Economia

Competitividade
eis a única saída

ANDRE MARCEL DE LIMA e VERA GUAZZELLI - 05/06/2002

A desindustrialização que compromete a sustentabilidade socioeconômica do Grande ABC não é caracterizada apenas pelas empresas que deixam de existir por não suportar a competição internacional deflagrada pela globalização. Também compõem a face da desindustrialização empresas que, para continuar vivas, precisam se transferir do Grande ABC para regiões que proporcionem melhores condições de competitividade, seja na forma de custos menores ou de mais apoio de poderes públicos. É exatamente esse o caso das duas mais recentes baixas regionais: a Meto Brasil, especializada em sistemas de sinalização para o varejo, e a Ferro Enamel, multinacional norte-americana que fabrica esmaltes e corantes para os segmentos cerâmico, de tintas, plásticos, vidros e eletrodomésticos. 

Um dos Destaques do Ano do PDE 2002, a Meto Brasil deixa Diadema para concentrar atividades na gaúcha Caxias do Sul, onde o grupo Nautec -- proprietário da empresa -- tem outras três unidades. Sai da região batendo a porta contra o que chama de pouco comprometimento das prefeituras em relação aos pequenos negócios. O gerente comercial Felicindo Ramos refere-se, entre outros aspectos, ao custo da burocracia que dificulta a obtenção de funcionamento e renovação de alvarás de licença. Cética quanto às políticas públicas locais, a Meto Brasil não procurou a Prefeitura de Diadema para expor problemas e tentar algum benefício. Também nunca foi procurada. "É fácil fazer propostas tentadoras para que gigantes do mercado permaneçam na região. As prefeituras também deveriam criar programas de incentivo às médias e pequenas" -- enfatiza Felicindo Ramos. Nesse caso, a recente iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Diadema de estreitar o relacionamento com empresários locais por meio de visitas às indústrias perdeu para a agenda da sobrevivência.

A saída da Meto Brasil do Grande ABC foi antecipada no boletim eletrônico Capital Social de 6 de junho. A empresa também elenca como Custo ABC o relacionamento com os sindicatos. "Os sindicatos ainda não entenderam tudo o que ocorreu nos últimos 10 anos e que o modelo patrão-empregado mudou. Precisa haver compromisso dos dois lados. Uma empresa sufocada de obrigações e com resultados limitados não consegue sobreviver sem tentar mudanças mais radicais e nunca encontramos disposição para a flexibilidade quando precisamos" -- lamenta.

A Meto Brasil descobriu que a concentração vai otimizar os resultados financeiros das áreas administrativas e de pessoal, além de reduzir custos de aluguel e dos impostos municipais. Mesmo que a transferência para Caxias do Sul deixe a empresa longe do importante mercado da Grande São Paulo, os custos com logística não serão afetados, segundo as contas dos diretores. Os ganhos proporcionados com a concentração no Sul permitirão que os produtos continuem a ser distribuídos na Região Metropolitana sem cobrança de frete. A economia, no entanto, vai fazer diferença para os clientes situados no Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Esses Estados, que antes pagavam pela entrega, passarão a ficar isentos do frete. "Atuamos em mercado extremamente competitivo, no qual o fator preço ainda é decisivo no momento da escolha" -- enfatiza o gerente geral Felicindo Ramos. A empresa fabrica etiquetas e alarmes eletrônicos para mercadorias e ainda atua no ramo de sinalização interna de lojas de varejo.


IPTU 10 vezes menor -- A Ferro Enamel instalou-se em São Bernardo em 1969 e chegou a empregar mais de 700 funcionários durante a década de 80. Mas há poucos meses a produção foi totalmente transferida para a catarinense Criciúma e o galpão de 23 mil metros quadrados localizado na Avenida Senador Vergueiro, em Rudge Ramos, está praticamente vazio. Restam alguns funcionários administrativos que serão desligados ou transferidos para Americana, Interior de São Paulo, onde a Ferro Enamel tem unidade em parceria com o grupo alemão Degussa. 

