Economia

Gerdau chega e
disfarça evasão

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/08/2002

Com o anúncio da instalação da Comercial Gerdau em São Caetano emerge uma indagação que deveria ter sido feita bem antes: afinal, o que era e o que fabricava a Confab, que em abril do ano passado deixou o endereço que a distribuidora de aço vai agora ocupar? A questão aparentemente ultrapassada é fundamental para o reconhecimento da verdadeira situação socioeconômica de São Caetano e do Grande ABC, na medida em que a substituição da Confab pela Comercial Gerdau é sintomática das transformações que acometem a região.

A Confab era uma das indústrias mais antigas e tradicionais do Grande ABC, fundada mais de uma década antes da chegada das primeiras montadoras na região. Enquadrada na categoria de indústria de base, transformava chapas de aço em gasodutos e oleodutos que ajudaram a sedimentar a infra-estrutura do setor petroquímico brasileiro. 

"A Confab empregou mais de 700 trabalhadores até fins dos anos 80, antes da abertura econômica. Eram 250 funcionários quando encerrou as atividades, há pouco mais de um ano" -- recorda Aparecido Cidão Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano. 

Cidão está envolvido em negociações para impedir o fechamento de uma outra Confab dos anos 80 em São Caetano, como pode ser considerado, na prática, o anunciado desligamento de 800 trabalhadores da General Motors. Se a intenção da montadora se concretizar, a base do sindicato encolherá ainda mais: o quadro atual de 12 mil filiados, dos quais 7,5 mil só na GM, representa quase metade dos 23 mil no início dos anos 80. "Enxugamento da montadora e fechamento ou evasão de empresas como Aços Villares, ZF e Brasinca explicam essa redução" -- comenta Cidão.

A Confab centralizou a produção nas unidades de Pindamonhangaba e Moreira César, no Vale do Paraíba, reproduzindo o comportamento da autopeça ZF, que se transferiu para Sorocaba, da Aços Villares, que também migrou para o Interior, além da gigante General Motors, cuja planta mais nova e moderna foi erguida em Gravataí, no Rio Grande do Sul. Situações recorrentes de transferência de indústrias para o Interior e até outros Estados desenham a indisfarçável realidade de que não só São Caetano, mas o Grande ABC e boa parte da Região Metropolitana há muito deixaram de ser atrativos para a indústria de transformação. Principalmente em se tratando do setor metalmecânico que, ao lado dos petroquímicos, configurou a principal plataforma de desenvolvimento regional durante décadas de substituição de importações. 

Infelizmente para os que brigam pela recuperação socioeconômica do Grande ABC, a presença de ramificação da Gerdau, maior grupo siderúrgico do País, não sinaliza reversão do processo de desindustrialização. A chegada da Gerdau em nada ameniza o quadro histórico de deserções industriais porque o valor agregado e o número de empregos gerado pela atividade de caráter comercial -- como o próprio nome explicita -- estão longe de compensar as lacunas deixadas pela indústria. A Comercial Gerdau empregará 80 trabalhadores para cortar e distribuir chapas de aço que virão por trem de várias usinas, além de receber sucata que será transformada em aço na siderúrgica de Araçariguama, na região de Sorocaba, prevista para entrar em operação em 2004. O volume de empregos que será gerado em São Caetano decepcionou o sindicalista Cidão. "Pensei que fossem pelo menos 800, com base nas atividades que o espaço já acolheu" -- reagiu, referindo-se ao galpão de 25 mil metros quadrados em 68 mil metros quadrados de terreno. Para efeito comparativo, as duas unidades que a Confab mantém no Vale do Paraíba somam mais de dois mil funcionários.

A visão do sindicalista contrasta com a interpretação triunfalista de Fausto Cestari, vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de São Caetano. "O espaço vazio deixado pela Confab será agora preenchido por uma atividade tão nobre quanto a anterior, uma vez que a Gerdau identificou na região uma possibilidade logística importante, a de estar próxima de seu mercado consumidor" -- afirmou o representante do Ciesp/Fiesp.

