Economia

Clima incerto no
Shopping Popular

FERNANDO BELLA - 05/01/2003

Uma nuvem carregada de dúvidas ainda paira sobre o Shopping Popular de Diadema. A empreitada faz parte do projeto Empreendedor Popular e é a principal ação da Prefeitura para a revitalização do Centro e dos centros de bairro. A estratégia vai colocar à prova a capacidade dos 240 ambulantes de reduzir conflitos com o varejo legalmente constituído e integrar a atividade informal à paisagem econômica da cidade. Para diminuir a possibilidade de relâmpagos e trovoadas, a Administração Pública tomou alguns cuidados. Definiu obrigações para a manutenção da ordem interna e fechou parcerias para treinamento dos novos empreendedores.

O próprio secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Joel Fonseca, admite que há muito trabalho pela frente para ver o sol brilhar. Alguns planos já começam a entrar em ação. O primeiro foi a escolha de quatro representantes dos empreendedores populares para formar o conselho gestor, composto ainda por mais quatro representantes da Prefeitura. Na sequência foi preciso contratar empresa especializada em administração de condomínios. Após receber várias propostas, o conselho gestor escolheu a Felgus Administradora de Condomínios, de São Caetano. “Sabemos que administrar um shopping com essas características vai ser um grande desafio” — expõe o gerente da Felgus, Silvio José Nabas. A empresa cuida de 47 condomínios no Grande ABC e Capital e pela primeira vez firma contrato para gerir um complexo comercial. “Soubemos do projeto porque um dos integrantes do shopping mora em um dos nossos condomínios” — explica Silvio. Quando fala em desafio, Silvio Nabas não está exagerando. Em meio ao trabalho administrativo, ele ainda precisa ter jogo de cintura para resolver problemas internos. “Outro dia um dos boxes estava com o volume do som alto. Pedimos para abaixar, mas não adiantou. Foi preciso recorrer à advertência” — conta. “Muitos ainda precisam entender que não estão mais na rua, onde podiam fazer o que bem entendiam” — completa. A Prefeitura normatizou as regras para a permanência no shopping por meio do Decreto Lei 5.611. Mas isso ainda não parece suficiente para mudança de comportamento.

Uma das saídas encontradas pela Administração Pública foi fechar parceria com o Sebrae Diadema, que através de treinamentos especiais pretende transformar os ambulantes em verdadeiros comerciantes. Em parceria com a USP (Universidade de São Paulo), o Sebrae estruturou módulo específico para o público do Shopping Popular. “Os técnicos da USP traçaram o perfil do empreendedor popular e desenharam a grade de cursos a serem lecionados” — detalha o gerente do Sebrae Diadema, Alessandro Paes dos Reis.


Como ser empreendedor? — Essa questão ainda mexe com a postura de muitos ambulantes. Nas ruas não havia preocupação com atendimento e qualidade do produto. Instalados em lugar fixo, os antigos camelôs sentem na pele a dificuldade dos lojistas. “O tipo de cliente é diferente, um pouco mais exigente. Agora sabem exatamente onde estamos e podem reivindicar seus direitos caso o produto seja de má qualidade” — considera uma das empreendedoras populares e integrante do conselho gestor, Tereza Maria de Jesus, que trabalha informalmente há cinco anos e já está em treinamento no Sebrae.

Os comerciantes populares devem passar cerca de 100 horas em treinamento no Sebrae Diadema. São três fases: sensibilização, desenvolvimento e fortalecimento. “A primeira etapa é a mudança de comportamento. Na segunda fase entramos na parte de negócios como qualidade no atendimento e identificação visual. Para terminar, pretendemos mostrar como se manter fora do Shopping Popular com o módulo Saber Empreender” — detalha Alessandro Paes, que pretende acrescentar outro módulo para definir o perfil do novo empreendedor e fortalecer a idéia de liderança. Os ambulantes que trabalham com comestíveis passarão por treinamento especial, pois terão orientações de higiene, conservação e manuseio de alimentos, entre outros.

