Sem shopping center, o ícone da vida metropolitana, Diadema vai em busca do comércio ideal para a cidade pressionada entre vizinhos mais potentes como São Paulo e São Bernardo. A primeira iniciativa combina intervenções para revitalização urbana e o debate entre Poder Público e empresários para saber qual a melhor forma de comprar e vender no Município. Ruas e praças estão sendo remodeladas e mesmo o sempre presente comércio ambulante começa a ser disciplinado. Com muitos planos na cabeça, pode-se dizer que o prefeito José de Filippi Júnior já obteve uma primeira vitória ao unir diferentes setores sociais para pensar como será o comércio de Diadema nos próximos anos.
Cada um entra com uma parte. A Prefeitura começa a intervenção física para melhorar áreas degradadas e incentivar a retomada do comércio. Empresários, por sua vez, devem providenciar a reforma das fachadas das lojas, complementando a melhoria do visual da cidade. "O piso nós fazemos e esperamos que os comerciantes remodelem seus estabelecimentos" -- propõe o prefeito José de Filippi. No lugar de propagandas caóticas e poluição visual, a cidade pode ganhar praças arborizadas, com novos bancos e lixeiras, placas de trânsito e organização do espaço urbano.
Os comerciantes se mostram dispostos a uma ação conjunta após debate inicial na 1ª Conferência Urbana de Diadema, realizada entre março e maio último e que reuniu os setores interessados em melhorar a atividade comercial. "Estamos negociando com a Caixa Econômica Federal juros baixos, de 13% ao ano, para a reforma visual das lojas. Foi preciso buscar esse financiamento porque às vezes o comerciante não tem R$ 4 mil para fazer a remodelagem" -- conta José Manuel Viera de Mendonça, presidente da Acid (Associação Comercial e Industrial de Diadema). As dificuldades econômicas parecem ter motivado a mais recente parceria entre Prefeitura e comerciantes. "O movimento é importante e a Prefeitura está com uma visão estratégica na parte de infra-estrutura" -- avalia o gerente do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) de Diadema, Alessandro Paes dos Reis, que também participa das discussões.
Diadema desenvolve um censo socioeconômico para atualizar dados de 1995. A Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) contabiliza 1.388 estabelecimentos comerciais na cidade, cuja população de 356 mil moradores compõe o 55º lugar no Índice de Potencial de Consumo do País, conforme pesquisa da Target. Como a cidade que explodiu demograficamente, também o comércio descuidou do planejamento urbanístico.
Shopping Popular -- Os planos para revitalizar o comércio em Diadema vão além da reforma de fachadas. Para este ano, estão previstos investimentos no valor total de R$ 2,27 milhões. Após a 1º Conferência Urbana, a Prefeitura ativou a revitalização na área central da cidade e nos centros de bairros. Na área central, a Administração pretende remodelar a praça da Moça e adequá-la para shows artísticos numa área de 15 metros quadrados. Outro projeto é a criação de calçadões e boulevards na rua Sílvio Donini e avenida Nossa Senhora das Vitórias, numa intervenção total de 2.700 metros quadrados com reformas de pisos e instalação de bancos, lixeiras e até cobertura dos passeios. A primeira intervenção é no espaço compreendido por três áreas: as praças da Matriz e Lauro Michels e a futura praça a ser criada no espaço onde ficava o prédio da SSU (Secretaria de Serviços Urbanos) situadas entre duas das mais centrais e movimentadas avenidas da cidade, a Antônio Piranga e a Fábio Eduardo Ramos Esquivel. O primeiro passo é a remoção dos vendedores ambulantes da Praça Lauro Michels, onde há mais de 10 anos a Prefeitura chegou a criar um camelódromo para liberar as ruas centrais do comércio informal. A má conservação combinada com o aumento dos ambulantes provocado pelo desemprego fez da praça um amontoado de camelôs que pouco lembrava o projeto inicial da Prefeitura, com quiosques recobertos por estruturas de metal e lona. "O camelódromo virou uma favela, até com barracas de madeira. Retirar aquilo ali é até uma coisa simbólica" -- confessa o prefeito José de Filippi.
