A mistura de criatividade e ousadia começa a dar certo. Mas falta o principal: as incubadoras de empresas do Grande ABC, um dos mais promissores programas de desenvolvimento econômico local, precisam de dinheiro. Sem esse combustível, não há como ressaltar a importância de pequenas empresas que surgem na região, criam tecnologias e começam a gerar empregos e arrecadação. São empreendimentos que fazem novos produtos e já registram patentes, mas precisam de apoio de prefeituras e iniciativa privada para poder encarar o mercado.
Após três anos de atividades, as três incubadoras de empresas do Grande ABC abrigam 28 empresas, cerca de 250 postos de trabalho e faturamento de R$ 1,8 milhão em 2002. São negócios com 84% de possibilidades de sobreviver no mercado, de acordo com dados da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas), um quadro completamente inverso ao do estudo Sobrevivência das Empresas Paulistas de Um a Cinco Anos, do Sebrae São Paulo, que indica que 71% dos empreendimentos não concluem o quinto ano de atividades. Contraditoriamente, são empreendimentos que podem naufragar caso não exista perspectiva de continuidade para seus projetos. A primeira carência é o chamado capital-semente, fundamental para capacitar as empresas a deixarem as incubadoras e enfrentarem o mercado com face própria.
As incubadoras do Grande ABC têm um perfil particular. Ao contrário da maioria dos berços empresariais brasileiros, não surgiu de universidades. Boa parte dos novos empreendimentos são formados por trabalhadores vindos de grandes empresas da região e que aplicaram indenizações em projetos avançados. "São pessoas que têm pequeno capital e vontade de desenvolver, ou já possuem pequena empresa com as primeiras máquinas. A incubadora faz a empresa se estruturar, mas se não tiver capital, não vai tirar o projeto do papel. É a realidade brasileira" -- afirma Alexandre Vancin, gerente da Iesbec (Incubadora de Empresas de São Bernardo), que abriga 11 empreendedores e já coleciona nove patentes produzidas em pesquisas, muito trabalho e pouco apoio. As três incubadoras da região -- em Santo André, São Bernardo e Mauá -- são sustentadas por parcerias que reúnem prefeituras locais, Agência de Desenvolvimento Econômico e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa).
Por causa da falta de financiamentos, a Iesbec decidiu preparar para agosto o 1º Fórum de Tecnologia de São Bernardo. O objetivo é atrair capital de risco e fundos de amparo à pesquisa para consolidar as empresas que surgem nas incubadoras. No Brasil, se investe pouco em tecnologia. Apenas 26% dos aportes vêm da iniciativa privada, enquanto nos Estados Unidos esse número salta para 86%, de acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Outra fonte de recursos são os fundos de amparo à pesquisa como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência e Tecnologia, e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), ligada ao governo do Estado.
Também a Innova (Incubadora de Base Tecnológica de Santo André) busca recursos junto a fundos públicos de fomento. A Innova reúne sete empresas incubadas e contratou o consultor Maurício Susteras, do Cietec-USP (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas da Universidade de São Paulo). Susteras é responsável pela maior parte dos projetos aprovados na linha Pipe (Programa de Inovação de Pequenas Empresas) da Fapesp, que prevê recursos a fundo perdido de até R$ 75 mil.
Pólos tecnológicos -- Outra base de apoio que as incubadoras do Grande ABC precisam é estrutural: os pólos tecnológicos. Costuma-se definir pólo tecnológico como a soma da incubadora, do condomínio industrial e de um centro de pesquisas. O ideal é que, após a fase de incubação, as jovens empresas integrem condomínios industriais onde custos de infra-estrutura sejam rateados entre os empresários. O ambiente do pólo tecnológico também acaba sendo base para a sinergia quase sempre inevitável entre empresas que trabalham com tecnologia.
Com três anos de atividades, era natural que a Iesbec fosse a primeira a necessitar de um pólo tecnológico. Para dar conta da nova etapa, a Prefeitura adquiriu terreno às margens da Via Anchieta, em frente à Volkswagen, com a promessa de abrigar ali o futuro pólo. "O novo prédio da incubadora sai este ano, mas o condomínio será mais fácil de ser erguido em 2004. A construção deve demorar seis meses e teremos capacidade para abrigar 26 empresas" -- prevê o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, José Humberto Celestino Macedo.
Se os planos não forem concretizados, corre-se o risco de as empresas graduadas pela Iesbec optarem por outras bases como o São Paulo ParcTec, pólo tecnológico da USP que promete estar pronto ainda este ano na Capital, dentro do campus da universidade. No ParcTec poderão ser instaladas empresas graduadas em outras incubadoras que não pelo Cietec (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas) da própria USP. Para uma região que não pára de perder indústrias, soa inacreditável ao Grande ABC ver escapar projetos promissores de negócios com perfil tecnológico.
Em Santo André, como a Innova começou a funcionar efetivamente em outubro de 2002, espera-se que a saída de empresas da incubadora aconteça em três anos. Por isso, Roberto Vasquez, coordenador do programa de incubadoras da Prefeitura de Santo André, estima que um parque tecnológico no Município seja projeto para os próximos quatro ou cinco anos. "Esse parque propiciaria enormes ganhos de relacionamento entre empresas" -- analisa.
