Treinar a própria força de trabalho já não é suficiente para garantir competitividade no jogo duro da indústria automotiva. Além de investir no aperfeiçoamento dos próprios trabalhadores, tornou-se indispensável qualificar funcionários dos fornecedores pelo simples fato de que montadoras e cadeia de suprimentos estão cada vez mais envolvidas e interdependentes. Que o diga a DaimlerChrysler de São Bernardo, fabricante de caminhões, veículos comerciais leves e chassis de ônibus, além de eixos e motores. A montadora instalada há mais de 40 anos no Grande ABC inovou ao formatar calendário de cursos voltados exclusivamente aos empregados da cadeia de suprimentos. Mais de 400 funcionários de 200 fornecedores já passaram pelo centro de treinamento para interagir como multiplicadores de conhecimentos nas empresas em que atuam e o calendário será reeditado no segundo semestre deste ano.
"Os cursos de aperfeiçoamento complementam nossas metas de qualidade, estabelecidas pela primeira vez em 1996" -- explica Luiz de Freitas Ayres, gerente de Qualidade e Desenvolvimento de Fornecedores. O calendário se estendeu de maio a novembro de 2001 e contemplou programas em áreas como Planejamento Estratégico, Housekeeping 5S, Controle Estatístico de Processo Avançado, Metodologia Aplicada à Resolução de Problemas, Manutenção Produtiva Total, QS 9000 e Análise do Sistema de Medição, entre outros temas de domínio obrigatório para empresas interessadas em garantir lugar ao sol no panorama da globalização.
A bateria de cursos foi precedida de seminário realizado em hotel em Embu, na Grande São Paulo. Os principais executivos da DaimlerChrysler enfatizaram a importância da integração e do comprometimento da cadeia de fornecimento para as metas estratégicas da montadora durante o evento. "Somente com envolvimento total dos fornecedores é possível atingir níveis de qualidade e produtividade que fazem com que a estrela da Mercedes-Benz continue a brilhar" -- destaca o diretor de Compras, Frithjof Punke, referindo-se à marca dos produtos de São Bernardo e que integra o portfólio internacional do grupo ao lado de Chrysler, Jeep, Dodge, Smart, Maybach, Sterling, Western Star Trucks, Setra e Freightliner. Só em São Bernardo trabalham cerca de 10 mil pessoas.
O alemão Frithjof Punke assumiu a diretoria de Compras de São Bernardo em janeiro último no lugar de Manfred Straub, que se aposentou. Ele veio da fábrica de Gaggenau, cidade próxima a Stuttgart, na qual era responsável por duas áreas aparentemente distantes: recursos humanos e estratégia na área de câmbios. Punke explica que a fábrica de Gaggenau tem sete mil empregados e foco voltado para produção de eixos e câmbios.
A DaimlerChrysler de São Bernardo recorreu a empresa especializada para treinar os fornecedores. A Qualitas Engenharia, sediada em São José dos Campos, foi responsável pela elaboração dos cursos e dos materiais didáticos e cuidou das inscrições, que podiam ser feitas pela Internet. O tom profissional do programa pôde ser verificado não apenas pelo respeito ao limite máximo de 20 participantes por turma, mas sobretudo pelo fato de os cursos terem sido cobrados. Os participantes pagaram R$ 164 pelos módulos concluídos em oito horas e R$ 264 pelos finalizados em 16 horas. A adesão de 200 dos 350 fornecedores que a DaimlerChrysler soma no Brasil sinaliza que a maior parte da cadeia produtiva está antenada à filosofia de aperfeiçoamento contínuo da qual a montadora não abre mão.
O gerente de Qualidade e Desenvolvimento, Luiz de Freitas Ayres, cita que os cursos reforçam bons resultados em dois indicadores de desempenho utilizados para acompanhar a evolução da performance dos fornecedores. "No PPM, que afere a quantidade de peças defeituosas por milhão produzido, houve baixa de seis mil em 1995 para apenas 325 em 2001. Já pelo Índice Qualitativo Técnico Comercial, a maior parte dos fornecedores está situada no conceito ótimo, referente a níveis de satisfação superiores a 80%. Trata-se de avanço significativo em relação a 1997, quando a maioria se enquadrava no conceito regular" -- comenta o executivo.
O afunilamento do segmento de autopeças em razão da ampliação dos níveis de exigências das montadoras é notório nas palavras do diretor de Compras, Frithjof Punke. Apontando para um gráfico, Punke deixa claro que apenas os fornecedores que se mantiverem na categoria ótimo interessam à DaimlerChrysler. "Ser apenas bom já não é mais suficiente, sobretudo porque boa parte dos produtos é destinada à exportação" -- explica o executivo, num português distante da perfeição, porém mais do que satisfatório para quem está no Brasil há apenas seis meses.
Nacionalização -- Paralelamente aos esforços de qualificação dos parceiros produtivos, a DaimlerChrysler de São Bernardo dedica-se a nacionalizar peças e sistemas para reduzir custos e ganhar mais competitividade. Quando o programa de nacionalização foi lançado, há dois anos, 40% dos suprimentos eram adquiridos de empresas instaladas além das fronteiras brasileiras. Atualmente apenas 20% dos componentes vêm de fora do País e a meta é atingir 90% daqui a dois anos. "Nacionalizar 100% é impossível porque os produtos agregam tecnologias avançadas indisponíveis no mercado brasileiro" -- observa Frithjof Punke.
O programa de nacionalização consiste no envolvimento direto da DaimlerChrysler com os fornecedores para desenvolvimento nacional de peças e conjuntos importados, adaptação conhecida no jargão dos experts em indústria automotiva como tropicalização. O programa foi lançado logo após a livre flutuação cambial, em janeiro de 1999, para reduzir importações que se tornaram proibitivas com a maxidesvalorização do real em relação ao dólar.
A exemplo de outras montadoras altamente dependentes de autopeças importadas -- como a japonesa Toyota, que concatenou rede de fornecedores nacionais para viabilizar a produção do novo Corolla na fábrica de Indaiatuba, Interior de São Paulo --, a DaimlerChrysler voltou-se aos fornecedores locais como estratégia para conter a explosão da planilha de custos. Os executivos da DaimlerChrysler lembram que a inviabilidade financeira das importações cotadas em dólar é apenas uma das muitas dificuldades enfrentadas por quem depende de fornecedores instalados do outro lado do Atlântico.
"Impostos de importação, burocracia dos trâmites alfandegários e indisponibilidade de respostas rápidas na eventualidade de ocorrência de falhas são alguns problemas comuns" -- enumera Punke. "Além disso, é muito difícil adotar just-in-time quando se tem fornecedores fora do Brasil" -- considera Luiz Ayres, referindo-se ao sistema que adequa o recebimento de insumos ao fluxo produtivo, de modo a eliminar estoques. O volume de compras da DaimlerChrysler de São Bernardo atinge R$ 1,3 bilhão por ano. A fábrica é abastecida com cerca de cinco mil itens.
Nacionalização de peças é totalmente diferente do conceito de nacionalização da indústria de autopeças. O fato de as peças serem produzidas no Brasil não significa fortalecimento da indústria nacional porque o segmento é hoje dominado pelo capital estrangeiro, que já responde por 77% dos negócios no País. Dos 350 fornecedores da DaimlerChrysler de São Bernardo instalados em território nacional, 60% são multinacionais, 30% têm capital misto e apenas 10% são genuinamente verde-amarelas. A concentração geográfica nas regiões mais ricas do País também é notória. Setenta por cento dos fornecedores da DaimlerChrysler estão no Sudeste brasileiro e 20% na região Sul.
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