Economia

Pequenos em
grande escala

WALTER VENTURINI - 05/05/2003

É nos balcões do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) que está surgindo o primeiro laboratório prático por onde ganham forma projetos de reestruturação do Grande ABC, a principal região a sentir os golpes profundos das mudanças provocadas pela globalização. Por trás de algumas das mais recentes iniciativas na economia regional está o dedo da instituição, espécie de pronto-socorro das levas de desempregados ceifados das grandes empresas e em busca alternativas de trabalho. 

A marca do Sebrae está em empreendimentos inovadores como o MovelAção na indústria moveleira, em iniciativas de recuperação setorial como o de panificação e em projetos promissores como as incubadoras de empresas. Por ter tido contato direto com a mutação exigida pela competitividade — e da qual a face mais negativa é o flagelo do desemprego — o Sebrae expressa uma contradição gritante: é a entidade que mais avançou na construção de opções de desenvolvimento econômico. Com isso, deixa para trás instituições como Câmara Regional do Grande ABC, Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e Agência de Desenvolvimento Econômico, criados justamente para pensar e estruturar mudanças para reposicionar a economia da região. Até mesmo a direção nacional do Sebrae encara como referência o trabalho da representação regional, que desenvolve parcerias, discute com empresários alternativas de desenvolvimento, participa da reorganização curricular das escolas de formação profissional e busca integrar as universidades no processo de mudanças. 

O Sebrae no Grande ABC acabou ocupando o espaço aberto pela lentidão dos principais agentes políticos e econômicos da região. Não poderia ser diferente, já que se mostrou a única porta explicitamente aberta ao turbilhão que varreu o ABC na década dos anos 90 e que guilhotinou 100 mil empregos apenas na indústria. 

Todo ano, pelo menos 60 mil pessoas procuram consultores do serviço para saber de que forma poderiam montar empreendimentos, gerar trabalho e riqueza. O contraponto dessa realidade é a quase exclusão de micros e pequenos negócios de organismos regionais como Câmara Regional, Consórcio e Agência de Desenvolvimento. “Temos de ter política diferenciada para esse tipo de público, que é excluído de alguns processos. Não há na região política de desenvolvimento para pequenos e microempreendedores. Infelizmente o Grande ABC ainda está voltado para a economia das grandes empresas” — afirma Silvana Pompermayer, gerente do escritório regional Sebrae 1, que atua em São Bernardo, São Caetano e Diadema. 

Vítima preferencial de uma abertura econômica desmesurada e de uma reestruturação que enxugou linhas de montagem e transferiu plantas inteiras para outras regiões do País, o Grande ABC foi pioneiro em discutir e implantar mecanismos regionais para fazer frente às mudanças da nova era econômica. Mas o fato de ter saído na frente não ajudou a implementar soluções locais. Enquanto pólos avançados do Primeiro Mundo como Norte da Itália e região de Aragão, na Espanha, se dedicaram a valorizar micro e pequenos empreendimentos como alavanca para o crescimento, o Grande ABC não avaliou completamente a importância desse setor na economia. 


Novo perfil — O Sebrae atua no Grande ABC há nove anos, quando abriu o primeiro escritório regional em Santo André. “Nesse tempo, a demanda aumentou e mudou o perfil das pessoas que atendemos. Identificamos bastante, de seis anos para cá, o crescimento de informações para os setores de comércio e serviços” — conta Claudio Quandt Alves Barrios, gerente do escritório regional Sebrae 2, que atua em Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. 

Dos mais de 60 mil interessados que buscam anualmente os escritórios do serviço no Grande ABC, 80% são pessoas físicas à procura do próprio negócio e o restante pequenos empreendedores atrás de serviços pontuais de consultoria. A abertura do posto do Poupatempo em São Bernardo fez dobrar o atendimento do Sebrae na região. Esse boom, aliado à rápida mudança do perfil econômico, fez a entidade estruturar soluções diferenciadas para ajudar o tecido empreendedor regional, fato que levou o Sebrae Nacional, inclusive, a estudar mais detalhadamente a experiência. “O Grande ABC passa por pioneiro reordenamento de vocação. Parece que houve o fim de um ciclo, mas já começa a emergir a visão de cooperativas e de associativismo, com o trabalhador que sai da indústria e cria alternativas de renda” — identifica José Luiz Ricca, superintendente do Sebrae-São Paulo. O dirigente aponta a indústria moveleira de São Bernardo e a disseminação de pequenas e médias empresas em Mauá como exemplos de alternativas para a região se reposicionar na economia brasileira. “Nos dois casos, temos sempre o surgimento de micro e pequenas empresas e não mais grandes empreendimentos como no início da industrialização do ABC” — completa Ricca.