Em vez de ser comemorada, a transformação de galpões industriais em armazéns de distribuição de produtos deveria ser vista como sinal de alerta por lideranças públicas do Grande ABC. Significa que a região ainda depende de características involuntárias para atrair atividades que geram poucos empregos e valor agregado -- caso da posição geográfica -- em vez de lutar pela criação e consolidação de vantagens competitivas que transformem o território de 840 quilômetros quadrados em muito mais que entreposto de produtos fabricados bem longe daqui. 


Pan em xeque -- São Caetano tem outro motivo para se preocupar além das dificuldades de atrair indústrias para compensar as perdas das que se foram: a Chocolates Pan entrou com pedido de concordata preventiva a fim de ganhar fôlego para saldar dívidas bancárias. Fundada em 1935, a Pan é orgulho brasileiro -- e não apenas de sãocaetanenses -- na condição de última grande indústria de chocolates com capital 100% nacional. Paradoxalmente, é provável que resida nesse fato a origem de muitas das agruras financeiras que levaram a empresa a jogar a toalha no ringue judicial. O setor é alvo de intensa onda de fusões e aquisições protagonizadas por competidores internacionais. O lance mais recente foi a compra da Garoto pela suíça Nestlé. 

Comprometida por problemas que vão da falta de escala para competir com gigantes transnacionais ao encarecimento do cacau importado especialmente a partir da desvalorização cambial em janeiro de 1999, a Pan admite a possibilidade de vender parte do capital para sair do sufoco.  Contatos com interessados estão a cargo do banco Merrill Lynch.

O futuro esquadrinhado com a formalização da concordata é desfavorável para São Caetano, independentemente do antídoto que a empresa adote para se reorganizar financeiramente. Se insistir em carreira solo ou buscar fôlego adicional em sócio minoritário interessado em dividendos da esperada recuperação, é provável que terá de se reinventar com corte de despesas e adoção de novas tecnologias, o que levará à redução do quadro de 500 funcionários. Se em vez disso a Pan for adquirida por grande concorrente estrangeiro, cenário mais provável com base no retrospecto do setor, a situação pode ficar ainda mais complicada. Afinal, é pouco provável que a Nestlé deixe de centralizar a produção da marca nas fábricas modernas que mantém no Interior paulista. 


Menos gráfica -- Em São Bernardo, é o segmento gráfico que está na berlinda. Depois do anúncio da transferência da Bandeirantes para Guarulhos, o Município que mais sofre com a retração automobilística testemunhou o desaparecimento de outro ícone regional do setor: a Probus, sinônimo de cartões de eventos e papéis para presentes, instalada há décadas em Rudge Ramos. 

Diferentemente da Gráfica Bandeirantes, cujo comandante Mário César de Camargo decidiu centralizar a produção em Guarulhos como estratégia de sinergia para otimizar processos e ganhos de competitividade, a Probus naufragou na avalanche de problemas. "A Probus sofreu com o surgimento de concorrentes nos últimos anos, com o fim da correção monetária decretado pelo Real e, principalmente, com o desentendimento entre sócios que, envolvidos em conflitos, descuidaram da competitividade da empresa" -- resume Isaias Karrara Souza Silva, presidente do Sindicato dos Gráficos do Grande ABC.

Karrara recorda que o primeiro sinal de turbulência financeira deu-se em 1998, quando a empresa resolveu reduzir salários em 25% sem consulta prévia ao sindicato. Com o agravamento da situação, a Probus negociou desligamento de 80 dos então 260 funcionários em meados de 2001. O descumprimento do acordo de pagamento de rescisões complicou ainda mais o quadro. "Os bancos cortaram o crédito e começaram a faltar recursos para custear matérias-primas" -- conta o sindicalista. Em março último a empresa demitiu mais 60 funcionários sem negociar quitação de direitos trabalhistas. Desde junho os restantes 120 estão sem trabalho e sem salários. 

