Economia

Números revelam
serviços de papel

ANTONIO JOAQUIM ANDRIETTA* - 05/04/2002

As transformações desde a década de 1990 na estrutura produtiva do País, do Estado de São Paulo e respectivas regiões têm acenado com o setor terciário como nova fonte de geração de emprego e renda. No Grande ABC, com o peso maior do setor industrial reestruturado, o mesmo aceno gerou políticas públicas em níveis municipais e intermunicipais tendentes a atrair empreendimentos de comércio e serviços como fonte alternativa de emprego e renda. Passados alguns anos de aplicação dessas políticas, a região ainda se ressente da falta de dados e análises mais consistentes sobre os resultados. 

De início, o sucesso mais significativo ocorreu com os grandes empreendimentos de shopping centers, hipermercados, home centers (materiais de construção) e redes de franquias. Observe-se, porém, que o fator mais ponderável de atração foi o do mercado: uma região ainda carente desse tipo de comércio, mesmo tendo a maior população regional fora da Capital e o terceiro potencial de consumo do País. 

Para diversos desses empreendimentos houve, também, favorecimentos das prefeituras por meio das chamadas operações urbanas, permutando áreas e melhoramentos de infra-estrutura. Mas esse boom se esgotou e alguns acreditam que o remédio teria causado mais males ao paciente que a própria doença. Algo parecido ocorreu, também, com classes de serviços pessoais, como na saúde e na educação, duas necessidades prioritárias das famílias.

Entretanto, não foi bem alcançado o efeito principal objetivado: criação de emprego e renda. Um dado visível é a medição do emprego e desemprego na região pelo convênio Seade-Dieese com a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Em 2000, com pequeno alívio nas sucessivas crises da economia brasileira, o desemprego na região decaiu dos píncaros de 22%/23% para 17%/18%. Entretanto, metade dos postos de trabalho criados ou reativados foi proporcionada pela indústria, uma demonstração de que esse setor nem de longe esgotou sua força e dinamismo na região. 

Da parte do Poder Público regional permaneceu a preocupação com a busca por conhecer mais o setor de serviços: o Consórcio de Prefeitos, por meio da Agência de Desenvolvimento, com recursos obtidos de organismo internacional, encomendou pesquisa no setor de serviços regional (a Passe/ABC), efetuada em 2000 e com análises parciais divulgadas pela Agência em 2001. Uma radiografia nítida do setor, nos mesmos moldes da pesquisa anterior (a Paep) realizada pelo Seade em 1997/98 e mais focada na indústria, a amplitude das classes contempladas na amostra da Passe ainda não revelou a extensão, concentração e importância relativa das classes de serviços na região.

Uma coleta e tabulação de dados sobre atividades de serviços -- selecionadas entre as de maior número de estabelecimentos, tanto nas classes de serviços prestados exclusiva ou principalmente às empresas como de outros prestados ao público em geral -- pode sinalizar quanto e como o Grande ABC se posiciona em relação a seus próprios municípios, à Capital e demais municípios da Região Metropolitana de São Paulo, esta ao Estado de São Paulo e este ao País. 

Os dados brutos são os últimos disponíveis (31/12/2000) no banco de dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho e Emprego. A Rais registra empresas e postos de trabalho formais em diferentes níveis de agregação de setores, grupos, subgrupos, divisões e classes de atividades econômicas, para todos os municípios do País. Nesta coleta e tabulação, foi tomado o nível de maior desagregação setorial, de acordo com a CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O foco se concentrou em 14 classes de atividades -- 11 de serviços prestados exclusiva ou principalmente às empresas e três ao público em geral. No primeiro grupo estão os serviços de transporte rodoviário de cargas; de telecomunicações, entre os quais se incluem call centers, telemarketing e telemensagens; os de informática; as sedes de empresas; os de assessoria em gestão empresarial; os de arquitetura, engenharia e técnicos especializados; os de seleção, agenciamento e locação de mão-de-obra para serviços temporários; os de investigação, vigilância e segurança; os de limpeza predial e outros serviços não especificados, prestados principalmente às empresas. No segundo grupo estão as atividades de serviços de agências de viagens, arrendamento mercantil (leasing) e aluguel de automóveis (car renting). 

Na maior parte dessas classes transparece o efeito da guerra fiscal do ISS (Imposto Sobre Serviços): por meio de alíquotas de imposto muito reduzidas, alguns municípios, em especial na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), atraem sedes de empresas prestadoras de serviços que apenas formalmente se registram na cidade e ali recolhem o imposto relativo aos serviços feitos em todos os locais. Também ali são registrados seus empregados, embora não atuem nem residam no Município. 

