Economia

Dedos cruzados
pelo novo Polo

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/05/2002

Se os consumidores do Grande ABC fossem movidos pelo instinto preservacionista dos japoneses e norte-americanos conhecidos por priorizar a compra de automóveis produzidos no próprio país para estimular a economia nacional e evitar a evasão de empregos e divisas, é provável que optariam sem pestanejar pelo novo Polo que a Volkswagen acaba de lançar. Por uma razão simples: do sucesso do modelo que introduz a nova família de automóveis que a Volks reservou para o Brasil depende a manutenção da fábrica Anchieta e dos milhares de empregos diretos e indiretos dali irradiados. Se por algum motivo o Polo não deslanchar como esperam os executivos da montadora alemã, buracos adicionais no já combalido tecido socioeconômico regional serão inevitáveis. 

Isso porque a fábrica de São Bernardo ficou visivelmente dependente do automóvel que acaba de chegar, uma vez que outros produtos fabricados na unidade já estão na estrada há muito tempo e não oferecem perspectivas de longevidade e crescimento dos novos projetos. Além da veterana perua Kombi e dos modelos Santana e Saveiro, a fábrica de São Bernardo monta 40% dos Gols produzidos no Brasil -- os outros 60% saem da planta de Taubaté, no Interior de São Paulo, para onde o Gol vai acabar transferido integralmente. Ou o que restar da linha, uma vez que os modelos 2.0 e 1.8 deixaram de ser montados para não canibalizar o Polo. 

A dependência da fábrica de São Bernardo em relação ao Polo se torna ainda mais evidente diante dos lances recentes de rearranjo produtivo definidos pela montadora alemã: a Volks decidiu produzir o Tupi na fábrica paranaense de São José dos Pinhais -- para onde já levou parte da produção da linha Saveiro -- e não na unidade do Grande ABC.  Com a oficialização de fabricar o Tupi na Grande Curitiba a montadora enterrou esperanças do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC com a vinda do projeto do carro popular para a região.          

No campo oposto do Gol, veículo desenvolvido no Brasil e para o Brasil em tempos de mercado fechado, o Polo é automóvel de plataforma mundial já produzido na Espanha, Eslováquia e China. A África do Sul entrará na rota de produção internacional a partir de agosto de 2002. O produto que inaugurou a linha de montagem da Nova Anchieta, como foi rebatizada a fábrica, não faz parte do pelotão dos populares -- automóveis de motorização 1.0 já responsáveis por nada menos que 75% das vendas no País. Pelo contrário. Disponível com motores 1.6 ou 2.0, o Polo disputa a faixa dos compactos médios e salta aos olhos pela tecnologia embarcada. O automóvel custa a partir de R$ 28.990 e se encaixa na categoria dos compactos por estar situada entre os populares e os médios de luxo. "O Polo está acima do Gol e abaixo do Golf" -- define o presidente Herbert Demel. 

Com o modelo mais simples custando praticamente o dobro dos populares, o Polo enfrenta desafios no mercado interno que vão além do reconhecido baixo poder aquisitivo da população brasileira. O automóvel da Volks não está sozinho na arena dos compactos porque General Motors e Ford também trataram de lançar produtos mais sofisticados e rentáveis que os populares campeões de vendas. A GM lançou o novo Corsa nas versões hatch e sedã, com preço a partir de R$ 19.990 para o hatch 1.0 básico, e a Ford acaba de entrar na briga com o lançamento do novo Fiesta. Trata-se do primeiro modelo do Projeto Amazon, cujo complexo industrial na baiana Camaçarí consumiu US$ 1,9 bilhão, dos quais US$ 700 milhões por parte dos fornecedores que compartilham condomínio industrial. Sem falar que, na sua faixa de preço, o Polo bate de frente com o Marea da Fiat e o Focus da Ford.

Desaconselhável sob a ótica da adequação à demanda nacional, o foco em produtos mais caros e rentáveis é uma questão de sustentabilidade financeira para a vulnerável indústria automotiva brasileira. De acordo com cálculos dos consultores Stefano Bridelli e Sergio Werneck Filho, da Bain & Company, o prejuízo coletivo da indústria automobilística brasileira chegou a quase US$ 700 milhões no ano passado. As cifras negativas chegam a US$ 3 bilhões se forem contabilizados os últimos quatro anos. Os prejuízos resultam basicamente de capacidade produtiva muito superior à de consumo. Expandido por uma onda de novos investimentos levados a cabo a partir da segunda metade da década de 90, o parque automotivo instalado no Brasil está capacitado para produzir 3,2 milhões de unidades por ano, mas apenas metade desse montante é absorvida pelo mercado interno. Resultado: recursos empatados em equipamentos ociosos, custos fixos elevados e balanços tingidos de vermelho.  

Exportação -- Além do mercado interno, a Volks aposta nas exportações para desovar a produção do Polo. Os executivos declaram que 25% das 50 mil unidades que sairão da linha de montagem até o final do ano serão destinadas ao mercado externo. A proporção desejada não difere muito do volume exportado pela Volks antes da chegada do Polo. Dos 542 mil veículos da marca produzidos no País no ano passado, incluindo caminhões, 437 mil abasteceram o mercado interno e 121 mil cruzaram a fronteira, ou 22,32% do total. 

