Economia

É preciso dar rumo
à Rota do Frango

FERNANDO BELLA - 05/12/2002

Um dos principais pontos turísticos de São Bernardo está sem rumo. As sucessivas crises econômicas da década de 90 e o agravamento da evasão industrial no Grande ABC levaram a tradicional Rota do Frango com Polenta a perder força na atração do público da região e da Capital. O corredor de 13 restaurantes se sente como um ídolo esquecido no passado. Há pelo menos uma década o descaso parece predominar. Pelo menos é esse o sentimento dos próprios proprietários de restaurantes e prestadores de serviços locais.

A pouca atenção do Poder Público é considerada a causa para alguns estabelecimentos baixarem as portas mais cedo por falta de segurança e o faturamento cair em média 20%, somado aos impostos e taxas elevadas que esvaziam os bolsos dos empresários. Para não naufragar depois de muitos anos de trabalho, alguns poucos restaurantes resolveram se unir para dar sobrevida à imagem da rota. Outros cobram uma política pública de valorização turística. Quem precisa diminuir custos enxuga o quadro de funcionários e procura alternativas. Como resposta ao descontentamento generalizado, a Prefeitura tenta dar rumo não apenas ao corredor de restaurantes mas a todo o potencial turístico de São Bernardo com auxílio de uma consultoria da Capital. 

Quem mais sente a deterioração da Rota do Frango com Polenta são os restaurantes localizados na Estrada Galvão Bueno, continuidade da Avenida Maria Servidei Demarchi. Esburacada, sem acostamento e com iluminação precária, a via é um dos principais obstáculos à atração de novos clientes. O Poder Público promete que tem projeto de pavimentação e as obras devem começar em 2003. Um dos estabelecimentos que mais vê o negócio prejudicado é o Restaurante Morassi, o último para quem entra na rota pela Via Anchieta. "Além do projeto de pavimentação, havia a chamada Mini-Imigrantes, que seria a duplicação da Galvão Bueno. Não ouço mais nada sobre isso" -- comenta o proprietário, Alberto Morassi Júnior. 

A falta de segurança é constante. "À noite o perigo é total" -- acentua Morassi Júnior. O medo fez com que os comerciantes mudassem os horários de funcionamento. O Morassi, por exemplo, baixa as portas às 16h todos os dias. Isso significa perda de metade do faturamento. Alguns ainda se arriscam. O Santo Antônio, também localizado na Estrada Galvão Bueno, tenta diminuir o impacto nas receitas ao abrir apenas nas noites de sexta e sábado, dias de maior movimento. "Mesmo assim poderíamos faturar cerca de 15% mais se atendêssemos todas as noites" -- calcula um dos irmãos que comandam o Santo Antônio, Ladislau Batistini, que sofreu roubos em plena luz do dia.

Além de problemas estruturais, os estabelecimentos sentiram duro golpe com a queda do poder aquisitivo do público a partir da evasão industrial no Grande ABC. "Tudo era mil maravilhas até 1990, quando o Plano Collor caiu como uma bomba na estabilidade econômica e espantou a clientela" -- considera Alberto Morassi Júnior. "Só registramos baixas há mais de quatro anos" -- complementa. O Morassi tem capacidade para 600 pessoas. A média no domingo, dia tradicional da Rota do Frango com Polenta, é de 400 pessoas. "Chegamos a ter menos de 200 pessoas. Conseguimos melhorar com esforço e investimentos próprios" -- sublinha Alberto. 

O Custo ABC continua pesado sobretudo para o pequeno negócio. "Parece que estão querendo nos expulsar daqui. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de São Bernardo dobrou de um ano para o outro" -- expõe Alberto Morassi. "É verdade que a Prefeitura não muda os valores dos impostos há dois anos, como propagandeia. Mas fez grandes alterações em curto espaço de tempo" -- contesta.


Esgoto salgado -- Outras taxas têm dado dor de cabeça aos prestadores de serviços de São Bernardo. O problema mais recente é a cobrança pelo sistema de afastamento do esgoto feito pelo DAE (Departamento de Água e Esgoto). Os estabelecimentos foram comunicados pela Prefeitura sobre a necessidade de instalação de hidrômetro nas saídas dos poços artesianos para calcular o volume de água jogado por cada empresa no sistema público de recebimento de esgoto. A cobrança é justificada pela Administração Pública para custear a manutenção da rede de afastamento do esgoto. "Compramos o hidrômetro mas ainda não instalamos" -- revela o proprietário do Restaurante Santo Antônio, Ladislau Batistini. 

