Economia

BF desafia o PIB
brasileiro e cresce

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/07/2003

A Bridgestone Firestone do Brasil não se deixa abater com a estagnação econômica: enquanto o PIB per capita marca passo há uma década e a renda nacional submerge na proporção inversa do crescimento do desemprego e do aumento dos impostos, a empresa que completa 80 anos de Brasil e 62 de Santo André não pára de crescer e de apostar em dias melhores. Aos US$ 125 milhões investidos em tecnologia e produtividade nos últimos cinco anos se somarão US$ 50 milhões que devem elevar de 30,5 mil para 34 mil a produção diária de pneus até o final de 2004. Além disso, o faturamento esperado para 2003 é 5% superior ao R$ 1,17 bilhão de 2002, que já havia sido 5% maior que o do ano anterior.

"Com os novos investimentos atingiremos o patamar máximo de produção possível na planta atual. A partir daí, ganhos adicionais dependerão da criação de nova fábrica" -- explica o presidente Eugênio Deliberato, primeiro brasileiro a ocupar o cargo máximo da BF no País e no segmento pneumático como um todo, em outubro de 2001.

A explicação para o comportamento organizacional que destoa da realidade brasileira não está nas exportações, como para muitos gigantes industriais que compensam a baixa demanda doméstica com o apetite voraz das vendas externas turbinadas pelo real desvalorizado. O mercado internacional consome importantíssimos 25% da produção da BF Brasil, mas as exportações longe estão de configurar a justificativa mais convincente. Tampouco o desempenho da indústria automobilística confere suporte a saltos significativos. Afinal, conforme enfatiza o presidente Eugênio Deliberato, a produção nacional de veículos permanece estável a despeito do incremento substancial das exportações das montadoras. "O mercado automotivo tem compensado a queda das vendas no mercado interno com o incremento das exportações" -- observa.

O crescimento das receitas e dos investimentos está lastreado principalmente na estratégia comercial que privilegia o mercado interno de reposição. Na contramão da maioria dos fornecedores de equipamentos automobilísticos que prioriza o fornecimento direto às montadoras, a BF trilha caminho alternativo com especialização no atendimento à frota circulante. Não é à toa que lidera o mercado de reposição com market share (participação) de 28%, à frente de concorrentes como Pirelli, Goodyear e Michelin. No bolo das montadoras de automóveis, comerciais leves, caminhões, ônibus e máquinas agrícolas, a BF abocanha fatia de 21%. "Não só no Brasil, mas no mundo inteiro a reposição é nosso foco" -- explica Eugênio Deliberato. 

A opção preferencial pelo mercado repositor se deve a dois motivos. Oferece margens de lucro mais generosas que as montadoras, cronicamente preocupadas com eliminação de custos especialmente num País em que a ociosidade supera 40% da capacidade instalada, e confere independência de variáveis incontroláveis como a flutuação cambial, por exemplo. A Bridgestone Firestone vence a batalha da reposição com estratégia que converte os revendedores em parceiros totalmente comprometidos com os resultados. Das 600 lojas autorizadas e exclusivas que a marca mantém em todos os Estados brasileiros, 390 já passaram por padronização de instalações, equipamentos e procedimentos que alteraram completamente a percepção dos consumidores em relação aos pontos-de-venda. 

As reformas foram produzidas com participação dos próprios revendedores e também da BF, que além de contribuir com recursos financeiros ainda agiu no universo intangível da mudança de mentalidade. "O pessoal das revendas é treinado e reciclado pelo nosso Departamento de Desenvolvimento Pessoal" -- explica Eugênio Deliberato. 

A preocupação com o padrão arquitetônico e de atendimento das lojas é mais do que compreensível. A totalidade das vendas no mercado interno depende da rede de 600 revendedores que atuam ao mesmo tempo como varejistas e atacadistas: além de atenderem ao consumidor comum, também são responsáveis pelo abastecimento de frotistas e de outros pontos-de-venda das regiões em que estão instalados. Muito mais do que sobrecarga de funções, a duplicidade de funções comerciais representa prestígio aos agentes comerciais. 