Mas o presidente Herbert Demel deixa claro que os planos de médio e longo prazo para o mercado externo são muito mais ambiciosos. Ele cita que a fábrica de São Bernardo alcançou o mesmo patamar de qualidade da planta da Volkswagen/Audi em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. Trata-se da principal plataforma exportadora do grupo no Brasil, que destina mais da metade da produção do Golf para o Exterior, sobretudo para o exigente mercado norte-americano. 

"Em São José dos Pinhais produzimos os melhores modelos Audi e Golf do mundo. Assim será com o Polo" -- confia o presidente de origem austríaca, maior responsável pela decisão de instalar a nova linha de montagem em São Bernardo, enquanto concorrentes optaram por greenfields distantes do Custo ABC. Casos da General Motors, que criou a fábrica do Celta em Gravataí, no Rio Grande do Sul, da Ford, que plantou o projeto Amazon na baiana Camaçarí, para não falar de newcomers como o Grupo PSA Peugeot Citroën, com fábrica em Porto Real (RJ), e do primeiro automóvel Mercedes-Benz no Brasil, o Classe A, montado na mineira Juiz de Fora.

O custo em dobro da mão-de-obra no Grande ABC comparativamente ao de localidades de industrialização mais recente é um dos aspectos que desencorajavam a concentração de novas linhas de montagem na região. Mas apesar dessa desvantagem em relação aos concorrentes da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Paraná e do Interior de São Paulo, a prevalência da vantagem cambial no nível atual impulsiona o plano de consolidação da plataforma de exportação. 

A desvalorização da moeda brasileira frente ao euro e ao dólar torna os custos de produção mais baixos em relação às economias de moeda forte e favorece a inserção de produtos brasileiros no mercado internacional. Tanto o Custo ABC quanto o Custo Brasil do inchaço tributário tendem a ser amenizados ou compensados pela vantagem artificial gerada pela subvalorização do Real no mercado externo. "O índice de nacionalização do Polo deve subir dos atuais 70% para 90%" -- afirma Herbert Demel, citando o percentual de componentes produzidos no Brasil.     

É bom lembrar que todo impulso proporcionado pelo regime cambial pode ser neutralizado com a hipercompetição na arena além-fronteiras da indústria automotiva. Os mercados dos Estados Unidos e Europa consomem juntos mais de 30 milhões de veículos por ano e são considerados maduros, com baixo potencial de crescimento. O Brasil, de onde a Volks e outras montadoras pretendem exportar para o Primeiro Mundo, é justamente o mercado no qual observadores internacionais depositam as maiores expectativas de crescimento, ao lado de países igualmente pobres e continentais como Índia e China. 

Condomínio industrial -- A necessidade de garantir condições de competitividade levou a Volks a recorrer à estratégia produtiva de compartilhamento de responsabilidades similar à utilizada pela GM em Gravataí, pela Ford na Bahia e pela própria Volks Ônibus e Caminhões de Resende, Rio de Janeiro. Aproveitando-se dos enormes espaços ociosos resultantes do enxugamento físico entre 30% e 50% por que passou, a Volks atraiu oito fornecedores em espécie de condomínio industrial, responsáveis pela entrega de sistemas automotivos completos diretamente na linha de montagem. São os chamados sistemistas.

Sete fornecedores são multinacionais e apenas um é de capital nacional, a Quasar, fabricante de pedaleiras com unidades em Santo André e Mauá. A instalação das empresas em território da Volks motivou a Prefeitura de São Bernardo a negociar com os parceiros da montadora a centralização do faturamento contábil no Município. Vale tudo pelo resgate de tributos que evaporaram feito água ao Sol nos últimos anos devido à desindustrialização da região.

A ampliação das vendas fora e dentro do Brasil é uma questão de economia e honra para a Volks. De economia, porque a organização precisa garantir o retorno dos R$ 2 bilhões investidos na revolução espacial, tecnológica e laboral levada a cabo na fábrica inaugurada há mais de quatro décadas, e que chegou a reunir 45 mil empregados em uma verdadeira cidade com direito a açougue e padaria. O investimento inclui adoção de 400 robôs que colocam a nova linha de montagem entre as mais automatizadas do mundo -- feito que a montadora exibe com orgulho em painéis espalhados pela fábrica e que podem ser observados por quem trafega pela Via Anchieta. Não é à toa que o presidente Herbert Demel declarou que a linha do Polo não precisa de mais do que sete a nove mil funcionários, para descontentamento dos cerca de 15 mil atualmente na fábrica. A questão de honra diz respeito ao resgate da liderança. A marca que já chegou a dominar mais de 50% do mercado automotivo brasileiro nos últimos tempos foi ultrapassada pela Fiat -- rainha dos populares -- e passou a ser ameaçada pela GM.



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