Economia

Antídoto contra a
evasão industrial?

DANIEL LIMA - 05/08/2002

O deputado estadual Donisete Braga conseguiu encaixar importante mudança na legislação industrial paulista. Participante ativo de reuniões do grupo setorial da Câmara Regional que discute o Pólo Petroquímico de Capuava, fonte de riqueza tributária de Santo André e Mauá, o petista viu sancionada no final do mês passado a lei que permite a ampliação da Petroquímica União, empresa nuclear de toda a cadeia de primeira, segunda e terceira gerações do setor de plásticos na região. Antes de Donisete Braga, quem mais lutou pelo fortalecimento da cadeia produtiva do setor a partir da PQU foi o então prefeito Celso Daniel, assassinado em janeiro último. 

A expansão do Pólo Petroquímico de Capuava é novelesca. Há mais de quatro anos, em março de 1998, comitiva de 10 representantes da Câmara Regional do Grande ABC visitou o então presidente da Petrobras, Joel Mendes Rennó, que se comprometeu a agilizar uma comissão técnica para estudar e viabilizar o fornecimento anual de 170 mil toneladas de eteno e de gás etano. Uma carta entregue pela comitiva e assinada por todos os prefeitos, deputados federais e estaduais da região enfatizava que a ampliação da produção da PQU geraria três mil empregos diretos e 10 mil indiretos. Celso Daniel morreu sem ver o Pólo de Capuava liberado legalmente para crescer. 

É exagerar na dose imaginar que a lei sancionada pelo governador Geraldo Alckmin vai salvar a lavoura da desindustrialização da Região Metropolitana de São Paulo. Os obstáculos não se resumem à legislação de uso e ocupação do solo até então rigorosa demais. Fatores como custo da mão-de-obra, trânsito caótico, criminalidade ascendente, custos tributários e locacionais, tudo isso faz parte do coquetel de dificuldades. Entretanto, a iniciativa do deputado interfere de forma positiva na possibilidade de investimentos de ampliação e também de atração estratégica de produtores de insumos que contam prevalecentemente com a influência da proximidade do maior mercado consumidor do País. 

Sem a quebra da rigidez da lei 1.817/78, que restringia a ampliação e a criação de novas indústrias na Grande São Paulo, o Pólo Petroquímico de Capuava continuaria indefinidamente atravancado, menos competitivo e menos rentável. Com 18% de participação nacional no setor petroquímico, o Grande ABC há muitos anos perde a disputa para o pólo baiano da Copene e do gaúcho da Copesul. Chega-se ao ponto, como mostrou LivreMercado em recente Reportagem de Capa, de que apenas 30% da matéria-prima utilizada pelas empresas de terceira geração instaladas no Grande ABC têm origem no Pólo de Capuava. 

Para se ter idéia mais precisa do tamanho do buraco da desindustrialização metropolitana que o deputado Donisete Braga tenta minimizar, são elucidativos os dados oficiais da Secretaria da Fazenda do Estado compilados pela ASPR, empresa de auditoria e consultoria de Santo André. Em 1994, quando do lançamento do Plano Real que até hoje mantém a moeda razoavelmente estável, os 39 municípios da Grande São Paulo somavam 58,95% do valor de transformação industrial do Estado de São Paulo, o chamado Valor Adicionado. Seis anos depois, em dezembro de 2000, o total chegava a 44,55%. Um tombo de 25%, beneficiando o Interior paulista. 

Donisete Braga está há menos de dois anos na Assembléia Legislativa, depois de deixar a suplência petista. Cauteloso, prefere não se expor sobre a participação de outros deputados do Grande ABC na tarefa de sensibilizar o governo do Estado. Certo mesmo é que a iniciativa de Donisete Braga quebrou uma rotina dos legisladores estaduais de se preocuparem exageradamente com o varejo, isto é, com leis que pouco contribuem para mudanças socioeconômicas substantivas. 

A tentativa de incorporar a mudança da lei a uma ação de suposta Bancada do ABC não tem sustentação prática, embora Donisete Braga prefira o silêncio. Certo mesmo é que é de sua autoria o projeto de lei e os demais deputados -- menos o também petista Wagner Lino, contrário à aprovação por motivos de suposta deterioração ambiental -- foram simplesmente a reboque da empreitada para que se desse à iniciativa característica de ação regional. 