"Do setor de pneumáticos somos a empresa com presença mais marcante e robusta no mercado de reposição, e é isso que garante a liderança no segmento" -- orgulha-se Eugênio Deliberato. "Se no passado as vendas eram realizadas em estabelecimentos mais simples, hoje o mercado exige maior sofisticação e qualidade no atendimento. Não há espaço para quem não levar o profissionalismo a sério" -- considera o diretor comercial Milton Barreiro. 


Motorsport -- A articulação especial com a rede de distribuidores também permeia o planejamento de marketing. A exemplo de outras grandes marcas, a BF investe em mídias convencionais, mas a artilharia pesada está consolidada em ações de Motorsport, palavra inglesa para esportes a motor. A BF Brasil é a única empresa do setor que patrocina a Fórmula Truck nacional, além de pertencer ao grupo que figura como um dos principais patrocinadores da Fórmula-1, o maior espetáculo do automobilismo mundial. 

A noção de que imagem e estrutura de atendimento devem andar sempre juntos é o conceito que baliza o entrelaçamento tríplice de lojas, F-1 e Fórmula Truck. "Não adiantaria investir em ações de marketing em Motorsport se, ao chegar a uma revenda, o consumidor não encontrasse o ambiente e o tipo de atendimento condizentes com as promessas embutidas na marca" -- considera o diretor comercial Milton Barreiro.   

O investimento em F-1 é realizado pela matriz da Bridgestone no Japão, mas é óbvio que a subsidiária brasileira colhe muitos frutos com o evento global. Afinal, milhões de brasileiros que acompanham as etapas internacionais pela televisão registram a imagem de arrojo, esportividade, segurança e tecnologia da marca japonesa que se orgulha de figurar como pentacampeã da competição. Nas etapas brasileiras realizadas no Autódromo de Interlagos os dividendos são ainda maiores. Além de faturar com a exposição para o público em geral, a BF Brasil estreita laços com parceiros comerciais levando público selecionado para assistir de camarote.  O Hospitality Center (Centro de Hospitalidade) é uma charmosa tenda para 500 convidados reservada principalmente para revendedores e executivos de montadoras. 

Diferentemente da F-1, na qual a Bridgestone disputa com a francesa Michelin, na Fórmula Truck brasileira a marca reina soberana porque equipa todos os caminhões da competição. A aparente reserva de mercado é espécie de prêmio pelo arrojo. A BF foi a primeira empresa a abraçar o esporte em 1994, quando era renegado por investidores potenciais devido a suspeita de riscos relacionados à segurança. Só depois vieram outras logomarcas, como a Petrobras. "Havia um temor generalizado de se colocar pneus de carga sob condições extremas de uso" -- relata Eugênio Deliberato.

Nove anos depois, a BF usufrui do privilégio de capitalizar sozinha os dividendos de um esporte em franca expansão. As etapas realizadas em Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Distrito Federal, São Paulo e Mato Grosso do Sul atraem média de 50 mil espectadores cada, além de atingir outros milhares através de transmissão ao vivo pela Rede Bandeirantes. "A Fórmula Truck é muito mais simples que a F-1, mas muito mais abrangente para nós. O evento tem participação maciça de proprietários de frotas, revendedores de pneus e motoristas de caminhões e ônibus, público diretamente envolvido com a utilização de nossos produtos" -- observa o presidente.


Laboratório de asfalto -- Além de propagar a marca, o Motorsport embute outra função fundamental: as pistas de corrida servem de laboratório para novas tecnologias aplicadas aos produtos. "É difícil dizer qual dos dois aspectos é mais importante no Motorsport, se o desenvolvimento tecnológico ou a vitrine de marketing" -- afirma Eugênio Deliberato. 

