O dicionário corporativo da Bridgestone Firestone do Brasil pode ser resumido em expressão que carrega conteúdo altamente elucidativo. A incorporação do making it right -- ou Faça a Coisa Certa -- traduz a verdadeira revolução que ocorreu no chão de fábrica da planta de Santo André nos últimos cinco anos. As três palavras de significado aparentemente simples reúnem complexidade suficiente para levar à compreensão do contexto que colocou uma indústria de 80 anos na vanguarda da produção industrial. Após período de renovação tecnológica que modificou ou substituiu 50% dos equipamentos sem provocar demissão em massa, a empresa colhe os frutos de ter depositado as fichas na harmonia da relação entre homens e máquinas.
A face mais visível dos US$ 125 milhões aplicados na modernização da fábrica de Santo André de US$ 50 milhões previstos para os próximos dois anos está nos maquinários de última geração espalhados pela linha de produção. Mas o que se enxerga além da obviedade do primeiro olhar borbulha na mente de 3,4 mil funcionários -- 2,8 mil dos quais no setor industrial -- preocupados em incorporar diariamente os paradigmas de competitividade internacional. Poupado do facão que desembarcou na maioria das empresas da região junto com a globalização, esse batalhão de colaboradores que ostenta em média 15 anos de casa mudou junto com a empresa. As transformações trouxeram ganhos de produtividade que já ultrapassam 30% e colocam a unidade de Santo André no pelotão de elite das 45 fábricas de pneus que a corporação nipo-americana mantém em todo o mundo.
"Pouco adianta ter a melhor tecnologia do mundo se não for possível contar com o comprometimento do funcionário. O sucesso só vem quando se consegue conjugar esses dois fatores" -- entende o diretor industrial Celso Villalva, que trabalha na empresa há 23 anos e enxerga a força da cultura corporativa como componente relevante a ser preservado nos momentos de mudança. Teoricamente, máquinas e ferramentas de qualidade estão ao alcance de qualquer empresa que busca excelência produtiva. O grande diferencial está em transportar a teoria que inunda os manuais de administração para a diversidade reunida no capital humano da corporação.
O Faça a Coisa Certa pode ser entendido como a ferramenta-mãe de gestão disponibilizada para alcançar o ponto de homogeneidade entre o funcionário que chegou há três meses e o que está na casa há 50 anos. O primeiro precisa aprender o trabalho e a cultura da empresa. O segundo tem às vezes experiência de sobra, mas incorporou vícios naturais dos que já fazem parte da família. Por isso, treinamento e informação são palavras-chave que subdividem o macroconceito do Faça a Coisa Certa em inúmeros procedimentos de qualificação e reciclagem profissional adotados pela empresa.
Como concentra aproximadamente 70% da força de trabalho, o setor industrial é o mais envolvido com as ferramentas da qualidade. A Bridgestone Firestone calcula que 65% de todos os investimentos são direcionados ao aprimoramento da qualidade e dos processos. Os funcionários do chão de fábrica já se familiarizaram com termos ingleses e japoneses como kaizen, método de melhoria contínua regado a aprendizado e comprometimento e apontado pelo diretor industrial Celso Villalva como exemplo relevante do trabalho interno que a BF realiza para otimizar a produção.
Os grupos de kaizen reúnem trabalhadores de várias áreas da produção em cursos de 80 horas/aula que aprofundam o debate de metodologias e temas pré-estabelecidos pela empresa. Ao término das aulas, os trabalhadores-alunos apresentam projetos de melhoria e submetem o trabalho a uma comissão de técnicos que julga a viabilidade de implantação. Às vezes são coisas pequenas, só perceptíveis aos olhos de quem vive a rotina do setor, mas que fazem enorme diferença. Tanto que a BF já acatou 60% das sugestões apresentadas, entre as quais a troca de posição do painel de controle de uma máquina. Com a mudança, o botão ficou ao alcance da mão e o operador deixou de abaixar-se continuamente para acionar o comando. "Parece simples, mas evita que o funcionário tenha problemas de saúde no futuro e afaste-se do trabalho" -- explica Celso Villalva.
A sinergia dos colaboradores com o processo produtivo é potencializada também pela TPM (sigla em inglês para manutenção produtiva total). O processo utiliza a lógica do quem usa, cuida, para comprometer o operador com limpeza e manutenção rotineira do equipamento, que em muitos casos depende apenas do reaperto correto de parafusos. Sempre após treinamento e em horários estabelecidos durante o turno de trabalho, cada funcionário passa a cuidar de três máquinas e a identificar o que os japoneses chamam de chokotei, ou pequenas perdas. Em oito meses, a técnica permitiu reduzir de 7% para 1% o tempo de parada das máquinas por causa de materiais que enroscam, mau contato na fiação e outros detalhes que comprometem o fluxo de produção. Há ainda o SZD (sigla em inglês para Defeito Zero), no qual 22 subgrupos compostos por supervisores e líderes montam vigilância constante na captura de erros, o que evita retrabalho e desperdício.
Todos esses processos têm ligação estreita com a ginástica laboral coordenada por duas fisioterapeutas, que orientam os exercícios físicos 15 minutos antes do expediente. A participação não é obrigatória, mas a adesão de 90% é outro forte indicador do grau de interatividade da fábrica de Santo André. A ginástica ajuda a prevenir lesões por esforços repetitivos e funciona como canal permanente de transmissão de informações, principalmente sobre segurança. A fábrica reduziu drasticamente o número de acidentes de trabalho com afastamento e vários departamentos já estão há mais de três anos sem registrar qualquer tipo de ocorrência.
