Economia

Um presente de
grego da Volks

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/10/2003

Uma constatação boa e outra má manifestaram-se no painel de encerramento sobre Arranjos Produtivos Locais, os chamados APLs, dedicado às experiências do Grande ABC. A boa é que pela primeira vez o setor automotivo tradicionalmente refratário às discussões regionais se fez presente com a participação do gerente executivo de Recursos Humanos da Volkswagen do Brasil, Caiubí Miranda. A má é que as intenções do executivo trafegam na mão oposta à dos defensores da regionalidade. 

Depois de ouvir várias referências positivas à participação inédita de um executivo de montadora em evento da Agência de Desenvolvimento Econômico, Caiubí Miranda solicitou o microfone para desfilar um rosário de reclamações corporativas e setoriais. Queixou-se da queda da rentabilidade da montadora no País, da concorrência exacerbada, da necessidade de reduzir custos e, no final do discurso de sensibilização, convidou a Agência de Desenvolvimento a ajudar a Volkswagen na indigesta tarefa de encontrar novos empregos para parte dos quase quatro mil funcionários excedentes dos quais pretende se desligar por meio da recém-criada Autovisão -- metade alocada na fábrica Anchieta. 

"A Volks não precisa desses empregados, que poderiam ser absorvidos por incubadoras de empresas e outros projetos que a região pretende estimular" -- sugeriu Caiubí, surpreendendo a platéia e os expositores que enxergavam sua presença como parte da solução esperada, e não como mais um problema a ser resolvido. A invertida do executivo da Volks mostra como o desenvolvimento econômico impulsionado por multinacionais pouco comprometidas com a comunidade regional custou caro no longo prazo. Mas nem tudo foi espinhos no painel específico sobre o Grande ABC. Para quem acompanha a Agência de Desenvolvimento desde os primeiros passos, satisfaz notar que o viés triunfalista de algumas lideranças cede espaço ao realismo de resultados. 

O secretário executivo da Agência de Desenvolvimento, Paulo Eugênio Pereira, lembrou que a esperada recuperação do Grande ABC não prescinde de suporte financeiro federal, agora mais viável, na visão do executivo, com um presidente da República originário da região. "A maior prova de que passamos a ser ouvidos em Brasília é a participação da Finep neste evento" -- lembrou Paulo Eugênio, referindo-se à Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia. A Finep desembolsou quase R$ 62 milhões em 105 projetos de fortalecimento de arranjos produtivos espalhados pelo País e lideranças do Grande ABC esperam que o órgão governamental libere verbas para a região, que perdeu 39% de geração industrial com a abertura comercial dos oito anos de governo FHC. 

Paulo Eugênio também não economizou no realismo ao apontar a mobilização social -- que LivreMercado chama de capital social -- como caminho obrigatório para superar dificuldades socioeconômicas. "O Grande ABC sempre teve desenvolvimento exógeno, impulsionado pelas montadoras e empresas do pólo petroquímico. Chegou a hora de apostar no desenvolvimento endógeno, de dentro para fora, por meio do envolvimento conjunto entre poder público, iniciativa privada, sindicatos de trabalhadores, entidades como Senai e Sebrae, além de escolas e universidades" -- conclamou o executivo. 

Entre as ações no alvo da agência, Paulo Eugênio citou o recém-lançado planejamento estratégico que prevê quatro linhas de atuação: sistema de informações, marketing regional, apoio às empresas e trabalho de qualificação profissional. Paulo Eugênio mostra-se especialmente preocupado em ampliar a densidade institucional da Agência com atração de novos participantes e acredita que resultados nessas quatro linhas de atuação servirão como chamariz aos que ainda não aderiram e também aos desertores.  

Realismo prospectivo -- A visão do secretário de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura de Santo André, Jeroen Klink, também é marcada pelo realismo prospectivo de quem encara a constatação das dificuldades como pré-requisito de reação coordenada. Nem poderia ser diferente, já que o holandês naturalizado brasileiro nunca pactuou com as manipulações do estatístico João Baptista Pamplona quando esteve à frente do braço de pesquisas da Agência de Desenvolvimento Econômico. 

Depois de dar uma aula sobre o papel integrador e indutor dos governos locais no contexto da globalização, Jeroen posicionou a região no cenário nacional e internacional. "O Grande ABC passou por momento extremamente difícil na década de 90. Forças centrífugas da globalização fraturaram as principais cadeias produtivas e desestruturaram a região. O sistema que foi construído com bastante dificuldade durante o período de substituição de importações foi aberto abruptamente, sem políticas compensatórias, e o rebatimento dessa abertura foi dramático sobre o território do Grande ABC" -- disse o especialista em regionalidade, que também é professor do Imes, de São Caetano.