Os vendedores ambulantes serão removidos para o Shopping Popular, na Avenida Antonio Piranga, que a Prefeitura pretende concluir até setembro. Serão investidos R$ 1,1 milhão na construção do prédio que irá abrigar os 240 boxes. "Os ambulantes vão precisar de novas noções de negócio no Shopping Popular. Antes, os clientes passavam todos os dias na frente deles e a compra era feita por impulso. No Shopping Popular, a estratégia tem de ser diferenciada" -- alerta Alessandro Reis, do Sebrae-Diadema, segundo quem, mesmo ações organizadas garantem apenas soluções provisórias para a questão dos ambulantes. "Seria burrice coibir esse tipo de comércio" -- reconhece o prefeito Filippi, que administra um Município com aproximadamente 42 mil desempregados. "Camelô não é privilégio de Diadema, mas uma questão para as cidades brasileiras. As soluções mais duradouras são as que admitem a existência do comércio ambulante. Todas as tentativas de acabar com esse tipo de comércio foram infrutíferas. É possível melhorar, reduzir, mas temos de admitir que esse comércio tem lugar na cidade" -- explica a arquiteta Raquel Rolnik, do Instituto Pólis, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas e conferencista da 1ª Conferência Urbana de Diadema.
Segurança -- A Prefeitura programa organizar também os ambulantes em bolsões nos bairros e em quiosques na frente de escolas e feiras. Outra iniciativa foi o cadastramento dos camelôs. Dos 1,9 mil listados, a administração pública quer saber quantos efetivamente moram em Diadema. Na primeira lista de vendedores ambulantes do Centro verificou-se que, dos 420 cadastrados, 300 moram na cidade. Com os residentes em Diadema será feito trabalho de transferência para as novas áreas destinadas ao comércio ambulante e para requalificação profissional. Mesmo nas feiras, os camelôs estão sendo retirados das áreas centrais e recolocados nas extremidades. "Temos planos de retirar as feiras do sistema viário e transferi-las para pátios de indústrias e outras áreas que não prejudicam o trânsito" -- acrescenta o prefeito.
A organização e o cadastramento do comércio ambulante podem até mesmo render efeitos colaterais positivos, como redução da criminalidade em áreas onde a operação já começou. De acordo com a Coordenadoria de Defesa Social da Prefeitura, nos 40 dias que antecederam o início da Operação Camelô, como ficou conhecido o cadastramento dos ambulantes, foram registradas 143 ocorrências policiais na área central, contra 112 de igual período após o começo do trabalho. A redução de 21% nas ocorrências está sendo atribuída pelos técnicos da Prefeitura ao controle dos ambulantes.
Além da reorganização do comércio ambulante, Diadema planeja realizar intervenções urbanas nos nove centros comerciais dos bairros e nas duas áreas de maior movimento: o Centro e Piraporinha. Algumas ações já começaram, com a reforma de calçadas e guias. "No Bairro Serraria, alguns comerciantes chegaram a perguntar se a Prefeitura iria cobrar pela reforma" -- conta o vice-prefeito Joel Fonseca, também secretário de Desenvolvimento Econômico. Para Joel, a intervenção da Prefeitura afeta positivamente a economia da cidade: "Isso reflete no emprego, porque o pequeno e o médio comerciante são os que mais contratam".
No Centro, a revitalização do espaço entre as praças da Matriz, Lauro Michels e a antiga SSU compreendem um espaço de quase 20 mil metros quadrados de área nobre da cidade. "A Praça Lauro Michels nasceu na melhor das intenções, mas ficou uma meleca” -- admite o secretário de Obras, Luiz Carlos Theophilo, que coordena os trabalhos da Prefeitura. Após a transferência dos ambulantes para o Shopping Popular, a administração promete reurbanização dos 8,8 mil metros quadrados ocupados com áreas verdes, bancos e pisos novos. Em julho, o cronograma de recuperação de calçadões nos bairros chegou a atrasar, mas o secretário Luiz Carlos Theophilo garante que as obras não serão afetadas.