Capital humano -- Todas as atividades desenvolvidas no chão de fábrica para valorizar o capital humano configuram-se como suporte essencial à assimilação de uma tecnologia com inovação quase diária. A mais recente novidade consumiu US$ 3 milhões na instalação da nova linha de extrusão para pneus radiais, que entra em operação total até o final do mês. O maquinário é um gigante com quase 300 metros de comprimento que vai otimizar em 25% a etapa de produção da banda de rodagem, a parte do pneu que tem contato com o solo. A economia de tempo é resultado da fusão de três fases do processo em uma única etapa e de controle computadorizado que utiliza sensores a laser para monitorar o material que está sendo produzido. Com isso, eventuais ajustes são realizados automaticamente, o que confere maior uniformidade do produto.
A extrusora foi desenvolvida na matriz da Bridgestone japonesa, em departamento de 1,1 mil especialistas. A excelência técnica garante confidencialidade e coloca a fábrica de Santo André no centro de atenção dos cérebros escolhidos a dedo para projetar melhorias em todas as unidades da corporação. A planta brasileira disputou o maquinário em espécie de concorrência interna com as subsidiárias da Espanha, Estados Unidos, Japão e México. Venceu porque vem superando diariamente os desafios da produtividade e foi considerada apta a colocar a novidade em operação. "Ouço dos japoneses que o povo brasileiro é muito receptivo às novas tecnologias" -- entusiasma-se o diretor industrial Celso Villalva. "Estamos investindo fortemente na modernização da Bridgestone Firestone do Brasil com o que há de mais avançado em sistemas de produção. O objetivo é consolidar no Brasil a liderança tecnológica que temos no mundo" -- reforça o vice-presidente executivo Hideki Yurino.
A chegada da extrusora também caminha na contramão da tecnologia que desemprega. A máquina trouxe junto sete novos postos de trabalho e segue a filosofia de evitar o sacrifício humano para alcançar resultados. A BF é uma das únicas fábricas no Brasil, e provavelmente no mundo, que conseguiu modernizar-se e manter estável o quadro de funcionários. O turn-over de 2% e o saldo positivo de 300 contratações em 2002 são índices mais do que satisfatórios em tempos em que as placas de Admite-se sumiram da praça e a taxa de desemprego chega a 20% em toda a Região Metropolitana de São Paulo.
No final dos anos 90 a planta de Santo André, no entanto, correu o risco de entrar para o mapa da desindustrialização regional e seguir o caminho da descentralização do setor automotivo. Enquanto concorrentes diretos como Pirelli e Goodyear optaram pelo refluxo de investimentos em São Paulo e fincaram os pés no Rio Grande do Sul para estarem perto das montadoras, a BF desafiou o Custo ABC e tornou-se exceção entre as grandes empresas que permaneceram na região. A combinação de investimentos em tecnologia e em processos decepou quase dois terços do efetivo industrial do Grande ABC na última década.
A BF rompeu com esse enredo porque apostou no aprimoramento das relações capital-trabalho e detectou que a fábrica tinha possibilidades de eliminar diferenças tributárias e de custos de mão-de-obra com ganhos de competitividade de trabalhadores moldados para produzir pneus com qualidade. A empresa estava certa. Os salários continuam superiores aos do mercado, mas a diferença já é compensada pelos 30% a mais de produtividade alcançados nos últimos anos.
Uma das mudanças introduzidas e perpetuadas pelo atual comandante Eugenio Deliberato é o encontro dos funcionários com o presidente. A iniciativa é um dos mecanismos de convivência que ajudam a detectar indicadores de satisfação, imagem, reconhecimento e comunicação. "A Bridgestone Firestone não trabalha a curto prazo, por isso temos a oportunidade de tirar o máximo proveito dessa forte cultura corporativa e trabalhar nos pontos que ainda apresentam falhas" -- analisa o diretor de Recursos Humanos, Adalberto Brathwaite.
Comitê de Conciliação -- A BF também conseguiu profissionalizar o relacionamento com o outrora beligerante Sindicato dos Borracheiros e foi pioneira na implantação do Comitê de Conciliação para tratar de ações trabalhistas. Todo funcionário demitido que tenha qualquer dúvida sobre valores indenizatórios é orientado a procurar o Comitê, que funciona na sede do sindicato. A iniciativa resultou em diminuição significativa de processos trabalhistas e fornece radiografia que permite investigar a origem da reclamação e corrigir eventuais erros.
Dentro desse contexto que mescla tecnologia, experiência e respeito ao funcionário, o Departamento de Recursos Humanos abdica da função meramente burocrática e administrativa para tornar-se protagonista do planejamento estratégico. Adalberto Brathwaite comemora os resultados obtidos até agora e reconhece que ainda há importantes caminhos a desbravar. "A maioria já incorporou o espírito de equipe, do cumprimento de metas e do fazer a coisa certa, mas a visão sistêmica do negócio ainda precisa ser muito trabalhada" -- explica o executivo. Não à toa, a BF fixa nos quadros de aviso organogramas nos quais o cliente aparece no topo da pirâmide. A peculiaridade funciona como artifício para despertar a imprescindível reflexão sobre a figura mais importante na hierarquia da empresa.
A Bridgestone Firestone do Brasil fabrica 30 mil pneus diariamente na planta de Santo André. Desse total, 50% abastecem o mercado de reposição, 25% são exportados e 21% equipam os veículos originais de praticamente todas as montadoras sediadas no Brasil. O restante da grade de produção é preenchido com pneus para uso especial nos setores agrícola e florestal, além de câmaras de ar, protetores e molas pneumáticas.
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