Às vésperas de festejar o 69º aniversário, um dos sindicatos mais antigos do Grande ABC tem de manter um olho no gato e outro na frigideira para não virar mais uma entre milhares de entidades no País a baixar as portas a partir da década de 90. Além de tentar manter o equilíbrio na corda bamba da globalização que guilhotinou 143 mil empregos industriais na região de 1985 a 2000, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra faz do limão a limonada ao trocar comando de greve e mobilização em prol de reajuste salarial por capacitação profissional para não perder mais postos de trabalho.
Não que velhas bandeiras reivindicatórias tenham sido aposentadas ou pintadas com novas cores. Mas na esteira das mudanças socioeconômicas que sacudiram o globo terrestre na última década, com o avanço da economia digital, fusão de megacompanhias, automatização da produção e fuga de empresas do Grande ABC, o sindicalismo se viu às voltas com novo quadro, no qual já não era possível defender a monocromia do idealismo marxista. Esse é o principal desafio de Cícero Martinha Firmino da Silva, pela segunda vez à frente da presidência da veterana entidade. Reeleito em abril deste ano, o dirigente procura incorporar o novo perfil e imprime identidade polifônica ao Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André ao adotar a multifuncionalidade de serviços.
O principal divisor de águas no mar da ação sindical conduzida pela entidade está perto de completar quatro anos. Inaugurado em janeiro de 1999, o CST (Centro de Solidariedade ao Trabalhador) despontou como iniciativa inédita na região. O organismo conta com 41 cooperados da Cooperband e da Multicoop, entre atendente, operador, recepcionista, telefonista, supervisor e psicólogo. Quando iniciou as operações, atuava com 28 cooperados. Mas a reestruturação empresarial e o desemprego não deram trégua e exigiram ampliação do quadro de pessoal, já que o CST vem registrando crescimento de 20% por ano no movimento. "Muito mais que uma agência de empregos, o CST é o braço regional do maior posto integrado de serviços de combate ao desemprego no Brasil" -- orgulha-se Cícero Martinha. O Centro de Solidariedade ao Trabalhador é iniciativa da Força Sindical com Prefeitura de Santo André, Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, além do governo do Estado por meio da Secretaria de Relações do Trabalho.
Posto pioneiro -- Instituído em convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego, que repassa recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), o posto funciona no andar térreo do sindicato de Santo André e é uma das principais estratégias da entidade na busca por maior capilaridade como empreendedora de serviços. A unidade é o primeiro braço regional do CST, cuja central funciona no Bairro da Liberdade, na Capital. Mais filiais devem ser inauguradas até este mês, uma no Sindicato dos Borracheiros de Diadema e outra em Itaquera, na Capital. São sete postos na Grande São Paulo e um em Recife. Outro braço está previsto até o final do ano em Camaçari, na Bahia.
De acordo com o gerente do CST de Santo André, Décio Ventura de Souza, circulam pelo posto média de mil pessoas por dia de segunda a sexta-feira. O termômetro do desemprego no Grande ABC pode ser medido na interminável fila que dobra o quarteirão da Rua Dona Gertrudes de Lima, endereço do sindicato. Entre a multidão de carteira profissional na mão e esperança no peito encontram-se recém-demitidos na tentativa de dar entrada no seguro-desemprego, um dos serviços oferecidos pelo organismo. Mas a maioria vai mesmo é atrás de colocação no mercado de trabalho, enquanto parcela menos quantitativa disputa vagas em cursos gratuitos de qualificação profissional, entre os quais inglês, espanhol, informática e telemarketing.
Apenas para empregar os 150 mil cadastrados no banco de dados do Centro de Solidariedade de Santo André seria preciso criar um Município do porte de São Caetano. Em quatro anos, o posto atendeu 493.108 pessoas -- mais que o triplo de uma São Caetano --, encaminhou 116.815 e colocou 29.246 no mercado. Foram habilitados ainda 28.882 seguros-desemprego. "Esses números poderiam ser bem maiores se os empregadores não estivessem tão distantes do trabalhador, desinteressados de conhecer o CST" -- lamenta Décio Ventura. Não faltam ações para minimizar a estatística do desemprego que assombra 18,7% da população economicamente ativa do Grande ABC. A última pesquisa da Fundação Seade e do Dieese aponta legião de 234 mil sem-emprego na região. Com mais de 11 milhões de desempregados, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking, atrás apenas da Índia.
Se não é possível estancar a hemorragia, o CST se mobiliza para suavizar a ferida alargada pela doença do desemprego. Pelotão comandado pelo gerente Décio Ventura empreendeu no ano passado verdadeira cruzada por 12 empresas do Grande ABC. A missão era traçar o perfil do funcionário procurado pelo empresariado, vivenciar as necessidades profissionais dos empregadores e sair a campo para identificar candidatos que se encaixassem nas funções. Outras 12 corporações estão na alça de mira até o final do ano. Mavalério, Grupo Radar, Versani & Sandrini, Lara, Tupy e Coopersab abraçaram a iniciativa do CST. Só a Mavalério de Diadema, fornecedora de confeitos para decoração de bolos, biscoitos, sorvetes e sobremesas, tem 60% dos 130 funcionários contratados através do CST. A empresa estuda abertura de fábrica em Campinas e criação de 700 vagas, selecionadas pelo CST de Santo André. Supermercado Champion, da bandeira Carrefour, e Playcenter reforçam a lista de nomes que costuma contratar mão-de-obra intermediada pelo Centro de Solidariedade ao Trabalhador da região.