Se o abrandamento da legislação vai beneficiar outros municípios da Grande São Paulo ainda não passa de especulação. No caso específico do Grande ABC, reúne todos os ingredientes de sucesso. Nem poderia ser diferente, porque foram os representantes das empresas do Pólo Petroquímico de Capuava no grupo de trabalho da atividade na Câmara Regional que abasteceram o deputado petista de informações. 

Por menor que seja a influência que o pólo petroquímico eventualmente tenha no universo de geração de empregos na região, como os opositores da mudança legislativa sugerem e as características da atividade confirmam, os anunciados investimentos serão muito bem-vindos para os cofres públicos. O setor químico-petroquímico é seletivo em mão-de-obra, mas farto em geração de Valor Adicionado, que se traduz em carga maior de impostos para os municípios diretamente envolvidos. 

Exemplo emblemático de que ter um pólo petroquímico ajuda muito na hora de os prefeitos fazerem cálculos orçamentários é Paulínia, município da Região Metropolitana de Campinas e terceiro maior gerador de Valor Adicionado do Estado. Sede da Replan e de empresas do setor químico, Paulínia só perde no ranking de geração de riqueza industrial para São José dos Campos de economia bem mais diversificada e para a Capital do Estado, a cosmopolita São Paulo. Com apenas 51 mil habitantes, Paulínia é de longe líder de receitas industriais per capita no Estado. 

O Pólo Petroquímico de Capuava chegou a ter 4,8 mil trabalhadores no início dos anos 90 e que agora não passam de 2,8 mil, segundo cálculos do Sindicato dos Químicos. Mas o volume de receitas fiscais gerado pelas atividades diretamente relacionadas ao setor químico-petroquímico justifica a comemoração da mudança da lei. No conjunto, o setor responde por 25% do ICMS do Grande ABC, enquanto a indústria metal-mecânica participa com 33%. Em Mauá, o setor participa com 66% do ICMS, enquanto em Santo André o pólo representa 36%. 


Interesses entrelaçados -- O núcleo de toda a transformação no Pólo Petroquímico de Capuava, beneficiado diretamente com a mudança da lei, é a Petroquímica União. O projeto de expansão da PQU significa aumentar a produção anual de eteno em 150 mil toneladas, das atuais 500 mil para 650 mil. Em fase de engenharia básica, o projeto não é consensual, mas uma reunião do Conselho de Administração da central de matérias-primas deverá sacramentar a decisão de investir US$ 100 milhões. 

A pedra que estaria no meio do caminho da PQU é a composição acionária entrelaçada de interesses nem sempre convergentes. Além da Unipar e da Dow Chemical, participam do bloco de controle da PQU a Polibral (do Grupo Suzano e da multinacional Bassell), a Oxiteno (do Grupo Ultra) e a CBE (do Grupo Unigel). Embora se afirme que o projeto de expansão sairá do papel, a americana Dow seria contrária porque a ampliação da oferta de eteno deverá aumentar a produção de polietilenos no País, fortalecendo um concorrente, a Polietilenos União, da Unipar. 

Como a direção executiva da PQU trabalha há muitos anos com a possibilidade de expansão, o que se discute com a Petrobras são as condições de volume e preço do gás de refinaria que a empresa sediada na região utilizará como matéria-prima na produção de cerca de 200 milhões de toneladas adicionais de eteno por ano. 

Segundo Roberto Garcia, presidente da Unipar, principal acionista da PQU, em relato à Gazeta Mercantil, a maior parte do gás que abastecerá a central será trazida da Revap, refinaria de São José dos Campos. Também a Recap (Refinaria de Capuava), sediada em Mauá e nos limites da PQU, fornecerá matéria-prima. A Revap e a Recap já estão integradas por duto. A PQU deverá comprar cerca de 450 mil toneladas de gás da Petrobras por ano. 

Como explicou na Reportagem de Capa de LivreMercado de junho, o presidente do Sindicato dos Químicos, Sérgio Novais, está preocupado com a estabilização do emprego num primeiro momento e a recuperação de parte dos postos de trabalho, em seguida. O enfraquecimento das empresas de terceira geração -- as transformadoras de plásticos -- na última década repercutiu no chão de fábrica e também nas áreas administrativas com a destruição de 15 mil empregos. Nesse ponto, o aumento da capacidade de produção da PQU e das empresas de segunda geração vai alimentar os sonhos de crescimento na ponta de produção, que tem Mauá e Diadema como principais unidades de transformação no Grande ABC. 


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