A F-1 impinge desafio tecnológico permanente porque a cada etapa, realizada quinzenalmente, muitas vezes torna-se necessário alterar completamente a composição dos pneus. "A adequação dos produtos a condições climáticas distintas é constante. Muitas vezes o pneu saiu de uma situação de calor tremendo para outra de frio estupendo e com chuva no meio da corrida" -- explica o presidente, que foi piloto de corrida na juventude. 

Além disso, a exposição dos produtos a situações radicais de dirigibilidade proporciona aperfeiçoamentos estruturais que passam a fazer parte das linhas comerciais de automóveis e caminhões. Exemplo é o Bridgestone Potenza GIII, lançado no Brasil no final do ano passado e cujas características de resistência e aderência harmonizam esportividade e segurança.

O cérebro das novas tecnologias fica centralizado em Tókio, no Japão, onde mais de 1,1 mil funcionários dedicam-se exclusivamente ao desenvolvimento de pneus, processos produtivos e até equipamentos de produção. A matriz japonesa atua em sintonia com outros três centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados pelo mundo, sediados na Itália, Estados Unidos e, desde 1993, em Santo André. O papel do South America Technical Center é adequar produtos globalizados às necessidades climáticas e de tráfego acidentado do Brasil e países da América do Sul, tarefa conhecida popularmente como tropicalização. "O Brasil é uma extensão do centro técnico norte-americano de Akron" -- define o diretor Antonio Seta. 

Por conta das atribuições de intercâmbio de conhecimentos, o centro tecnológico é o setor mais globalizado da BF. É capitaneado por Kazuhiro Kevin, vindo do Japão, e frequentemente visitado por estrangeiros. Os 18 brasileiros que atuam no setor de desenvolvimento também viajam frequentemente ao Japão e aos Estados Unidos para trazer know-how ao Brasil. "Neste momento temos três profissionais em treinamento em Tókio" -- comenta Eugênio Deliberato.

O laboratório de testes do centro brasileiro de pesquisa e desenvolvimento é o Campo de Provas da BF em São Pedro, localizado a 230 quilômetros da fábrica de Santo André. O campo de provas está instalado em área de 510 mil metros quadrados, emprega sete pilotos e dispõe de nada menos que 28 tipos de superfície para testes. Trata-se, na prática, de um monumento ao relacionamento com as montadoras, que atuam como coadjuvantes no desenvolvimento dos produtos.

Ao contrário da F-1, na qual pneus são desenvolvidos sob medida para cada etapa, os produtos que equipam a Fórmula Truck são tirados aleatoriamente da linha de produção. "Os pneus usados nas competições são iguaizinhos aos utilizados por quaisquer outros caminhões no Brasil" -- ressalta Eugênio Deliberato, sublinhando a credibilidade agregada pelo desempenho esportivo.

Se a resistência comprovada em condições agudas eleva os produtos a patamar acima de qualquer suspeita, a recíproca também é verdadeira. A performance dos pneus realimenta o centro de desenvolvimento com novas referências para inovações. Uma mão dupla de vantagens técnicas e de marketing que a BF aproveita na plenitude.


Aquisição global -- O pano de fundo da modernização da rede de revendedores, dos investimentos em tecnologia de ponta e produtividade e de todas as transformações que estão redesenhando o perfil da empresa é a aquisição mundial da centenária norte-americana Firestone pela japonesa Bridgestone em 1988. Em meados da década de 90 a planta brasileira de 62 anos entrou em dieta vertiginosa de eficiência para se adequar ao figurino da líder mundial em tecnologia de pneus. Felizmente para um Grande ABC que perdeu 140 mil vagas industriais com carteira assinada desde 1985, a fábrica de pneus de Santo André foi modernizada sem necessidade de tragar empregos. O quadro funcional foi mantido em mais de três mil trabalhadores graças ao pacto de produtividade firmado entre empregados e o ex-presidente Mark Emkes. 

A produção da fábrica de Santo André atingiu 10 milhões de pneus no ano passado. Para 2003 esperam-se 10,8 milhões -- apesar da estagnação econômica e com muito comprometimento dos revendedores. 


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