O motivo que levou a empresa a deixar São Bernardo é claro para os diretores e acionistas: necessidade de reduzir custos para ganhar competitividade. "Com a abertura econômica, nossos principais concorrentes europeus se instalaram no Brasil, mais especificamente em Criciúma. Tivemos de fazer o mesmo movimento para competir em pé de igualdade" -- explica o gerente de contabilidade Luiz Marchetti, há 20 anos na Ferro Enamel de São Bernardo e de malas prontas para Americana. Como exemplo o executivo cita o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que em Criciúma custa 10 vezes menos que em São Bernardo para imóvel com dimensões semelhantes. Embora o custo da mão-de-obra seja mais elevado em São Bernardo, Luiz Marchetti ressalva que esse item não foi o principal motivo da mudança. "O impacto do IPTU é mais significativo" -- considera.

A disparidade dos custos foi reforçada por questões logísticas. A Ferro Enamel e os concorrentes procuraram ficar próximos de um dos maiores pólos cerâmicos do País, uma vez que esmaltes e corantes para o setor respondem por boa parte do faturamento. "No nosso caso é de 60%" -- afirma o gerente de contabilidade.

A transferência da Ferro Enamel foi realizada em gotas homeopáticas. O processo de desligamento dos funcionários e transporte dos equipamentos para Criciúma se estendeu por três anos de modo a amenizar o impacto do fechamento de uma das principais empresas do segmento químico do Grande ABC. "Era preciso ir devagar e com cuidado para que os trabalhadores pudessem acostumar-se com a nova realidade. Mais de 300 empregados da área de produção foram dispensados gradualmente até a conclusão do processo, em outubro do ano passado" -- explica Luiz Marchetti. Os ex-funcionários foram contemplados com pacote de benefícios que incluiu cesta básica e plano médico por 12 meses após o desligamento. 

Com experiência de quem trabalhou na unidade de São Bernardo por duas décadas, Luiz Marchetti não esconde a tristeza causada pela desativação enquanto caminha pelas instalações desertas e maltratadas pela ação do tempo. Sabe que a maior parte dos dispensados são pais de família que dificilmente encontram ocupação de mesmo nível nestes tempos de desemprego crônico e debandada de indústrias do Grande ABC para outras regiões paulistas e brasileiras. Luiz só recobra o humor e deixa de lamentar quando constata que a transferência para Criciúma era a única maneira de manter a empresa viva desde que a temperatura do mercado entrou em ebulição com a chegada dos concorrentes europeus. A negação do remédio amargo representado pela desativação seria ainda pior. "É uma questão de sobrevivência" -- resigna-se. 

A desativação da Ferro Enamel em São Bernardo está contextualizada em estratégia mais abrangente de centralização fabril. Luiz Marchetti afirma que a empresa chegou a operar com cinco unidades produtivas no País: na baiana Salvador, em Cosmópolis, na região de Campinas, Criciúma, São Bernardo e Mauá. Com o acirramento da competição nos últimos anos, tudo foi centralizado em Santa Catarina. O galpão de 23 mil metros quadrados em terreno de 50 mil foi colocado à venda. O grande desafio do proprietário, que pede R$ 10 milhões pelo imóvel, é convencer eventuais interessados a arcar com o IPTU que pesou a favor de Santa Catarina nos critérios da Ferro Enamel.

Já a mudança da Meto Brasil aconteceu um pouco mais rápido. Após passar por total reestruturação nos últimos três anos, a empresa vai estar completamente fora do Grande ABC até início do segundo semestre e apenas alguns dos 60 funcionários serão transferidos. Até 1999, a empresa era a multinacional sueca Esselte Meto que, após 20 anos de fabricação de etiquetas tradicionais, resolveu encerrar atividades em terras brasileiras. À época a matriz sueca considerou inviáveis os investimentos para produzir etiquetas de automação e resolveu retirar-se de cena. A gaúcha Nautec adquiriu o parque fabril de Diadema e obteve licença da Esselte sueca para continuar utilizando a marca.

A fuga da Ferro Enamel e da Meto Brasil ocorre poucos dias após o anúncio da saída de outro ícone regional: a Gráfica Bandeirantes. A informação também foi dada em primeira mão pelo Capital Social.  A Bandeirantes vai desativar as unidades de São Bernardo e Campinas para concentrar atividades em Guarulhos. Dos 71 municípios sugeridos pela consultoria contratada pela Bandeirantes para definir a melhor localização da empresa, não havia nenhuma cidade do Grande ABC (leia a seção Entrevista). LivreMercado relatou em recente Reportagem de Capa sobre evasão industrial, com base em dados de importantes imobiliárias que negociam galpões e áreas industriais, que pelo menos 40 empresas estão vendendo os imóveis para seguir viagem rumo a outras terras. 


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