"A diretoria deu espécie de férias em 11 de junho e não voltou mais" -- conta Karrara, cujo sindicato já acionou a Justiça. Ele calcula em R$ 2,5 milhões as dívidas relacionadas ao não pagamento de salários e rescisões contratuais. "A Probus não recolhe Fundo de Garantia há seis anos" -- comenta. Ao desgosto do dirigente sindical se sobrepõe a decepção de não ter conseguido evitar o fechamento de uma corporação que, além de conhecida em todo o País, cultivava fama de pagar bons contracheques antes das dificuldades, quando chegou a ter 430 funcionários.       


Reflexo entre executivo -- O Grande ABC também perde terreno como eldorado profissional. Aparece de forma modesta em inédito ranking sobre melhores cidades brasileiras para seguir carreira executiva, preparado por Moisés Balassiano, professor da Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.  

Nenhum dos municípios da região que foi berço da indústria automobilística e petroquímica e que ainda reúne grande concentração de multinacionais ficou entre os 25 primeiros colocados destacados em reportagem de capa produzida pela Você s.a., da Editora Abril: à campeã São Paulo se seguiram Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Goiânia, Niterói, Brasília e Vitória. 

Quatro municípios do Grande ABC aparecem quando a listagem contempla 100 cidades: São Caetano ocupa a 26ª colocação, São Bernardo a 34ª, Diadema aparece em 77ª e Mauá em 93ª. Santo André, que ocupa a nona colocação no ranking paulista de geração de riquezas, de acordo com dados do Valor Adicionado de 2000, não aparece sequer entre as 100 melhores cidades para se fazer carreira. Cidades satélites de regiões importantes do Interior Paulista tiveram melhor classificação que o conjunto de municípios do Grande ABC: Campinas ficou em 12º lugar, Sorocaba em 21º, Ribeirão Preto em 22º e São José dos Campos em 28º, duas posições atrás de São Caetano e seis à frente de São Bernardo. 

A primeira etapa para definir as 100 melhores cidades brasileiras para a carreira executiva consistiu na listagem dos municípios com população superior a 170 mil habitantes e total de depósitos à vista acima de R$ 210 mil. Esses requisitos restringiram para cerca de 250 os pré-classificados no universo de 5,5 mil municípios brasileiros, já que correspondem a apenas 5% do total. O ranking das 100 cidades foi estruturado de acordo com análise de 20 itens agrupados em cinco áreas: estrutura educacional para reciclagem e aprimoramento de executivos, estrutura de saúde, geração de impostos, dinamismo econômico e fator impulsionador de carreira, que leva em conta dados relativos à renda e à população ocupada. Educação e saúde são provavelmente as variáveis que explicam a colocação de São Caetano, bem mais favorável do que a deterioração industrial sugere.  

A Capital paulista foi considerada a melhor cidade brasileira para fazer carreira porque reúne a maior fatia da renda e das oportunidades profissionais. Apesar do trânsito caótico, dos altos índices de violência, dos fortes contrastes sociais, do desemprego alarmante e das mais de 600 favelas, a cidade de 10,4 milhões de habitantes detém um quinto da massa nacional de salários e um quarto dos depósitos bancários à vista do País. Reúne também 102 instituições de Ensino Superior e concentração de serviços mais sofisticados que, embora não compensem as perdas industriais, ajudam a contrabalancear situação que de outro modo seria ainda mais dramática.

O Rio de Janeiro alcançou o segundo lugar graças às oportunidades geradas em turismo, indústria petrolífera e tecnologia, mas também porque a relação de candidatos por vaga é menor do que em São Paulo. Belo Horizonte destacou-se em terceiro lugar com vocações para mineração e biotecnologia. Porto Alegre ficou em quarto pelos padrões de consumo, educação e qualidade de vida, e Curitiba figurou em quinto lugar com performance invejável no quesito empregos formais: o crescimento entre 1994 e 2000 foi superior no Paraná como um todo em relação à média brasileira, principalmente pela industrialização capitaneada pelo setor automotivo, cada vez mais pulverizado.

Recife, Goiânia, Niterói -- a única entre as 10 que não é Capital de Estado, puxada principalmente pela indústria petrolífera --, Brasília e Vitória completam a lista vip de oportunidades profissionais qualificadas.


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