Proprietários dos motéis que formam outra tradicional rota de serviços de São Bernardo também estão preocupados com a nova taxa. "Instalamos o hidrômetro e no primeiro mês a taxa chegou a R$ 13 mil. No segundo mês o cálculo ficou em R$ 7 mil e na última contagem ficou em R$ 4 mil" -- expõe a gerente do Motel Karina, Elizabete Bonfim, ao lembrar que os motéis já pagavam taxa de esgoto fixa no valor aproximado de R$ 1,5 mil. "Não pagamos nenhum mês após a instalação do hidrômetro, até porque são valores inviáveis e sem explicação. Não temos condições de arcar com taxas tão elevadas. Estamos preocupados com o que irá acontecer" -- conclui.

Em encontro no Restaurante Florestal em outubro último, proprietários de restaurantes e motéis explanaram ao secretário de Obras, Otávio Manente, as dificuldades para o pagamento da taxa. "Em 1998 foi aprovada lei que regulamentou a cobrança de água e esgoto referente ao tratamento e afastamento" -- explica o secretário. Pela tabela da Prefeitura, o valor pode passar de R$ 4 o metro cúbico. A água do Município já custa R$ 5,17 por metro cúbico. Alguns estabelecimentos argumentaram que têm ainda gastos com manutenção e análises periódicas nos poços. "Mas é aí que a Prefeitura mostra trabalho. Investimos em estrutura moderna de tratamento e distribuição para oferecer o melhor serviço possível. Então passem a usá-lo" -- defende-se o secretário Otávio Manente.

A soma de problemas fez com que os estabelecimentos procurassem soluções próprias para diminuir custos. A primeira forma de enxugar despesas foi cortar funcionários. O Restaurante Morassi trabalha com 12 funcionários fixos. Nos finais de semana chega a ter cerca de 30. Mas os números já foram bem maiores. O Sindicato dos Trabalhadores em Restaurantes de São Bernardo, Diadema e Rio Grande da Serra confirma as transformações: havia aproximadamente 12 mil profissionais da categoria com carteira registrada em 1993. Tradicionalmente, os restaurantes dobram o efetivo nos fins-de-semana, com contratação de autônomos. Então, havia pelo menos 24 mil empregos na área. Hoje não mais que 5,5 mil profissionais registrados estão associados ao sindicato, que calcula número semelhante de trabalhadores informais nos finais de semana. É menos da metade da década anterior. O Restaurante Santo Antônio é exemplo de redução dos quadros: somava cerca de 80 funcionários nos fins de semana. Hoje o número não passa de 30, dos quais apenas 15 fixos.


Criatividade -- Sem apoio do Poder Público, o jeito foi nadar com os próprios braços para não morrer na praia. Os restaurantes da Rota do Frango com Polenta têm mostrado criatividade e força de vontade para se manter ativos. Uma das principais mudanças para voltar a atrair público é comum em quase todos os estabelecimentos: oferecer refeições self-service em paralelo ao sistema a la carte. A mudança diminui as despesas e aumenta as receitas. "Apesar de ainda trabalharmos com o esquema a la carte, apenas 20% dos clientes procuram por esse serviço" -- conta Morassi Júnior, do Restaurante Morassi. 

Alguns restaurantes também investem pesado em shows e eventos. São Judas, São Francisco e Florestal passaram a trazer estrelas da música popular para colocar mais tempero nas noites de sextas e sábados. "Com o show fica a certeza de que pelo menos duas mil pessoas estarão presentes" -- justifica o diretor de Marketing do Restaurante São Judas, Laerte José Demarchi Júnior. O São Judas tem capacidade para 4,2 mil pessoas e está dividido em três andares. Em dias de show apenas o piso térreo funciona e os ingressos são vendidos com antecedência. "Estamos com show marcado para 5 de dezembro com o cantor Daniel. Comidas e bebidas são inclusas no preço do ingresso" -- relata Júnior sobre as estratégias para seduzir o público.

O próprio São Judas resolveu diferenciar a receita aos domingos. O restaurante praticamente muda de cara para se transformar em cantina italiana. São 60 pratos quentes, 25 opções de saladas e 20 tipos de sobremesas. O preço é único e não inclui a bebida. "Também não cobramos cover artístico" -- agrega o proprietário. Com decoração totalmente modificada, a Cantina Demarchi conta com danças e bandas típicas. "Voltamos a ter fila de espera" -- orgulha-se Laerte, ressaltando que 80% do público ainda é da Capital. "Talvez um grande fator que nos ajudaria a combater as dificuldades é o público do Grande ABC voltar a prestigiar a Rota do Frango com Polenta" -- deseja.

