Economia

Mais fantasias em
forma de estudos

DANIEL LIMA - 05/06/2002

A mesma Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC que é capaz de realizar seminário internacional de Primeiro Mundo anunciou, às vésperas do encontro, documento que ofende a comunidade regional. Requentado e pasteurizado, a Passe/ABC, preparada por João Batista Pamplona, coordenador de pesquisas da Agência, e Paulo Luiz Miadaira, coordenador-técnico de Pesquisas do Centro Universitário de São Caetano, é um deboche da realidade regional. Denominado Análise dos Resultados da Pesquisa da Atividade do Setor de Serviços Empresariais do Grande ABC, o documento é mais um relatório do que um estudo. Mesmo assim, comete muitos pecados capitais.

Triunfalista e ufanista, a Passe/ABC simplesmente ignora os graves problemas econômicos e sociais que o Grande ABC vive agudamente a partir da abertura econômica. O trabalho apresentado já impresso por João Pamplona aos diretores da Agência foi entregue à Imprensa no dia seguinte. Agora, irá à audiência pública neste 24 de junho na sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção de Santo André. Um processo inverso da lógica, porque o relato só poderia ser produzido depois de passar pela socialização das informações, conforme prometeu recentemente o prefeito João Avamileno, diretor-geral da entidade. 

A Passe/ABC entra para a historiografia regional como um chute nos fundilhos do bom senso e da realidade. Com 42 páginas escritas e outro tanto de gráficos, o trabalho não menciona uma única vez os dois verbetes mais pronunciados por qualquer habitante do Grande ABC: desemprego e evasão industrial. Isso mesmo: a Passe/ABC atira na lata do lixo da desconsideração qualquer menção à debandada industrial da região, mais pronunciadamente a partir de 1990, e sua mais preocupante consequência, o desemprego estrutural e epidêmico. Outra palavra comum no léxico regional -- criminalidade -- não é citada uma única vez na abordagem de João Pamplona. Exceto como transcrição de observações dos empreendedores que responderam à pesquisa.  

Grande parte do documento já havia sido lançada pela Agência, mas o estatístico reorganizou tecnicamente os estudos com informações seletivamente preparadas para justificar o tom falsamente desenvolvimentista. A Passe/ABC é uma parceria entre quatro instituições: Imes de São Caetano, ao qual couberam o planejamento e a execução da pesquisa, Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), que deu apoio técnico na fase de planejamento, Aliança de Cidades (Banco Mundial, UN-Habitat, Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos) e PGU (Programa de Gestão Urbana da ONU), ao qual coube o apoio financeiro. A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC coordenou e analisou os resultados. Exatamente o nó górdio da atividade. Para ter validade sincronizada com a situação socioeconômica da região, a Passe/ABC precisa ser reescrita por quem não tem compromisso com fantasias. 

Cenarista da ilusão de que o Grande ABC não passou por evasão industrial ao longo dos anos, João Batista Pamplona encerra o texto do relatório recheado de imprecisões, mistificações e tergiversações com uma pérola de enunciado que só faz bem a quem não tem compromisso regional: "Pelo exposto acima, cabe dizer que o setor de serviços empresariais no Grande ABC Paulista não se expandiu em razão do enfraquecimento do pólo industrial, mas, ao contrário, cresceu ligado a ele". 

O prefeito Celso Daniel ainda vivia quando a primeira versão da Passe/ABC foi anunciada pelo mesmo pesquisador. A frustração por enxergar a essência do trabalho -- a fragilidade tecnológica da atividade -- levou o então comandante do Paço de Santo André a sonhar com um terciário de valor agregado, numa histórica entrevista a LivreMercado. Celso Daniel deve estar se revolvendo no túmulo, por mais regionalista que fosse. 


Debate cancelado -- O debate público programado para 18 deste mês na Câmara de Santo André para esmiuçar o quadro econômico da região acabou cancelado. Por determinação do comando da Agência de Desenvolvimento Econômico, o pesquisador João Batista Pamplona foi recomendado a não insistir na tese de que a região não viveu nem vive evasão industrial. O prefeito João Avamileno, diretor-geral da Agência e ex-sindicalista explicitamente alinhado com a realidade das perdas industriais, determinou ao coordenador de pesquisas da instituição que não expusesse a entidade a novos arranhões de credibilidade. 

A proposta do debate público partiu do vereador Carlos Ferreira, foi aprovada pelo Legislativo e desaconselhada pelo prefeito depois da repercussão da Passe/ABC. Para o presidente do Legislativo de Santo André, Carlinhos Augusto, uma nova programação está prevista para agosto, sem a participação de Pamplona. O Legislativo pretende reunir especialistas em economia do Grande ABC para a busca de alternativas ao esvaziamento industrial e ao desemprego. A recomendação estratégica de conselheiros mais próximos do prefeito João Avamileno vai na direção de neutralizar o efeito desarticulador que as interpretações triunfalistas do pesquisador da Agência provocam. Aposta-se, na verdade, em objetivos prospectivos, de acordo com as características socioeconômicas de uma região potencialmente tão rica quanto problemática. 


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