Economia

Pequeno varejo
começa a reagir

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/01/2002

O pequeno comércio do Grande ABC iniciou manobra de reação ao assédio das grandes redes supermercadistas nacionais e internacionais, que acabaram levando milhares de negócios familiares ao extermínio nos últimos anos. O movimento é limitado sob a ótica dos números absolutos porque envolve parcela reduzida do universo de estabelecimentos comerciais de pequeno e médio portes que tentam sobreviver no ambiente inóspito do varejo regional, bombardeado por grandalhões sob olhos complacentes dos poderes públicos. Mas a limitação numérica não torna o fenômeno menos importante: o plano adotado por alguns comerciantes do Grande ABC embute a virtude nada desprezível de quebrar o círculo vicioso de inércia e apatia que congelavam o comércio independente diante do avanço das cadeias organizadas. 

A reação regional veio em forma de carona em iniciativa paulistana que começa a ganhar adeptos além dos limites da Capital: sete varejistas do Grande ABC aderiram à Rede de Supermercados Super Vizinho para ganhar mais competitividade na disputa com os grandes empreendimentos. A Super Vizinho foi fundada em abril de 2000 na Capital e já reúne 48 supermercadistas da Região Metropolitana de São Paulo. Os associados do Grande ABC são o De Ville, Ville, Kiyomoto, Garcia, Fenícia e Primavera, todos de Santo André, além do Mori, no Centro de Diadema. 

"O Grande ABC é a região que concentra maior número de participantes fora dos limites do Município onde a rede foi concebida" -- explica o consultor Anísio Pereira da Silva, do Instituto de Consultoria Empresarial, com sede no Rio de Janeiro, responsável pela visão estratégica e implantação das iniciativas que vêm dando formato à rede. É provável que o número de associados no Grande ABC cresça com base no interesse demonstrado durante reuniões setoriais, acrescenta ele. 

Supermercadistas de Santo André e Diadema se uniram aos paulistanos e de cidades próximas como Guarulhos, Osasco e Carapicuíba porque a Super Vizinho proporciona ganhos de competitividade inatingíveis isoladamente. E como a cada anúncio de investimento milionário pelos grandes varejistas na região corresponde novo furo no cinto apertado da concorrência setorial, nada melhor do que deixar de lado o antigo complexo de periferia para aderir à iniciativa promissora oriunda da Capital. 

A rede criou central de negócios para melhorar as condições de negociação com fornecedores, estampou a marca Super Vizinho nas fachadas para identificar estabelecimentos associados e vem investindo em propaganda conjunta para diluir custos de produção e veiculação. Além do que implementou em poucos meses, tem planos que vão da padronização visual e do layout das lojas à criação de produtos de marca própria, de centro de distribuição e de cartão de crédito. 

"Comerciantes independentes são como detentos dentro de um presídio: totalmente frágeis e impotentes até descobrir a força que têm juntos" -- compara com humor Gilberto Wachtler, proprietário do Supermercado Primavera, localizado no Parque Capuava, em Santo André. "A rede proporciona acesso a inovações e tecnologias de atendimento com as quais empresas familiares geralmente não têm contato" -- acrescenta Marcelo Furlan, diretor do Supermercado Fenícia, criado pelo pai há 28 anos no Parque Novo Oratório, Santo André.    


Preço 15% menor -- A central de negócios permite aos associados comprar em conjunto diretamente de grandes fornecedores como Nestlé, Perdigão e Unilever. Ao lidar com as grandes indústrias sem precisar passar pelos atacadistas, pequenos e médios supermercadistas abrem leque de vantagens que vão de preços mais baixos a atendimento mais individualizado. "É possível baixar em até 15% o valor venal dos produtos" -- afirma Ciro Kiyomoto, proprietário de mercado na Vila Rica, em Santo André, ao qual empresta o nome. "Além disso, os fornecedores contam com a rede para lançamentos e dispõem de mais expositores para exibir produtos nas gôndolas" -- observa Gilberto Wachtler.   

O consultor Anísio Pereira revela que o volume de compras dos 48 associados por meio da central de negócios atinge R$ 14 milhões por mês. Apenas 20% do mix dos supermercados é adquirido de forma cooperada. "A central funciona bem com os grandes fornecedores nacionais. Com os fornecedores regionais os supermercados conseguem estabelecer contato direto isoladamente" -- explica. Os 48 supermercados totalizam 15,3 mil metros quadrados de área de venda, 170 check-outs, 90 mil consumidores por dia e 1,3 mil funcionários. 