Os projetos do Sebrae e sua própria reestruturação para ação mais eficiente em um território em mutação chamaram a atenção do Sebrae Nacional, que estuda intervenções nos grandes aglomerados metropolitanos. No começo de março, um grupo de trabalho visitou Santo André, onde conheceu a experiência de organização regional. “O Grande ABC é um dos modelos mais completos em termos de gestão regional” — acredita a administradora de empresas Marília Weigert Ennes, consultora e coordenadora do Programa Sebrae de Desenvolvimento Local. 

Em resumo, o que atrai o Sebrae Nacional a estudar o Grande ABC é o processo de desindustrialização e o esforço de sua representação regional para enfrentar as dificuldades. A experiência servirá como parâmetro à definição de estratégias da instituição para áreas metropolitanas e cidades de médio porte. São 16 experiências selecionadas em todo o Brasil. No Estado de São Paulo, o Grande ABC foi escolhido pelo Sebrae Nacional ao lado de Embu das Artes e do Prodem (Programa de Desenvolvimento Metropolitano) da Zona Leste da Capital como experiências a serem estudadas.


Maior integração — As transformações vividas pelo Grande ABC refletiram nas mudanças que a instituição regional aplica agora. “De uns quatro anos para cá, o Sebrae vem redimensionando, saindo do isolamento. Não atua somente com capacitação, mercados e consultoria” — conta Silvana Pompermayer, do escritório regional Sebrae 1. Hoje a entidade abre frentes com arranjos produtivos e desenvolvimento regional, participando de forma mais ampla e buscando ser ator desse desenvolvimento. 

A mudança mais recente ocorreu no começo de 2003. A adaptação da estrutura dos escritórios transformou as três unidades em duas. O escritório de São Bernardo, atual Sebrae 1, que já coordenava os trabalhos em São Caetano, passou a cuidar também das atividades em Diadema. “Dois escritórios provocam integração maior. Fica mais fácil a integração regional, com mais e melhores resultados” — espera Silvana. A regional Santo André continua cuidando também de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Outra mudança é a maior integração das equipes dos dois escritórios, que não necessariamente terão de ficar restritas às suas abrangências oficiais, mas poderão realizar atividades regionais. Nada vai impedir que o escritório de Santo André atue em uma demanda de São Caetano. O escritório de São Bernardo chega até mesmo a realizar atendimentos de regiões de São Paulo. Outro ponto de destaque do Sebrae no Grande ABC são as parcerias, prática escassa numa região onde entidades de classe e setoriais têm dificuldades no mútuo entendimento. Cerca de 40 parcerias são desenvolvidas em projetos cujos interlocutores são tão variados como entidades de classe, shoppings, hotéis, secretarias de Desenvolvimento Econômico e Turismo de prefeituras, Senais (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Sesis (Serviço Social da Indústria), sindicatos trabalhistas e universidades.

O Sebrae é procurado por quem quer abrir um negócio ou por quem procura aprimorar-se na atividade empresarial. “A maioria dos empresários tem dificuldades com fluxo de caixa, por exemplo, por isso tem de fazer um diagnóstico, estudar esses setores, além do trabalho de consultoria para atender de forma mais emergencial” — explica Claudio Barrios, do escritório de Santo André. Para preencher esse tipo de lacuna na formação, o Sebrae realiza cursos e palestras sobre o básico da gestão empresarial. 

Promove também atividades de formação e associação de empreendedores como o Empretec, que estimulou na região cerca de 1,2 mil micros e pequenos empresários a conhecerem e aprimorarem suas características empreendedoras de forma estratégica. Os empretecos, como são conhecidos, se reúnem frequentemente para trocas de experiências e outras atividades de qualificação em gestão. O programa Empretec foi elaborado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), inspirado na postura empreendedora de países com rápida recuperação econômica, como os europeus e o Japão após a 2ª Guerra Mundial. Só no Grande ABC foram formados 37 turmas.

