A demora da Sama (Saneamento Básico de Mauá) em conceder à iniciativa privada os serviços de captação e tratamento de esgoto doméstico para produção de água industrial pode levar o Projeto Sanear, literalmente, por água abaixo. A autarquia de saneamento de Mauá estimava ver as obras da estação de tratamento iniciadas no segundo semestre deste ano, mas sequer definiu a data exata para publicação do edital de licitação. Enquanto isso, as empresas do Pólo Petroquímico de Capuava -- maiores interessadas na água de reúso -- anunciam a contratação de serviços de engenharia para viabilizar o Aquapolo porque precisam baratear o custo desse insumo essencial à produção industrial.
A notícia de que o Aquapolo está em pleno andamento não soou exatamente como música aos ouvidos da Sama. As empresas do pólo petroquímico formam um dos pilares de sustentação do Projeto Sanear porque consumiriam 350 litros de água por segundo e estariam na condição de clientes potenciais da futura operadora privada que vai tratar da captação e tratamento. Mas como precisam resolver rapidamente o problema do abastecimento porque têm metas a cumprir e se encontram envolvidas com projetos de expansão industrial, não podem continuar à mercê de prazos não definidos.
"O problema precisa estar equacionado nos próximos seis meses" -- esclarece o engenheiro de desenvolvimento de negócios da Petroquímica União, Jorge Manuel Rosa. A PQU discute desde 1994 o Aquapolo com Recap, Polibrasil, Polietilenos União, Oxiteno, Unipar, Praxair, Polibutenos e Liquid Carbonic. O projeto está orçado em R$ 30 milhões e é a alternativa considerada viável pelas petroquímicas para obtenção de água de reúso, caso nenhuma outra proposta oferecida pelo Poder Público se concretize até meados de 2002. Entre 10% e 30% da água utilizada em Capuava é potável e custa mirabolantes R$ 4,80 o metro cúbico. O restante o pólo capta no Rio Tamanduateí, cujo processo de tratamento complica-se e encarece na medida em que a poluição do rio aumenta.
A justificativa da Sama para o atraso no cumprimento do cronograma da primeira fase do Projeto Sanear é atribuída a questões políticas. Prevista para o início de 2001, a publicação do edital de licitação foi adiada em função das discussões no Congresso sobre a titularidade dos serviços de água e esgoto no Brasil. O projeto apresentado pelo governo federal para decidir se Estados ou municípios seriam os responsáveis pela concessão dos serviços de saneamento básico chegou a tramitar em regime de urgência urgentíssima, mas acabou esfriando diante de outras prioridades. "A discussão gerou incerteza jurídica sobre quem poderia realmente fazer as concessões, por isso decidimos esperar um pouco mais. Mas vamos publicar a licitação ainda este mês" -- garante o assessor técnico da superintendência da Sama, Ricardo Guterman.
Também discutido desde 1994, o Sanear está em xeque justamente por causa dos impasses que costumam inundar os gabinetes governamentais. O projeto possui viabilidade técnica e econômica e foi até considerado financiável pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas desde o início esbarra em questões menos práticas. A primeira dificuldade da Sama foi convencer os vereadores do próprio PT a aprovarem matéria que tratava de assunto indigesto para o partido: a privatização. Vencido o primeiro round, vieram as exigências da própria lei de licitação como a realização de audiência pública, que tornam o processo moroso. E, por fim, a incerteza no cenário nacional sobre as regras para o setor de saneamento básico.
O Sanear foi concebido para colocar a Sama em posição de vanguarda na busca de solução para a questão do saneamento básico em Mauá. Com dívida de R$ 800 milhões, o Município aposta na contrapartida da empresa vencedora da concorrência para complementar os 30% de rede de esgoto que ainda faltam na cidade. Agora a autarquia terá de correr contra o relógio porque a fase inicial das obras do Aquapolo, que compreende a engenharia básica, está em vias de contratação. "Nosso interesse por projeto viável de água de reúso continua. Entendemos as limitações do Poder Público, mas não podemos esperar indefinidamente" -- sentencia Jorge Manuel Rosa, da PQU. Em setembro do ano passado, as empresas do pólo petroquímico chegaram a oficializar em público o compromisso de consumir água industrial fornecida pelo Sanear.
Risco iminente -- O impasse criado com a lentidão do Sanear pode provocar outros problemas para a Sama. Se a publicação do edital de licitação não for apressada, a autarquia de Mauá corre o risco de ver a concorrência esvaziada. O Sanear é projeto orçado em R$ 140 milhões e que certamente só poderá ser operado por multinacionais do setor ou grandes consórcios. Se o interesse do pólo petroquímico pela água de reúso esfriar, as eventuais concessionárias pensarão duas vezes antes de entrar em negócio que não conta com comprador certo. Os serviços de abastecimento de água potável, considerado a fatia mais rentável do setor de saneamento básico, estão fora do Sanear e continuam sob responsabilidade da Sama.
O Aquapolo prevê a captação de 500 litros por segundo do Rio Tietê, em Suzano, para ser tratado em duas estações dentro do próprio pólo petroquímico. A água chegará até Capuava através de 26 quilômetros de dutos e será colhida em trecho já poluído do Tietê, mas cuja intensidade de impurezas é bem menor que a registrada no Tamanduateí. Já o Sanear forneceria água de reúso por meio do tratamento dos esgotos domésticos de Mauá.
A atenção prioritária que o pólo petroquímico dispensa à água de reúso está relacionada principalmente ao quesito custo. Por ainda utilizarem água potável no processo produtivo, as petroquímicas de Capuava desembolsam até nove vezes mais que as concorrentes dos pólos da Bahia e do Rio Grande do Sul. Com o Aquapolo, o metro cúbico da água de reúso giraria em torno de R$ 1, enquanto o Sanear prevê valor máximo de R$ 1,50 mas abre brechas para negociações entre as petroquímicas e a operadora.
O impacto do preço da água no custo final dos produtos não tira o sono apenas das petroquímicas. Recentemente, a Prefeitura de Santo André reduzi u em 20% o valor do metro cúbico para consumidores industriais que utilizam mais de três mil metros cúbicos/mês. O benefício atinge apenas 30 grandes empresas do Município, já que o restante do setor produtivo continuará a desembolsar R$ 4,67 por metro cúbico da água potável eventualmente utilizada para resfriar caldeiras, abastecer sistemas de ar-condicionado, lavar máquinas e outros procedimentos rotineiros do processo produtivo.
Em outros municípios da Grande São Paulo a história é bastante parecida. Tanto que a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) criou gerência especial para difundir os subprodutos do esgoto doméstico. Por enquanto, as experiências são pontuais. A estatal fornece 70 metros cúbicos por segundo de água de reúso para a Coats Corrente, do Bairro do Ipiranga, na Capital, e negocia com a Prefeitura de São Caetano cinco caminhões pipas diários do líquido não potável para manutenção de vias públicas e irrigação dos jardins. As quatro estações de tratamento de esgoto da Sabesp -- Barueri, Grande ABC, Parque Novo Mundo e São Miguel -- poderiam fornecer 10 metros cúbicos/segundo às empresas. O volume sugere negócios consideráveis, já que a Sabesp vende apenas 1,2 metro cúbico/segundo de água para as empresas da Região Metropolitana, que captam outros 7,5 metros cúbicos/segundo em poços e rios.
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