Parceria privada -- Os sete mil metros quadrados da área do antigo prédio da SSU, do outro lado da Avenida Fábio Eduardo Ramos Esquivel, podem consolidar uma parceria entre Prefeitura e iniciativa privada para revitalizar o Centro da cidade. O projeto original, elaborado na primeira gestão do prefeito José de Filippi, entre 1993 e 1996, previa construir no local o Quarteirão das Artes, um grande complexo cultural público. O vice-prefeito Joel Fonseca comenta que o Quarteirão das Artes não está descartado, mas condiciona a construção do complexo a alianças com entidades como o Sesc (Serviço Social do Comércio). "O ideal seria que lá se instalasse um hotel" -- deseja Joel Fonseca.
O prefeito José de Filippi Junior faz as contas para expor a inviabilidade do Quarteirão das Artes. "Hoje gastaria R$ 10 milhões para construir o prédio e mais R$ 1,5 milhão anuais para a manutenção. Este ano tenho R$ 8 milhões para investir em toda a cidade. Não consigo bancar esse projeto" -- afirma. A idéia do centro cultural somente seria viável, de acordo com Filippi, por meio de parcerias com instituições como Espaço Unibanco de Cinema ou Itaú Cultural. O prefeito também acalenta para o local um centro de convenções feito pela iniciativa privada, que cedesse alguns espaços públicos para cultura e lazer. "Enquanto isso, vou fazer uma praça bem simples e vamos esperar até o ano que vem. Se não surgir nada, faço uma praça mais caprichada no local" -- comenta.
Transformar áreas urbanas em locais atrativos é idéia que mobiliza várias prefeituras de um Brasil onde 81% dos moradores vivem em cidades, caso único no mundo. Exemplo recente e próximo é São Paulo, onda a prefeita Marta Suplicy tenta pela segunda vez em dois anos desencadear a revitalização do Centro da Capital. Com amparo financeiro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e planos para ações estimadas em US$ 200 milhões, o projeto paulistano está programado para sair do papel até começo de 2003. As experiências e projetos para revitalizar áreas urbanas, principalmente tendo como vetor a atividade comercial, foram muitas e variadas em todo o Brasil -- desde os pioneiros calçadões em Curitiba e São Paulo, na década de 70, até projetos de maior fôlego como o da recuperação do Pelourinho, em Salvador, e do Bairro do Recife, na Capital pernambucana, implantados nos últimos 10 anos. Mauá e Santo André também se debruçam sobre a valorização das áreas centrais.
Varejo especializado -- Em Diadema, o prefeito José de Filippi defende ações criativas. "Temos de ter ousadia e já começamos a estudar alternativa que pode ser implantada com a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) através de um bilhete eletrônico que permita ao usuário do trólebus descer em Diadema, fazer compras e voltar a viajar sem pagar nova tarifa". Filippi acredita que a idéia possa ser utilizada no terminal do Centro ou no de Piraporinha. "Para isso, teríamos de especializar o comércio em alguns produtos como roupas, calçados ou embalagens". O prefeito acredita que comércio especializado combinado com bilhete de parada gratuita formaria um atrativo até para usuários do trólebus que apenas passam por Diadema. Pela linha do trólebus, circulam diariamente 200 mil passageiros. "Se 10% desse total descesse para fazer compras em Diadema, teríamos um contingente respeitável" -- estima José de Filippi.
Entre ações e planos, fica a questão sobre a viabilidade da própria atividade comercial da cidade, ofuscada por shoppings e centros comerciais mais ativos em São Paulo e São Bernardo. "Não tenho dúvidas sobre a possibilidade de se revitalizar o comércio de Diadema. Apesar da população local se abastecer em São Paulo e São Bernardo, a cidade tem potencial de consumo com seus 356 mil habitantes" -- avalia a arquiteta Raquel Rolnik, do Instituto Pólis. Além do potencial econômico, Diadema conseguiu a proeza de juntar num mesmo movimento representantes do Poder Público e da iniciativa privada. "A Prefeitura sozinha não faz nada e a iniciativa privada também não. Por isso somos parceiros nesse projeto" -- resume o presidente da Acid, José Manuel Viera de Mendonça.
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