“É 95% comportamento e 5% desenvolvimento de ferramentas de negócios” — informa Hitoshi Hiodo, presidente da Associação dos Empretecos do ABC. Pelo menos uma vez por mês os 200 associados se encontram informalmente e acabam transformando a happy hour numa produtiva troca de cartões. O carro-chefe da associação é a Rodada de Negócios, encontros que servem para micro e pequenos empresários estabelecerem contatos com futuros clientes ou fornecedores. Foi com a Associação dos Empretecos do Grande ABC e a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho do Estado que o Sebrae da região alicerçou uma de suas melhores atividades de formação: o curso Jovem Empreendedor, que só em 2002 capacitou 420 estudantes. São palestras dadas pelos próprios empresários, que conhecem como poucos o mercado a ser enfrentado pelos jovens.


Incubadoras — Um dos jovens empreendedores formados pelo Empretec, o consultor financeiro Alexandre Vancin é responsável pela decolagem de um dos projetos mais promissores apoiados pelo Sebrae: a Iesbec (Incubadora de Empresas de São Bernardo), que abriga 11 empresas internas e outras cinco externas e cujo faturamento global bateu em R$ 1,2 milhão em 2002. Só em impostos recolhidos, a Prefeitura conseguiu cobrir o investimento na incubadora, que no ano passado foi de R$ 120 mil. “A Iesbec é auto-sustentável e de quebra criou 77 postos de trabalho” — revela o gerente Alexandre Vancin. 

Ao lado de Silvana Pompermayer, Alexandre redefiniu o perfil da Iesbec no final de 2001 para um formato de base tecnológica, mas com projetos antes de tudo viáveis do ponto de vista de mercado. O resultado é um pequeno núcleo gerador de trabalho, renda, tecnologia e valor agregado, tudo o que o Grande ABC precisa desenvolver em escala e não apenas pontualmente. Na Iesbec prosperam pequenos empreendimentos que produzem softwares, projetos eletroeletrônicos e autopeças, muitos dos quais conseguem realizar transferência de tecnologia estrangeira para a realidade nacional.

As três incubadoras de empresas da região são apoiadas pelo Sebrae e formam espécie de pequenos oásis de desenvolvimento no semi-árido da economia do Grande ABC, cultivados devido ao empenho e visão de alguns idealistas. Com o Sebrae, estão na empreitada as prefeituras e a Agência de Desenvolvimento. A incubadora de Mauá não é de base tecnológica, mas produziu em um ano 121 postos de trabalho e obteve faturamento de R$ 600 mil em 2002, quando os 11 projetos — nove empresas internas e três externas — começaram a levantar vôo. 

A iniciativa mais recente é a Innova (Incubadora de Base Tecnológica de Santo André), criada em meados de 2002 com três microempresas que ainda se estruturam antes de enfrentar o mercado. São 31 postos de trabalho. Geralmente empregos criados pelas incubadoras tecnológicas têm perfil qualificado, por isso o valor salarial agregado está acima da média do mercado regional.

“As micro e pequenas empresas precisam ser qualificadas, ter acesso à tecnologia, ao crédito e aos mercados. Isso não se alcança só com algumas políticas setoriais. Temos de fazer a inserção desses segmentos na economia regional. Falta a discussão de uma agenda prioritária, acordada, respeitada e implantada de forma integrada no Grande ABC” — analisa Silvana Pompermayer, do Sebrae de São Bernardo. Se os pequenos negócios são excluídos da tentativa de integração e organização da região, acabam também alheios às mudanças econômicas, evolução de mercado e ao desenvolvimento tecnológicos para os setores em que trabalham. 


Panificadoras e gráficas — Exemplo de resgate de um setor que entrou em descompasso com o mercado foi o trabalho com panificadoras de Diadema feito pelo Sebrae entre 2000 e 2001. Buscou-se levar as padarias a superar as sérias deficiências de gestão e tecnológicas. Somente entre 1998 e 2000, estima-se que cerca de 25% desses estabelecimentos da região fecharam as portas. Calcula-se que existam aproximadamente 900 padarias no Grande ABC. Estudo feito com 21 das 110 que funcionam em Diadema identificou que 81% dos empresários necessitavam de noções gerenciais e 86% desconheciam tendências do mercado. A produção de pães não era acompanhada por 61% dos panificadores. Um dos prejuízos mais flagrantes: por falta de equipamento adequado, metade das padarias pesquisadas vendia o pãozinho de 50 gramas com 20 gramas a mais. 

