Alessandro Reis, gerente do Sebrae.
Conhecer o negócio é vital para o dono de padaria, única indústria que vende em um único ponto e que, por isso, precisa definir o perfil. Só assim o empresário saberá se enfoca mais a parte industrial, na feitura de pães, ou se reforça o comércio ou ainda a parte de lanchonete e de restaurante. Também é preciso controlar fundamentos do negócio que boa parte dos donos de padaria ainda desconhece: "Existem novas técnicas para produzir pão, desde saber como balancear a receita até controlar a perda de rendimento" -- explica Renata Contatori.
50 ou 70 gramas? -- Quando se trata de perda, os números chegam a assustar. Das 21 padarias pesquisadas, seis estavam vendendo pãozinho de 50 gramas entre 60 a 70 gramas. "Se for contabilizar, só isso soma R$ 14 mil em um ano, quase o valor de um Pálio" -- adverte o gerente do Sebrae em Diadema, Alessandro Reis. Uma das alternativas para evitar perdas é utilizar a divisória, um equipamento básico que auxilia no controle do peso do pão, além de padronizar e dar mais qualidade ao produto final.
"Existem empresas que utilizam um pão maior e mais pesado como diferencial perante o concorrente. O importante é que o empresário esteja consciente de que é uma estratégia, se não se torna necessário rever o processo de fabricação" -- afirma o gerente do escritório do Sebrae-SP. O conservadorismo na indústria de panificação se manifesta também na ausência de treinamento da mão-de-obra. A começar da extrema dependência que o empresário tem do padeiro, muitas vezes um único funcionário que detém a tecnologia de preparo do principal produto da empresa. A pesquisa Sebrae/Senai mostrou que 46% dos empresários do setor dependem totalmente dos padeiros. Muitas vezes a padaria tenta lançar produtos, que acabam não vendendo bem. "Eles só colocam o produto no balcão, não fazem degustação e outras práticas de marketing, o que não depende somente do empresário, mas de equipe treinada" -- observa Alessandro.
O programa Sebrae/Senai para padarias não tem data para se encerrar e está aberto a adesões. Desde o ano passado são dirigidos cursos para empresários e atividades de formação para trabalhadores. No início do programa, foi recomendada a racionalização do consumo de energia, um dos ralos financeiros do negócio. Até o ano passado, 42% das padarias utilizavam forno a gás, o mais indicado para economizar energia elétrica. Metade era adaptação do forno elétrico e o restante do forno a lenha. "Antes do racionamento oficial, muitas trocaram os equipamentos elétricos por fornos a gás" -- explica Alessandro Reis, para exemplificar o ganho obtido pelos panificadores que frequentam o programa.
Numa das discussões ficou claro que os panificadores poderiam fazer parcerias e montar redes de estabelecimentos cooperativados, através das quais cada um teria determinado produto distribuído por todos os parceiros. Uma padaria com equipamento para produção industrializada de bolos, por exemplo, poderia distribuir para os outros estabelecimentos da rede, mas também revenderia produtos de outras panificadoras. Apesar da proposta interessar a todos, até agora não foi implementada. "Será um processo demorado porque o panificador é capaz de emprestar mercadoria para outro, mas não abre sua padaria para mostrar como é sua produção" -- afirma Joivana Troyse Borges Pavanello, proprietária da Padaria Dona Itália.
Com o programa de padarias, identificou-se também que o panificador precisa deixar de ficar à frente da registradora e estudar e planejar seu negócio, o que não é possível realizar ao mesmo tempo em que se faz o troco do freguês. "As padarias que têm os melhores índices de qualidade apresentam empresários que gastam boa parte do tempo pensando estratégia de atuação" -- ensina Alessandro Reis.
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