Dois fatos simultâneos e antagônicos no final de maio mostram que o Grande ABC ainda não ajustou o tão sonhado foco da regionalidade propositiva. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador Geraldo Alckmin reivindicavam a chegada de um novo produto que atenue o drama dos trabalhadores da Ford em São Bernardo, a Volks consolidava a transferência de São Bernardo para Vinhedo, na Região Metropolitana de Campinas, do centro de distribuição de peças e acessórios que faturou invejáveis R$ 710 milhões em 2002. Enquanto políticos faziam coro pela valorização do Grande ABC automotivo diante de uma platéia de metalúrgicos, a implacável lógica econômica descolava mais um naco da Volks para fora da região.
Não há nada demais no fato de as autoridades máximas do Estado e da Federação buscarem ser simpáticas ao pedir investimentos em uma visita oficial. O problema é que o palavrório ganha ares de marketing político ao desconsiderar as razões objetivas que estão por trás do esfacelamento automotivo do Grande ABC. As montadoras de automóveis descentralizaram produção nos últimos anos não porque são insensíveis à socioeconomia regional, mas porque a região é onerosa em comparação a outros centros produtores e foi bombardeada pela guerra fiscal do regime automotivo federal. O mesmo ocorreu com a cadeia regional de autopeças, praticamente dizimada com a abertura sem medidas às importações. Como o desmoronamento automotivo é uma estrada sem volta, espera-se que o Grande ABC ganhe apoio institucional e recursos financeiros para se reconstruir sobre bases viáveis -- como o setor de plásticos recentemente sugerido em matéria de capa de LivreMercado.
Caso padrão -- A transferência do centro de distribuição de peças de São Bernardo para Vinhedo ilustra algumas deficiências estruturais que recomendam mudança de alvo setorial com suporte intergovernamental. Conforme explicou o diretor da Volks Luc Billet durante lançamento da pedra fundamental em Vinhedo, a decisão foi tomada exclusivamente com base em critérios de economia e produtividade. "Não estamos vindo para Vinhedo apenas porque é mais bonito. A fábrica Anchieta é antiga e não proporciona as condições de competitividade que o mercado moderno exige" -- afirmou.
Luc Billet explica que localização geográfica e ampla malha de transportes são praticamente tudo numa atividade regida pela eficiência logística. O centro de distribuição de Vinhedo está localizado a 76 quilômetros de São Paulo, tem acesso imediato às rodovias Anhanguera e Bandeirantes e está a 12 quilômetros do Aeroporto de Viracopos, o maior terminal de cargas do País. Situação que corresponde à antítese de São Bernardo e outras cidades da caótica metrópole paulista, onde o estrangulamento viário sangra qualquer balanço financeiro. "Vamos economizar de 10% a 20% em custos logísticos" -- calcula Billet.
O diapasão do relacionamento sindical também pesa na balança. Diferentemente de São Bernardo, onde a montadora precisou condicionar a terceirização de empregados à produção local de um novo produto -- o modelo Tupy para exportação --, em Vinhedo o quadro já nasce terceirizado. A Selpa (Serviços Logísticos de Peças e Acessórios) será responsável pelos 600 postos de trabalho do centro de distribuição. Há ainda ganhos extracorporativos que mostram o quanto o Grande ABC está fora de forma na corrida por investimentos automotivos. A Prefeitura de Vinhedo se comprometeu a devolver 50% dos impostos arrecadados pelo centro de distribuição.
Para a Volks a transferência foi um negócio da China. A montadora não precisou desembolsar quantia estratosférica no empreendimento de projetados 132 mil metros quadrados porque o terreno e as obras ficaram por conta da Walter Torre Jr., uma das maiores empreiteiras do País, que trabalhou na construção do complexo industrial da Volks/Audi em Curitiba, no Paraná. A WT investe R$ 100 milhões para erguer o maior centro de distribuição de peças da América Latina. O esvaziamento dos 100 mil metros quadrados em São Bernardo terá início em setembro, quando será entregue a primeira fase da obra com 52 mil metros quadrados. Os 80 mil metros quadrados restantes estão programados para março de 2003.
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