Em iniciativa também própria e parcial, os restaurantes São Judas, São Francisco, Santo Antônio e Florestal resolveram contratar a agência de publicidade Demarchi, de São Bernardo que, em parceria com a agência Preview, da Capital, elaborou planejamento de marketing para tentar lustrar de novo a imagem da rota. O primeiro obstáculo foi a impossibilidade de utilizar as margens da Via Anchieta e da Rodovia dos Imigrantes para colocação de outdoors com o slogan: Rota do Frango com Polenta -- Essa Tradição Já Faz Parte da Família. "A tentativa de utilizar as margens das rodovias controladas pela Ecovias estava sendo feita pela Prefeitura, mas a concessionária vetou o uso dos outdoors" -- cita Laerte Júnior, do São Judas.

Com a liberação, a campanha buscava atingir em cheio os olhos e o paladar dos ocupantes de cerca de 40 mil veículos que passam diariamente pelo sistema Anchieta/Imigrantes nas semanas que não contam com feriado. A Ecovias informa que nos finais de semana normais o volume chega a 130 mil veículos e no verão o número salta para 250 mil. Circulação ainda maior ocorre no Natal e Ano Novo, quando passam pelas rodovias aproximadamente um milhão de veículos. No Carnaval cerca de 500 mil veículos transitam pelo sistema durante os quatro dias. 

A Ecovias justifica a proibição pelas imposições da Lei Estadual 8900/94, que fiscaliza a colocação de anúncios em rodovias. A alternativa foi recorrer a painéis afastados, mas ainda visíveis nas rodovias. "Há possibilidade de utilizarmos dois painéis na Imigrantes e um na Via Anchieta. Tudo por intermédio do Poder Público" -- explica o proprietário da Agência Demarchi, Angelo Demarchi Neto.

Outro desafio é conquistar patrocinadores. Algumas empresas ligadas ao setor de alimentação estão sendo convidadas para fazer parte de campanha programada para este início de 2003. O projeto publicitário contou com pesquisa interna nos quatro restaurantes. Clientes receberam formulários para classificação dos serviços, produtos e acesso, além de questionamentos para desenhar o perfil do público da rota. "Queríamos conhecer melhor quem frequenta os restaurantes, classificar os serviços e ainda decidir qual meio de comunicação será mais eficaz para atingir esse público" -- detalha Angelo Demarchi Neto. Dos itens questionados, serviços e produtos ficaram com conceito muito bom. O acesso aos restaurantes recebeu conceito regular, o que endossa a reivindicação dos proprietários. "Mas nunca é demais lembrar que foram 30 dias de pesquisa. Na época, as obras do piscinão estavam em andamento, o que pode ter prejudicado a conceituação sobre o acesso aos restaurantes" -- pondera Ângelo. Havia quatro opções de classificação: excelente, muito bom, bom e regular.

Em meio a tantas demandas, a Prefeitura de São Bernardo decidiu direcionar as atenções ao potencial turístico do Município como alternativa às perdas socioeconômicas dos últimos anos. Para isso, contratou uma das maiores consultorias em desenvolvimento turístico do País, a Ruschmann Consulting. O trabalho já passou pelo levantamento de informações sobre sistema de coleta de lixo e de transporte, quantidade de efetivo policial e disponibilidade de serviços de emergência em hospital. O projeto está agora na fase de diagnósticos e pesquisa com visitantes. O final dos estudos, programado para início de 2003, reserva ainda a fase de proposições. "A implantação do projeto demora um ano após o fim dos estudos" -- calcula a diretora técnica da Ruschmann, Doris van de Meene Ruschmann. 

Alguns planos para outros potenciais turísticos do Município já foram expostos na primeira fase do trabalho. Após conhecer a beleza da reserva de Mata Atlântica de São Bernardo, Doris propôs colocar outdoors em São Paulo e no Grande ABC com o slogan: "Você não precisa ir até a Amazônia para conhecer os encantos da Mata Atlântica". A idéia também era utilizar as margens da Rodovia Imigrantes e da Via Anchieta para painéis de divulgação, como tentaram os empresários da rota.


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