"Um dos maiores desafios é convencer o empresariado das inúmeras facilidades de utilizar o CST. Empregador e candidato ao emprego não têm nenhum ônus para utilizar os serviços" -- reforça Décio Ventura. Para facilitar a empreitada, a megaagência conduz o emprego sobre quatro rodas por meio de unidades móveis. O CST transporta infra-estrutura completa com equipamentos e equipe de selecionador, psicólogo e supervisor a empregadores de outras localidades no Estado de São Paulo e em outros Estados, quando há necessidade de seleção in company.
Fora da cidade onde está sediado, o Centro de Solidariedade ao Trabalhador seleciona, treina e ajuda no processo de colocação profissional em conjunto com sindicatos locais filiados à Força Sindical, a exemplo da instalação do Carrefour em Niterói. Posteriormente, vagas que não foram preenchidas durante a entrevista dentro da empresa são armazenadas no banco de dados do CST. Muitas vezes o empregador solicita ao posto que, além de entrevistar e encaminhar os candidatos, treine as turmas. Se a empresa ainda não conta com equipe selecionada, o Centro de Solidariedade ao Trabalhador corre atrás dos profissionais.
A baixa escolaridade ou a falta de qualificação profissional são obstáculos que emperram as contratações. Pesquisa da matriz do CST revela que apenas 35,58% dos entrevistados concluíram o Ensino Médio e somente 5,09% completaram o nível superior. A soma corresponde a 40,67% com maior grau de instrução e mais oportunidade de colocação no mercado do que os 59,33% menos escolarizados.
Outra ação inovadora em Santo André para acelerar o processo seletivo é o curso gratuito de empregabilidade. Pesquisa interna apontou que 80% dos reprovados em uma primeira entrevista eram vítimas de nervosismo, desmotivação, má postura, despreparo emocional e falta de segurança. Implantado há pouco mais de um ano, o programa orquestrado pela psicóloga Ana Maria Pereira dos Santos já atendeu mais de 10 mil pessoas, com rotatividade de 1,2 mil/mês. "Pelo menos 6% conseguiram trabalho, de acordo com nosso banco de dados. A previsão é ampliar para duas mil pessoas/mês" -- explica Ana Maria.
Todos que passam pelo CST de Santo André, são convidados a participar do curso com duração de cinco horas enquanto aguardam pelo atendimento. Também ganham vale-transporte e lanche. Embora rápido, o programa tenta resgatar a auto-estima de quem está desempregado ao ajudá-lo a se enxergar como vendedor do próprio produto: a capacidade profissional. Dicas de marketing pessoal, apresentação do currículo e até orientação de como se vestir e se expressar durante a seleção fazem parte do pacote.
Outros sócios -- Mas é preciso muito mais para não perder o trem da história que em 20 anos reduziu de 60 mil para 18 mil o quadro de metalúrgicos da base de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Com a reviravolta no mundo trabalhista, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André também teve de se reciclar.
Sem abandonar a veia reivindicatória do passado, agora com timbre mais suave no discurso, a entidade buscou alianças com instituições de ensino, corporações e entidades para ampliar as opções de atendimento aos 6.586 entre metalúrgicos e não-metalúrgicos associados. Também vislumbra na captação de sócios-usuários (não metalúrgicos) alternativas para empreendimentos futuros em serviços e para elevar em 50% a arrecadação atual de R$ 1,5 milhão/mês até o final da gestão de Cícero Martinha. "No passado, arrecadávamos R$ 4,5 milhões/mês" -- cita. O sindicato representa hoje cerca de 600 empresas entre metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico. Embora pouco mais do que a média de 500 corporações na década de 80, a maioria é constituídas de micro e pequenas empresas, enquanto na base de bons tempos a maior parte estava centrada em médias e grandes.
Por enquanto, 1.599 sócios-usuários, entre os quais estudantes, profissionais liberais e autônomos, pagam mensalidade mínima de R$ 2 e máxima de R$ 10 para usufruir de comodidades como colônia de férias na Praia Grande, dentistas, advogados, farmácia, biblioteca, cursos e convênios. Além de cursos patrocinados pelo FAT e aulas do Projeto Telecurso 2000, o sindicato mantém convênios com escolas, instituições de ensino superior, clínicas, consultórios e óticas. As atividades são múltiplas. Há aulas de corte e costura em parceria com o Sesi, cursos profissionalizantes conveniados com o Senai e turmas de capoeira, além de inglês, espanhol e informática promovidos pela Neo-Mídia. Sediada em Santo André, a escola também conta com unidade para atendimento exclusivo no terceiro andar da entidade. Em três anos e meio, o sindicato formou 10.291 alunos, entre cursos gratuitos e pagos. Outros 180 fazem aulas de manicure e elétrica básica na subsede de Mauá.
Com tradição de pioneirismo em várias ações, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André foi o primeiro da região a sediar uma Comissão de Conciliação Prévia. Instaurada em maio de 2000, realizou 3.182 audiências entre funcionários e empregadores de micro e pequenas corporações. Embora solução paliativa para ajudar a desafogar a Justiça do Trabalho da montanha de reclamações trabalhistas, a comissão tem sido um dos atendimentos mais procurados no sindicato -- outro serviço adicionado ao leque de alternativas implantadas pela entidade que tenta apagar incêndios na selva da desigualdade social.
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