A questão mais reforçada aos empreendedores populares é a importância de trabalhar com produtos legalizados. Uma das formas encontradas pelo Sebrae é fortalecer a idéia de priorizar produtos fabricados na região, de baixo custo e fácil comercialização. Algumas empresas já procuraram a administração do Shopping Popular para oferecer produtos. “O interessante seria fazer com que os empreendedores que comercializam o mesmo tipo de mercadoria comprem de um único fornecedor e consigam descontos” — argumenta Alessandro. A empresa de brinquedos Kiroplast, de São Bernardo, foi a primeira a apresentar proposta de revenda com prazo e descontos diferenciados. “Quanto mais comerciantes comprarem da empresa, maior será o desconto e o prazo” — sublinha o gerente do Sebrae.

Incubadora — O propósito do Poder Público é transformar o Shopping Popular em incubadora de pequenos comerciantes. Ficou estipulado que cada empreendedor popular tem prazo de três anos para se estabelecer fora do shopping. “Claro que haverá bom senso na determinação do prazo. Aqueles mais preparados podem sair antes e quem precisar de mais tempo vai nos comunicar e vamos analisar” — pondera o secretário Joel Fonseca. Para manter a estrutura foi estimada inicialmente taxa de R$ 100 mensais por empreendedor popular. “Como começamos o projeto sem ter uma empresa para administrar os custos, trabalhamos com estimativas. Agora, o valor pode sofrer alteração” — justifica. 

A Acid (Associação Comercial de Diadema) também está de olho no projeto. A entidade sofre com a baixa adesão de associados e precisa fazer com que o comércio se revitalize para sobreviver, além de torcer para que mais varejistas se instalem no Município. Foi também a Acid, ao lado do Ministério Público, que acelerou a retirada dos ambulantes das ruas. “Queremos os comerciantes satisfeitos com os negócios e dispostos a investir em projetos da entidade. Com os ambulantes na frente das calçadas, muita gente até fechou” — explica o presidente da Acid, José Manuel Vieira de Mendonça. A associação comercial também faz trabalho paralelo com 60 ambulantes da Rua Juscelino Kubitschek. “Estamos com curso de treinamento nas dependências da ETCD (Empresa de Transportes Coletivos de Diadema) para a formalização do pessoal” — revela o sub-gerente da entidade, Ricardo Ferreira.

Ao contrário do que se pensava, a solução encontrada pela Prefeitura parece ter agradado aos comerciantes instalados no Centro. “A rua ficou limpa e os clientes conseguem entrar nas lojas facilmente. Antes, poucas pessoas tinham coragem de atravessar o mar de barracas” — lembra Francisca Basílio, proprietária da lanchonete Central do Mate do Shopping Inn Floreat, que fica em frente ao Shopping Popular. Há 25 anos no Centro de Diadema, Julião Garcia, do Fotojulinho, também acha positiva a implantação do Shopping Popular. “Melhorou muito o aspecto visual. Antes, os ambulantes sujavam as ruas e intimidavam a clientela. Quanto à concorrência, há várias formas de se conquistar um cliente. Todo mundo tem o direito de trabalhar” — expõe.

O universo de camelôs nas ruas de Diadema era gigantesco. No primeiro levantamento feito em abril de 2002 foram contabilizados 1,9 mil. Definiram-se critérios para seleção dos ambulantes que teriam direito de reivindicar um espaço no Shopping Popular. “Um dos pré-requisitos que mais ajudaram na diminuição de candidatos ao shopping foi o de morar em Diadema. Só com essa exigência eliminamos mais da metade. Sobraram apenas 500 ambulantes” — conta o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Joel Fonseca. “São cerca de 300 camelôs na fila de espera. O prazo para começar o rodízio é de três anos. Enquanto isso, pretendemos colocar alguns deles em praças da cidade de forma organizada e integrá-los aos cursos do Sebrae” — acrescenta.  


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