Economia

Santo de casa
ainda faz milagre

VERA GUAZZELLI - 05/06/2002

A dinâmica do crescimento de São José do Rio Preto segue ritmo bem mais lento em relação à corrida desenvolvimentista verificada no Interior nos últimos cinco anos. A cidade do Norte Paulista que também sonha em atrair investimentos privados, mas ainda não magnetizou o interesse de grandes corporações, fez opção pelo doméstico. Ao estimular o potencial do empreendedor que está no próprio quintal, criou uma economia auto-sustentável que melhora as taxas de inclusão social e livra o Município de ser dependente de poucas cadeias produtivas e da volatilidade do capital estrangeiro.    

São José do Rio Preto acredita que santo de casa faz milagre, sim. A cidade-sede da região que foi endereço de apenas 9,2% dos US$ 9,05 bilhões que desembarcaram em recursos privados no Interior de São Paulo, conforme o mais recente estudo da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados), aposta no poder agregador que as atividades pratas da casa representam para o Município. Também deposita ficha nos negócios menores e destinou 702 mil metros quadrados de terreno para a criação de 13 minidistritos industriais e de serviços destinados exclusivamente ao micro e pequeno empresário.  

O Município tem os olhos no futuro e, como outras cidades-região do Estado, trabalha para divulgar as potencialidades naturais entre os grandes investidores. Mas procura não deslumbrar-se com planos mirabolantes porque sabe que o momento é esse e a hora é agora. "É preciso ter os pés no chão e enxergar com clareza a necessidade de desenvolver a cidade com a criação de oportunidades para todos" -- enfatiza o prefeito Edinho Araújo, do PPS. 

São José do Rio Preto instituiu os minidistritos industriais com a lógica explícita da inclusão social, porque contempla o cidadão comum que encontra dificuldades no espremido e competitivo mercado de trabalho e tem no pequeno negócio familiar alternativa para a sobrevivência. São 801 pequenos negócios distribuídos por 702 mil metros quadrados de terrenos divididos em 13 loteamentos junto aos bairros periféricos.

A localização geográfica é proposital e foi configurada para acompanhar o crescimento demográfico da cidade, hoje com 360 mil moradores. Ao incentivar a criação de pequenas metalúrgicas, confecções, marcenarias, serralherias e até distribuidores de água mineral fora do eixo central, a Prefeitura incentiva o desenvolvimento de áreas candidatas em potencial à concentração de miséria. Ao se tornarem fornecedores de mão-de-obra para os empreendimentos locais, esses bairros passam a ocupar papel de coadjuvantes na dinâmica econômica do Município. 

"É um modelo que cria emprego, melhora a renda e eleva a auto-estima da população carente" -- acredita o secretário de Planejamento, Orlando Bolçone. A Prefeitura trabalha com a estimativa de que os empreendimentos dos minidistritos já reúnem potencial para gerar mais de oito mil empregos diretos. Isoladamente, o número nem é tão expressivo. Mas essas vagas ajudam a manter as taxas de desemprego de São José do Rio Preto estacionadas entre 6% e 8%. O índice é três vezes menor que a média registrada na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo. 


Mudança providencial -- O projeto de minidistritos foi criado em 1986, mas potencializado apenas nos últimos dois anos com alterações significativas que aceleraram a chegada de novos negócios. As áreas que inicialmente seriam destinadas apenas à indústria passaram a abrigar atividades de comércio e serviços.  A Prefeitura também modificou os critérios para aquisição dos terrenos. Os lotes -- com área máxima de 1,2 mil metros quadrados -- não podem mais ser adquiridos por meio de licitação. A prática favorecia a especulação imobiliária e desviava o objetivo principal do projeto porque negociantes arrematavam os terrenos para revender com lucro.  Agora, os interessados em empreender só conseguem um lote após submeterem o plano de negócios à avaliação de comissão formada pelo Sebrae, Centro Incubador de Empresas, Ciesp, Centro de Apoio ao Pequeno Empreendedor da Universidade do Norte Paulista e técnicos da Secretaria de Planejamento. 

