O Seminário Internacional Cidades Produtivas e Inclusivas, realizado em 10 e 11 de junho em Santo André, trouxe enxurrada de informações para um Grande ABC ávido por alternativas que amenizem os males socioeconômicos da desindustrialização. Foram 14 horas de apresentações e debates sobre regionalidade, desenvolvimento econômico sustentável, o papel das cidades e dos atores locais no panorama da globalização, além dos desafios demográficos, econômicos e produtivos enfrentados pelas principais regiões do Terceiro Mundo.
O Teatro Municipal de Santo André virou uma verdadeira torre de Babel, já que além de participantes brasileiros o evento trouxe especialistas estrangeiros como o norte-americano Richard Hollingsworth, presidente da Gateway Cities Partnership, o italiano Luigi Vimercati, presidente da Agência de Desenvolvimento Regional do Norte de Milão, e o espanhol Manuel Rodriguez Miralles, secretário de Promoção Econômica da cidade de Badalona, na Região Metropolitana de Barcelona. E não poderia ser diferente, já que o evento foi organizado pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC em parceria com organismos internacionais como Cities Alliance (Aliança de Cidades), Habitat e Programa de Gestão Urbana da ONU (Organização das Nações Unidas).
Um dos cases regionais mais inspiradores para lideranças do Grande ABC foi apresentado pelo representante da Agência de Desenvolvimento do Norte de Milão. A região italiana formada pelos municípios de Sesto San Giovani, Bresso, Cinisello Balsamo e Cologno Monzese atravessou grave refluxo econômico por conta do fechamento de grandes indústrias do setor mecânico e siderúrgico como Falck, Marelli e Breda. "A profunda crise industrial que comprometeu setores produtivos tradicionais atingiu em cheio o norte de Millão. Milhares de postos de trabalho foram extintos e sobraram três milhões de metros quadrados industriais desativados" -- comentou Luigi Vimercati, presidente da Agenzia Sviluppo Nordmilano, sociedade mista cujos mantenedores são os quatro municípios envolvidos, a Província de Milão, equivalente ao Estado brasileiro, além de empresas.
A agência italiana foi criada em 1996 para estimular novas matrizes econômicas que compensassem as perdas geradas pelo declínio das indústrias tradicionais. Com suporte financeiro da União Européia, a agência estruturou um Centro de Inovação em Negócios voltado a duas vertentes de desenvolvimento econômico sustentável: estímulo à criação de incubadoras de base tecnológica e suporte a empresas de pequeno e médio portes. Galpões desocupados por grandes empresas dos setores mecânico e siderúrgico foram transformados em incubadoras e em condomínios industriais para acolher centenas de micro e pequenas empresas formadas a partir da mão-de-obra desempregada nas grandes indústrias e reciclada por programas concebidos pela agência de desenvolvimento. Pequenas e médias empresas são tão valorizadas pela cultura italiana quanto o Renascimento, o design mobiliário e automotivo e a alta costura. "Fomentamos o surgimento de incubadoras em áreas novas como a de produtos multimídia ao mesmo tempo em que investimos na reindustrialização com empresas de pequeno porte" -- aponta Luigi Vimercati.
Embora a realidade do norte de Milão seja completamente diferente da do Grande ABC, já que a região italiana contou com suporte financeiro da União Européia e a brasileira não consegue apoio do governo estadual e muito menos da União, aos italianos cabe o mérito da coragem para encarar problemas, sem escamoteações. A apresentação do saldo negativo de três milhões de metros quadrados desocupados durante a crise industrial corresponde a uma lição de transparência para os poucos conservadores do Grande ABC que insistem em varrer a desindustrialização escancarada para debaixo do tapete da omissão.
Além de constatar verdades que triunfalistas do Grande ABC negam, os italianos centralizaram a reconversão econômica na reindustrialização em bases mais modernas, e não na substituição pelo binômio comércio/prestação de serviços. "Na Itália existem leis que impedem o desequilíbrio do mercado através da concentração de grandes redes comerciais. Em toda região do norte de Milão temos apenas dois supermercados" -- respondeu Luigi Vimercati, quando perguntado se lideranças da região milanesa buscaram compensação econômica através do incremento do setor comercial.
Sem guerra fiscal -- Outra diferença realçada por Luigi Vimercati é que na Itália as prefeituras e as províncias não podem desequilibrar o jogo da atratividade empresarial com vultosos benefícios tributários como se faz no Brasil em meio ao tiroteio da guerra fiscal. Como consequência dessa diferença, os argumentos utilizados para atrair empresas na Itália são relacionados a vantagens competitivas de longo prazo como localização, infra-estrutura urbana e oferta de mão-de-obra qualificada. Não existem vantagens comparativas circunstanciais lastreadas em isenção ou redução de impostos. Um dos sinais mais visíveis da reconstrução do norte de Milão está no índice de desemprego inferior a 5% -- quatro vezes menor que o do Grande ABC e Região Metropolitana de São Paulo.
Além de bons exemplos como o do norte de Milão, de Cuenca no Equador e de Colombo no Sri Lanka -- os dois últimos com suporte da Aliança de Cidades e do Banco Mundial --, o seminário internacional promovido pela Agência de Desenvolvimento do Grande ABC também emitiu sinais de alerta ao abordar a precariedade socioeconômica em grandes cidades da América Latina e da Ásia.
A apresentação do arquiteto e planejador urbano Cláudio Acioly desvendou uma face menos conhecida do Egito. O diretor do Instituto de Desenvolvimento Urbano e Habitação da Holanda mostrou que de 60% a 80% da população do Cairo vive de forma irregular, em áreas invadidas e sem recolher impostos. "A população se concentra desordenadamente nas proximidades do Rio Nilo, comprometendo as principais regiões de terras férteis do País" -- ilustra Cláudio Acyoli.
O diretor do instituto holandês nota similaridade entre a Capital egípcia e a periferia dos grandes centros urbanos brasileiros: o vácuo do governo oficial é preenchido pelo Estado paralelo. "A diferença é que enquanto nos morros do Rio de Janeiro e de São Paulo o comando foi confiscado pelos traficantes, no Egito o controle fica a cargo de ordens religiosas islâmicas" -- compara.
Uma das melhores apresentações conceituais foi a do norte-americano Marc Weiss, que foi assessor do ex-presidente Bill Clinton. Weiss enfatizou a necessidade de serem adotadas políticas metropolitanas com base na constatação de que é nas metrópoles que os contrastes financeiros entre abastados e despossuídos produzem os piores efeitos colaterais. Uma abordagem que cai como luva para o caldeirão chamado Grande São Paulo.
Três tipos de apresentações marcaram o encontro: institucionais, municipais e regionais, e referentes a Explanações de natureza conceitual, voltadas a idéias sobre temas mais abrangentes como regionalidade e interação entre micro e macroeconomia. A ala institucional foi caracterizada pelos participantes que apresentaram os organismos nos quais atuam. Casos de Peter Palesh, representante da Citties Aliance e do Banco Mundial, do indiano Dinesh Mehta, representante do Programa de Gestão Urbana e do Habitat da ONU, de Geraldo Martinez-Freyssinier do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), e Marcela Petrantonio, representante da Rede Mercocidades, que apoiou o seminário junto com organismos como Metrópolis, Câmara do Grande ABC e Consórcio Intermunicipal.
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