Outra iniciativa que garante bons resultados é a veiculação de promoções por meio de milhares de folhetos coloridos em formato tablóide. Desde junho a Super Vizinho lança mão da ferramenta de marketing utilizada pelas maiores redes supermercadistas em operação no Brasil. São duas edições mensais com tiragem de 600 mil exemplares. Além de dezenas de ofertas, os tablóides trazem endereços dos 48 supermercados onde se encontram os produtos anunciados. Os folhetos são distribuídos por conta dos próprios supermercadistas na área de influência de cada estabelecimento. 

"São quase 13 mil folhetos para cada associado" -- observa Clóvis Garcia, que dirige com a esposa Francisca de Paula o Supermercado Ville, na Vila Guarani, em Santo André. "Todos os supermercadistas participam da escolha do mix de ofertas" -- relata Neide Garcia Dezute, irmã de Clóvis que dirige o Supermercado De Ville no Condomínio Maracanã, também em Santo André.  

O consultor Anísio Pereira comenta que os tablóides coloridos são apenas o pontapé inicial das metas de propaganda e marketing reservadas para a rede. "Em breve vamos estar na mídia impressa e eletrônica" -- promete. Os associados contribuem com R$ 400 por mês para custear a produção dos folhetos, além das despesas da equipe da central de negócios e da sede localizada no Centro de São Paulo. 


Padronização -- Por enquanto a identidade coletiva dos supermercados é garantida por banners coloridos com a marca Super Vizinho exibidos na frente das lojas. O projeto de padronização contempla uniformização visual das fachadas e do layout das lojas, embora ainda não se tenha estabelecido prazos. "A padronização completa é uma das ações fundamentais. Só não estipulamos quando será iniciada porque envolve investimentos que precisam ser discutidos entre os associados" -- explica Anísio Pereira. 

Diferentemente da homogeneização das instalações, os treinamentos já têm cronograma definido. Programas voltados aos proprietários serão realizados em janeiro e os 1,3 mil funcionários passarão por cursos no mês seguinte, em sistema de rodízio. Recursos humanos, marketing e administração são alguns dos temas que integram o programa voltado aos proprietários, ao passo que qualidade de atendimento é a espinha dorsal do curso dos empregados. Outros planos da Super Vizinho são criação de cartão de crédito, lançamento de produtos de marca própria e formalização de empresa mercantil que permita aos associados investir conjuntamente na multiplicação de lojas, na condição de acionistas. 

O crescimento da rede é visto como condição básica para o fortalecimento da competitividade: quanto maior o número de associados, mais diluídas são as despesas individuais com treinamento, propaganda e marketing e com outros instrumentos para fidelização dos consumidores. "Queremos duplicar a rede para 100 associados até março de 2002" -- destaca Anísio Pereira. A julgar pelas dificuldades enfrentadas pelo pequeno comércio da região que protagoniza uma das maiores concentrações de grandes redes do País, é provável que muitos dos novos associados virão do Grande ABC. 

Os independentes estão se mexendo porque precisam garantir condições de sobrevivência em um segmento cada vez mais concentrado nas mãos de poucos competidores. De acordo com a Abras (Associação Brasileira dos Supermercados), as cinco maiores organizações do setor foram responsáveis por 40,8% do faturamento em 2000. A soma das receitas de Companhia Brasileira de Distribuição (dona das bandeiras Extra, Pão de Açúcar, Barateiro e Eletro), Carrefour, Bompreço, Sonae e Casas Sendas atingiu R$ 27,6 bilhões no período. Se se levar em conta o faturamento das 10 maiores do setor, acrescentando, por ordem crescente, Wal Mart Brasil, Jerônimo Martins, Cia Zaffari, G. Barbosa & Cia e Coop, a participação sobe para 46,8%, com faturamento de R$ 31,6 bilhões. Se a lista contemplar as 20 maiores, chega-se à mais da metade do mercado brasileiro, com 52% de participação. Como as grandes redes atuam mais fortemente em regiões com características metropolitanas, o quadro de concentração no Grande ABC tende a ser muito mais agudo. 


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