Já a Incubadora de Empresas de Mauá, que tem 10 empresas nascentes, deve optar por solução mais tradicional e já existente: "Temos o Pólo Industrial do Sertãozinho, que é excelente para colocar essas empresas" -- aposta o gerente Domingos Sávio de Carvalho. Outra alternativa que Mauá estuda são alianças com empresas-juniores, um tipo de associação formada essencialmente por estudantes de graduação que prestam serviços de consultoria e de projetos sob supervisão de professores especializados.
Na contramão dos modelos de incubadoras tecnológicas no Brasil, que surgem das universidades públicas, no Grande ABC as universidades e faculdades particulares podem ser base importante para o desenvolvimento de pesquisas. Escolas como a Engenharia Mauá, UniFEI, Fundação Santo André, Universidade Metodista e UniABC mantêm parceiras com esses berços de empreendedores e integram seus conselhos diretores. É na UniFEI que a empresa Priscila, da Iesbec, desenvolve pesquisas com sua nova base orgânica para tintas que aderem ao alumínio, produto inexistente no Brasil. A base deve ser produzida com soja e pode ser usada, por exemplo, em materiais de uso comum como latas de bebidas e sacos de salgadinhos.
Conhecimento -- "A universidade vive de problemas. Queremos levar para as escolas problemas cuja solução agregue conhecimento. Essas empresas levam para a universidade questões que estão na pauta do dia do desenvolvimento tecnológico" -- afirma o coordenador da Innova de Santo André, Roberto Vasquez. Na Innova, a fase atual é de desenvolvimento de projetos. Vasquez prevê que até o final de 2003 metade das empresas abrigadas na incubadora vá estar comercializando seus produtos. Na Iesbec, numa fase mais adiantada, as 11 empresas faturaram R$ 1 milhão em 2002 e a meta para 2003 é atingir R$ 2,5 milhões. Na incubadora de Mauá o faturamento em 2002 foi de R$ 600 mil e a meta para 2003 é chegar a R$ 1 milhão.
"Se não existir mercado, a gente não incuba" -- afirma taxativamente Alexandre Vancin, gerente da Iesbec, ao definir um dos critérios para aceitar empresas nascentes em São Bernardo. Para Vancin, a análise de um negócio novo tem de ser mais financeira do que técnica. "Um consultor consegue sanar uma deficiência técnica. Mas antes de concluir o projeto, o empreendedor tem de saber quanto vai custar. Se não houver estudo de viabilidade, o risco de o projeto não dar certo é muito grande" -- adverte o gerente da Iesbec, que faz um diagnóstico de mercado para saber como e quanto as empresas da cidade compram. Levantamento parcial já indicou mercados atraentes. "As empresas de São Bernardo consomem anualmente R$ 600 milhões com mangueiras de seis milímetros, que respeitam normas técnicas internacionais. Todo esse material é importado porque o Brasil só produz mangueiras com nove milímetros" -- exemplifica. Para Alexandre Vancin, as incubadoras do Grande ABC devem estar preocupadas em diversificar o mercado. "Quem fabrica autopeça tem tecnologia suficiente para mudar um pouco o foco e fornecer para outros mercados. O setor de autopeças é muito concorrido" -- reforça o gerente da Iesbec.
Exemplo de opção de diversificação é a Jireh, empresa incubada na Iesbec que mesmo com capacidade para produzir autopeças preferiu se dedicar à automatização de fresas e tornos mecânicos. Os equipamentos reformatados exigem mão-de-obra mais reduzida e qualificada. Pela qualidade do serviço, a empresa foi indicada pela Scania para receber o selo QualitService em padrão mundial de treinamento.
E-commerce -- Outro exemplo de diversificação é a Bomshopping, abrigada na Innova de Santo André, que começou com projeto para site de comércio eletrônico e decidiu investir também em sistemas operacionais para sites comerciais e institucionais. O site operacional da Bomshopping permite que clientes atualizem o conteúdo de suas páginas na Internet e possam até vender produtos pela rede. A empresa já tem cerca de 30 clientes, metade de e-commerce e outra parte institucional. Trabalha com escolas, livrarias, videolocadoras, loja de lingerie e até uma multinacional, a italiana Foto Smile, que faz fotos digitais.
Mesmo com dificuldades de financiamento e estrutura para desenvolver projetos, algumas empresas chegaram com sucesso à fase da graduação, quando se desligam das incubadoras. É o caso de duas empresas da Iesbec, a TechParts e a Tervydis. A primeira faz projetos de peças técnicas não fabricadas no Brasil, no que é conhecido como substituição de importações. Com seis funcionários e de malas prontas para se instalar em Santo André, a TechParts monta versões nacionais de peças para os segmentos metal-mecânico, de plásticos e borrachas e de eletroeletrônicos.
A Tervydis surgiu quando o aposentado Alberto Tervydis resolveu fundar sua metalurgia artística, que monta soluções arquitetônicas ousadas. Com seis funcionários, a microempresa vai para prédio próprio em São Bernardo, onde ampliará para 14 pessoas o quadro profissional. "Essa é uma boa solução para o Grande ABC" -- suspira Alexandre Vancin, da Iesbec.
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