A comissão analisa questionário que reúne informações gerenciais, comerciais e financeiras, além dos dados pessoais do futuro proprietário. Cada resposta dá direito a quantidade de pontos pré-especificada que possibilita elaborar a lista de classificação. Atualmente são 141 aprovados para 50 lotes disponíveis. Até agora, a Prefeitura conseguiu atender 70% da clientela potencial e diante da demanda reprimida já estuda a implantação do 14º minidistrito.   

O último estudo da Secretaria de Planejamento constata que 80% das atividades implantadas nos 13 minidistritos tornaram-se viáveis. O percentual animador é atribuído ao maior rigor na seleção e às orientações dos profissionais que formam a comissão julgadora. "A contribuição dos técnicos tem ajudado a evitar a mortalidade precoce das empresas" -- comenta o diretor regional do Ciesp, Pedro Rodrigues de Almeida. A mais recente pesquisa do Sebrae-SP aponta que 71% das micro e pequenas empresas encerram as atividades antes de completar cinco anos.  

Os empreendedores dos minidistritos de São José do Rio Preto só podem tornar-se proprietários dos lotes após dois anos. Durante o período de carência terão de construir a sede e viabilizar economicamente o negócio. O metro quadrado do lote está em torno de R$ 16 e pode ser quitado em até 50 parcelas. A Prefeitura comercializa as áreas com infra-estrutura e permite a edificação em dois pavimentos para que o segundo piso seja utilizado como moradia. Especialistas argumentam que a opção de livrar-se simultaneamente dos aluguéis residencial e comercial melhora o fluxo de caixa do micro ou pequeno empresário.  

O mapa das receitas municipais ainda não contabiliza números pontuais sobre o impacto desses pequenos negócios nos cofres públicos. A Prefeitura, no entanto, sabe que será difícil obter saltos significativos na arrecadação porque conhece as limitações de atividades nas quais a economia de escala e o valor agregado não são os principais componentes. "O que conta para nós é o ganho social, difícil de traduzir em números principalmente quando se tem como prioridade a qualidade de vida" -- argumenta o prefeito Edinho Araújo.  


Prata da casa -- Tanto o prefeito quanto os principais executivos municipais orgulham-se de exibir dois indicadores de que econômico e social andam de mãos dadas em São José do Rio Preto. Fosse diferente, a cidade teria bem mais que 0,5% dos 360 mil habitantes morando em favelas e não ostentaria IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,87, considerado alto pelos padrões da ONU (Organização das Nações Unidas). O organismo internacional leva em conta longevidade, renda e educação para aferir as condições de vida ao redor do mundo e pontuar de 0 a 1. Encontram-se no mesmo patamar a cidade de Florianópolis e os países da Noruega e Austrália.

O cuidado que São José do Rio Preto dispensa à economia 90% prata da casa pode ser entendido também como a capacidade de vencer deficiências natas.  A cidade é apontada pelo último estudo da Fundação Seade sobre os investimentos privados no Estado de São Paulo como pólo de baixa capacidade para atrair investimentos. Apenas 9,2% dos US$ 9,05 bilhões que desembarcaram em recursos privados no Interior em 2001 chegaram à cidade. Apesar dos US$ 84,94 milhões representarem acréscimo de 156% em relação aos valores investidos em 2000, significam pouco mais de 19% do total destinado a São José dos Campos no mesmo período. A principal cidade do Vale do Paraíba lidera o ranking de investimentos no Interior paulista. 

As autoridades locais enxergam a análise da Fundação Seade com olhar enviesado. Se forem comparados itens como qualidade de vida, centros universitários e de pesquisas e sistema viário, São José do Rio Preto certamente disputaria em condições de igualdade com as principais cidades-região do Estado. Mas os 440 quilômetros que separam o Município da Capital dificultam sua inclusão no eixo desenvolvimentista que consagrou também as regiões de Campinas e Sorocaba.  Campinas, São José dos Campos e Sorocaba são consideradas a Grande São Paulo expandida, o maior mercado consumidor da América da Latina, onde está concentrado 25% do PIB brasileiro. Essa proximidade é preponderante na escolha de local para implantação de empresas.