O expediente já era utilizado há muito tempo por certos municípios da RMSP, notoriamente Barueri e Arujá, com a finalidade de atrair empresas da Capital, que manteve a política de não renúncia fiscal. Mais recentemente, outros municípios aderiram ao expediente, com maior ou menor sucesso. No Grande ABC, desde os últimos cinco anos, São Caetano adotou a prática, descumprindo compromisso então assumido pelas prefeituras da região, no que foi depois secundado por São Bernardo. 

A tabela retrata as respectivas participações dos municípios, regiões e o Estado nos estabelecimentos dos serviços selecionados para análise. Embora predominem em todas as classes os estabelecimentos com até 99 empregados (micro e pequenos), algumas classes possuem grande contingente de trabalhadores registrados e também estabelecimentos de grande porte. O exame dos estabelecimentos com mais de mil empregados, no ano 2000, realça alguns casos notáveis: 

 No transporte rodoviário de cargas havia apenas dois estabelecimentos no Brasil, um na Capital e outro em São Caetano; 

 Nos serviços de arquitetura, engenharia e técnicos, dos três maiores do Estado de São Paulo (e o Brasil todo tinha cinco) dois estavam na Capital e um em São Caetano; 

 Nos serviços de telecomunicações, o Estado paulista tinha sete, seis na Capital e um em São Bernardo; 

 Nos serviços de limpeza predial, dos 30 do Estado, cinco estavam no Grande ABC (quatro em São Caetano e um em Santo André), três na Capital, 18 em outros municípios da RMSP e quatro no Interior;

 Nos serviços de vigilância e segurança, havia 10 na RMSP, três no Grande ABC (em São Caetano), quatro na Capital e três em outros municípios.

A Capital paulista se mostra como grande concentradora dos estabelecimentos das classes de serviços selecionados, com a maior participação dentro da Região Metropolitana e no Estado. Apenas uma exceção: os estabelecimentos de leasing, 28 no Estado, nenhum acima de 250 empregados, mas distribuídos oito no Grande ABC (cinco em São Caetano), quatro na Capital, um no Interior e 15 em outros municípios da RMSP. A primeira matéria da mídia a respeito, na revista Exame há alguns anos, relatava que as então 30 maiores empresas do setor funcionavam na Capital e tinham sede em Barueri. Na maior parte ligadas a bancos, o número de empresas se reduziu em razão da concentração bancária, mas as remanescentes ainda preferem ter sede fora da Capital.

A Região Metropolitana de São Paulo mostra o predomínio de participação em praticamente todas as classes de serviços selecionadas. A exceção fica por conta do transporte rodoviário de cargas, geral e de produtos perigosos, mais desconcentrado no Estado, assim como no País. O Estado paulista, na maioria das classes de serviços selecionadas, mantém participação aproximadamente proporcional a seu peso econômico no País. As menores participações estavam nas telecomunicações (empresas de telefonia sediadas nas respectivas regiões de suas concessões) e no aluguel de automóveis (alguns Estados e municípios também concedem favorecimentos, de olho no IPVA recolhido por grandes frotas). 

Outros aspectos da distribuição espacial dos estabelecimentos de serviços no País não deixam de ser intrigantes. Nos serviços de informática, a Capital de São Paulo concentra dois terços dos estabelecimentos do Estado que, porém, tem participação apenas proporcional em relação ao País. Outros Estados desenvolveram pólos de informática, como Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Distrito Federal. Nos estabelecimentos de agências de viagens, o predomínio da Capital paulista é ainda maior, mas a participação de São Paulo no País é apenas modesta, sugerindo ser a Capital paulista um centro gerador de viajantes e os demais Estados, em especial do Nordeste, centros receptores de turistas. Nessa atividade, a participação do Grande ABC é das menores, denotando que o anseio por atração do turismo é algo longínquo e difícil, uma quimera talvez.

Assim se revelam algumas distorções de políticas de desenvolvimento econômico e de geração de emprego e renda, facultadas pela barafunda tributária do País, que anualmente drena para os cofres públicos mais de um terço da riqueza produzida (PIB), na angustiante espera da prometida reforma, e aproveitada oportunisticamente por municípios ansiosos por elevar sua arrecadação sem dever contrapartidas aos contribuintes dos impostos arrecadados com reduzidas alíquotas. As empresas hóspedes em São Caetano e em outros municípios não têm atuação ou empregados. Sequer ocupam espaço maior que uma gaveta ou hard disk de microcomputador num escritório de contabilidade local. E projetos ambiciosos para o terciário avançado, obsessivamente almejado pelo finado prefeito de Santo André Celso Daniel, padecem de duvidosa viabilidade -- como o Eixo Tamanduatehy, a Cidade Pirelli e o Parque Tecnológico na área de mananciais.

*Antonio Joaquim Andrietta é professor de Administração do Imes (Centro Universitário de São Caetano).



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