Além de cursos e palestras que visavam superar essas deficiências, os panificadores discutiram o perfil do empreendimento. Era importante definir se o melhor seria estruturar uma padaria de conveniência ou um estabelecimento que agregasse serviços de restaurante e lanchonete.

A mesma metodologia usada para diagnosticar a situação das padarias de Diadema está sendo empregada pelo escritório regional Sebrae 2, em Santo André, para mapear as cerca de 600 gráficas do Grande ABC, a maioria de micro e pequenos empreendimentos. O gerente Claudio Barrios estima que as gráficas representem o terceiro ou o quarto setor industrial do Grande ABC, proporcionalmente maior do que a média do Estado de São Paulo. Cerca de 6% dos estabelecimentos industriais no Estado são de gráficas, enquanto na região esse índice sobe para 8%.

Adepto do ciclismo, Claudio teve despertada sua atenção para o setor gráfico quando percebeu que as revistas brasileiras sobre bicicletas eram impressas no Chile. “Percebemos que o mercado internacional é mais competitivo no segmento das grandes gráficas. Daí sentimos a necessidade de fazer um estudo sobre a atividade empresarial de pequeno porte, com metodologia desenvolvida por nossa área de consultoria. Queremos saber por quê algumas empresas dão certo e outras não” — intriga-se o gerente do Sebrae 2.

O estudo levanta série de informações a fim de detectar os pontos fortes de empresários de sucesso e os fatores a melhorar. Por ser um levantamento focado, tem a intenção de proporcionar treinamentos específicos em ações. “A maior parte das empresas trabalha com impressos promocionais ou comerciais e tem média de 20 funcionários” — já diagnosticou Claudio Barrios. Mesmo em andamento, o estudo permite concluir que, ao contrário do impulso à concorrência que caracterizou o setor de panificação, o setor gráfico estimula maior relacionamento entre empresas. Como a cadeia produtiva é muito grande e envolve áreas como criação, fotolito, impressão, acabamento e relacionamento com agências de propaganda, inevitavelmente algumas fases acabam sendo repassadas a terceiros, o que abre margem para se trabalhar o associativismo. É o primeiro setor de caráter industrial em todo o Brasil que aplica o estudo de atividade desenvolvido pelo Sebrae.


MovelAção — O consórcio MovelAção, desenvolvido em parceria com o Sindicato da Indústria Moveleira do Grande ABC, é outro exemplo da elaboração de políticas regionais pelo Sebrae. A proposta busca dinamizar a indústria moveleira, uma das mais antigas da região. Verificou-se que o setor começou a direcionar investimentos mais para a vitrine comercial, tinha pouca tecnologia agregada e sentia falta de uma cultura de exportação. A indústria moveleira regional acentuou ao longo dos anos a produção de móveis sob medida, característica que, se por um lado tem mercado definido, por outro apresenta o problema da diversidade de projetos e componentes. Isso acaba encarecendo custos de empresas basicamente familiares e de pequeno porte. A pesquisa e a busca de soluções tecnológicas para o desenvolvimento de um design made in Grande ABC duraram pelo menos três anos e resultaram na exposição das peças do programa no SBC Móveis, entre janeiro e fevereiro de 2003. O MovelAção envolve 10 empresas e todas as peças foram adequadas às normas internacionais. A linha perseguiu funcionalidade e facilidade de montagem dos móveis.

A via da exportação nada mais é do que a busca de novos mercados num segmento cada vez mais competitivo e que conta com novos e dinâmicos pólos moveleiros em Votuporanga, Interior de São Paulo, e em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. “Com a globalização, muitas empresas de fora estão entrando no nosso mercado. Empresas do Rio Grande do Sul já estão até com franquias em São Paulo” — alerta Silvana Pompermayer. 

Para a gerente do escritório Sebrae1, uma iniciativa que deve reforçar o poder de fogo da indústria moveleira do Grande ABC é a criação de um centro de capacitação de mão-de-obra e elaboração de tecnologia. O centro vai surgir com a ampliação das instalações da Escola Almirante Tamandaré do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), em São Bernardo. A idéia é abrigar um centro tecnológico de capacitação a profissionais e de assessoria e consultoria às empresas. Foram dois anos de negociações entre Senai, Sebrae e Sindicato da Indústria Moveleira do Grande ABC. A escola terá mais 500 metros quadrados de instalações para o Centro Tecnológico da Indústria Moveleira, um investimento estimado entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões em obras de adaptações e compra de equipamentos em 2003 e 2004. 


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