Jeroen Klink detalhou o conceito de fratura de cadeias produtivas, dizendo que, apesar da indiscutível modernização e do aumento de produtividade das empresas que sobreviveram, o conjunto dos pequenos e microempreendimentos não conseguiu se adaptar ao processo vertiginoso da globalização. Exemplo de fratura deu-se nas relações de fornecimento de autopeças. Centenas de pequenas empresas familiares sucumbiram à competitividade de companhias internacionais, muito mais preparadas e atraídas pelas montadoras segundo a lógica do global sourcing (suprimento global). 

Cooperativismo -- Foi justamente para não submergir no cenário de competitividade internacional que empresas independentes da área de moldes e matrizes resolveram se associar e criar a Usion Metalúrgica. A experiência exposta pelo diretor Ricardo de Abreu Barbosa mostra que é possível encontrar exemplo de cooperativismo e complementaridade no universo produtivo historicamente fragmentado do Grande ABC. 

Sediada no Bairro Cooperativa, em São Bernardo, a Usion foi criada em janeiro de 2002 por proprietários de cinco pequenas ferramentarias de São Bernardo e Diadema que somam 383 empregados: Kayac, Prodemol, Promodel, Taurus e HR, da qual Ricardo é sócio. A nova empresa consumiu R$ 1,8 milhão em instalações e equipamentos e surgiu da disposição de ingressar no mercado de ferramentaria de grande porte, normalmente dominado por multinacionais. Sozinhos, os empresários não tinham condições de investir.

Além de estabelecer unidade de negócio específica para projetos de grande porte, as cinco empresas passaram a atuar em sistema de complementaridade produtiva para atender pedidos inacessíveis em carreira solo. 

"As empresas são independentes, concorrem entre si, mas também atuam sinergicamente quando necessário. A importância da cooperação se faz notar principalmente no cumprimento de prazos de entrega. Prazos representam variável crítica nesse mercado, já que ferramentas e moldes entram na primeira fase do processo industrial e a renovação das linhas de produtos é cada vez mais rápida" -- observou Ricardo Barbosa, que estima em 30% o crescimento do faturamento desde que as empresas passaram a atuar em sinergia. As controladoras da Usion são as principais candidatas ao projetado pólo regional de moldes e ferramentaria, cuja implentação esbarra na falta de espaço para instalação conjunta. 

Na condição de segundo segmento mais importante do Grande ABC, atrás apenas do metal-mecânico, a indústria química e de transformação de plástico foi representada por dois expositores no painel regional: Heli Vieira Alves, diretor do Sindicato dos Químicos do ABC, e Giorgio Guardalben, diretor da Poliembalagens, instalada no Pólo de Sertãozinho, em Mauá. 

Giorgio Guardalben deu uma pincelada na história do setor petroquímico brasileiro desde a criação do pioneiro Pólo de Capuava, em 1972, passando pelo surgimento dos pólos de Camaçari, na Bahia, e Triunfo, no Rio Grande do Sul, até o do Rio de Janeiro, com obras em andamento e que deve entrar em operação em 2005. Também traçou um perfil territorial das indústrias de terceira geração, segundo o qual Diadema tem 49% das empresas, São Bernardo 21,4%, Santo André 11,7%, São Caetano 10%, Mauá 5,4%, Ribeirão Pires 0,5% e Rio Grande da Serra 2%. 

O empresário ficou devendo análise sobre um ponto nevrálgico da cadeia petroquímica: a influência dos limites da capacidade produtiva da empresa-mãe PQU na competitividade das empresas de terceira geração, uma vez que escala de produção é fundamental no negócio de commodities petroquímicos. À Heli Vieria Alves, do Sindicato dos Químicos, coube a melhor definição do Grande ABC em relação ao tema do seminário. Ele comparou o futuro da região à arte chinesa do tangram, quebra-cabeça com o qual é possível montar figuras com peças de diferentes formas geométricas. "A viabilidade do arranjo produtivo depende da forma como nos movimentarmos" -- disse.

O diretor do Senai Mario Amato de São Bernardo, Milton Gava, também integrou o time de expositores regionais. Ele falou basicamente dos trabalhos da escola a um arranjo produtivo de 15 empresas cerâmicas da região de Vargem Grande do Sul, no Interior de São Paulo. A experiência em diagnóstico de problemas e prescrição de soluções setoriais poderia ser aproveitada dentro de casa, já que o Senai Mario Amato é especializado em plástico e química, além de referência nacional em tecnologia cerâmica. 



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