"As negociações para atrair grandes corporações geralmente são complicadas e demoradas. Não dá para depender de apenas uma matriz econômica ou de poucas grandes empresas. Por isso, estimulamos a diversificação e o capital local" -- conta o secretário de Planejamento, Orlando Bolçone. Para o executivo público, os empresários locais têm compromisso com a cidade e costumam pensar duas vezes antes de abandonar as origens rumo a outras paragens que acenam com benefícios fiscais, entre outras vantagens.

Orlando Bolçone também atribui o crescimento sustentável de São José do Rio Preto à diversificação da indústria. São mais de 40 ramos de atividades, além dos segmentos de confecções, móveis e jóias, considerados como pólos. Os três distritos industriais para empresas de médio e grande porte abrigam a Americanflex, de colchões, e a Facchini, de carroceria de caminhões. A cidade também é sede da Braile Médica, conceituada fabricante de válvulas para o coração. A Prefeitura não dá incentivos fiscais, mas procura manter áreas em estoque para negociar com interessados em implantar ou ampliar os negócios. 

Com população equivalente à Diadema, cidade do Grande ABC com apenas uma faculdade particular, São José do Rio Preto tem nove universidades e faculdades que contabilizam 264 cursos de graduação e 36 de pós-graduação. A rede de comércio e serviços atrai 1,2 milhão de habitantes de 96 municípios do entorno, principalmente nas áreas de serviços médicos e educação. Somente o hospital da Faculdade Regional de Medicina atendeu no ano passado mais de 263 mil pacientes de fora da cidade. O Aeroporto Estadual Professor Eribelto Manoel Reino registrou movimento de 300 mil passageiros em 2001. 


Receita equilibrada -- O equilíbrio financeiro de São José do Rio Preto confirma a força da atividade produtiva na economia das cidades. O ICMS representa 23,61% da composição da receita e apresentou crescimento nominal de 15,67% nos últimos 12 meses, contra 9,5% da inflação em 2001. O ISS, apesar de o Município ser considerado um pólo de serviços, contribui com apenas 6% da arrecadação. O orçamento de 2002 está estimado em R$ 252 milhões, com previsões de repetição do superávit de 6,39% registrado no ano passado. A dívida pública de R$ 30 milhões é considerada equacionada pela cidade, que aumentou a capacidade financeira para investir em obras de 5% para 10% do orçamento em 24 meses, segundo o prefeito Edinho Araújo. 

São José do Rio Preto também busca aumentar a arrecadação sem alterar a alíquota dos impostos porque criou espécie de fiscalização amigável de combate à informalidade. Uma das ações implantadas para recuperar receita trouxe 328 empresas para a legalidade em 12 meses. O número corresponde a apenas 10% do total de empreendimentos que a Prefeitura estima trabalharem na clandestinidade, mas representa o ponto de partida de ação que promete render dividendos aos cofres municipais já no próximo ano.  

Prefeitura e Unorp (Centro Universitário do Norte Paulista) são parceiras no Programa de Regularização de Empresas e Trabalhadores Autônomos desenvolvido pelo Núcleo de Estudo e Atendimento Empresarial da universidade. Antes de serem multados, os responsáveis pelas empresas irregulares são encaminhados ao Núcleo Empresarial, que os orienta sobre a oficialização dos negócios. Caso haja interesse, a universidade faz a abertura da firma gratuitamente e depois encaminha o empresário a um contador para a continuidade do serviço mensal.  

"Falta de informação e custo elevado para regularização da documentação inicial são as principais reclamações dos atendidos" --- revela o coordenador do Núcleo Empresarial, Ademar dos Reis Filho. A expectativa é manter o mesmo ritmo de atendimento porque, segundo o professor, o Município permaneceu oito anos sem fiscalização efetiva.  Nos três primeiros meses deste ano, outras 39 empresas já haviam sido regularizadas. "Esse projeto é contínuo. Não pretendemos baixar a guarda" -- avisa o prefeito Edinho Araújo. 


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