Economia

Osasco se salva no
ninho metropolitano

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/11/2003

Incumbido de administrar uma das cidades mais complexas e populosas do País, o prefeito Celso Giglio tem um bom motivo para afrouxar o nó da gravata e comemorar: Osasco pode ser considerada uma feliz estranha no ninho de deterioração produtiva em que se transformou a Grande São Paulo de 39 municípios e 18 milhões de habitantes. A cidade é a única tradicionalmente industrial da Região Metropolitana que contabilizou aumento real de Valor Adicionado na comparação entre dezembro de 1995 e dezembro de 2002. A taxa de crescimento foi de expressivos 8,9%.  

Trocando em miúdos: num período fortemente marcado pela desmobilização produtiva de velhos centros urbanos, detonada por fatores tão distintos quanto a globalização econômica, o inchaço dos custos produtivos e a guerra fiscal que magnetizou investimentos em direção ao Interior, Osasco é a única no pelotão de elite das cidades a encorpar o Valor Adicionado, principal indicador de riqueza produtiva de uma localidade.

Por que os 670 mil moradores e o prefeito Celso Giglio podem respirar aliviados, ao contrário de administradores de outras grandes metrópoles com motivos de sobra para ficarem alertas? Simples. Valor Adicionado é o critério mais importante utilizado pelo governo do Estado para repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), com peso de 76%. Significa que quanto mais Valor Adicionado um Município gera, maior a participação na cota-parte de ICMS. E o ICMS representa tradicionalmente a maior fonte de recursos financeiros no balanço de cidades de médio e grande portes.  

O VA de Osasco saltou de R$ 1,8 bilhão em dezembro de 1995 para R$ 4,3 bilhões em dezembro de 2002 -- aumento real de 8,9% ao deflacionar a cifra pelo IGP-M. Para que se tenha idéia de como a performance econômica de Osasco é incomum e justifica a expressão de feliz estranha no ninho da metrópole, alguns números são elucidativos. No mesmo período dos últimos sete anos até 2002, as perdas dos principais municípios do Grande ABC foram de 23,6% em Santo André, 34,5% em São Bernardo e 39,8% em São Caetano. Além disso, o Valor Adicionado de Guarulhos encolheu 18,1% e o da Capital paulista ficou 5,3% menor. 

O principal motivo para a performance notável em meio à crise tem oito letras: Rodoanel. A conclusão do primeiro trecho do megaanel viário na face oeste da Região Metropolitana foi o grande chamariz para que dezenas de empresas se instalassem em Osasco.

Aliás, antes da inauguração do trecho oeste em outubro de 2002, e mesmo antes do início das obras em outubro de 1998, Osasco já havia começado a colher os frutos da nova condição viária. O simples anúncio de que o governo estadual estava finalmente determinado a materializar um corredor viário que privilegiasse o deslocamento rápido de produtos e serviços foi suficiente para atrair investidores que conhecem a importância do fator logístico na competitividade empresarial. "Com o Rodoanel, Osasco se transformou na melhor esquina do Brasil" -- sintetiza o prefeito tucano Celso Giglio, que administrou a cidade pela primeira vez de 1993 a 1996. "Dos 32 quilômetros do traçado oeste, 20 margeiam a cidade" -- saúda.

A afirmação pode ser confirmada na prática. Entre as grandes empresas instaladas no período que coincide com as discussões e obras do Rodoanel, figuram o parque gráfico do jornal Diário de São Paulo, o maior centro de distribuição de bebidas da América Latina pertencente à Panamco do Brasil, os centros de distribuição do Carrefour e do Pão de Açúcar, que juntos somam mais de 200 mil metros quadrados de área construída, o complexo de cidades cenográficas da rede televisiva SBT, além do condomínio de fornecedores do McDonalds chamado de Food Town (Cidade da Comida, em inglês). 

A estrutura do Food Town engloba frigorífico, panificação e setor de embalagens para atender centenas de lojas da região Sul e de parte do Sudeste brasileiro. "Todos esses empreendimentos foram instalados às margens da Rodovia Anhanguera, a poucos quilômetros do acesso ao Rodoanel" -- confirma o secretário de Planejamento e Gestão e vice-prefeito, Angelo Melli.

Diferentemente do parque gráfico do Diário de São Paulo ou dos fornecedores McDonalds, que buscaram grandes áreas nas bordas da cidade, outras corporações de grande e médio porte se instalaram principalmente no distrito industrial da zona norte. Foram pelo menos 13 novas empresas nos últimos dois anos, entre as quais Iberograf Formulários, Osasfer Ferros e Metais, Arpol Tintas e Laboratórios Sklean.

A ocupação industrial da zona norte exemplifica a importância de se adicionar vantagens locais de competitividade ao atrativo maior e exógeno representado pelo Rodoanel. Todas essas empresas se instalaram nos arredores da Avenida Doutor Alberto Jackson Byngton, uma das artérias alargadas pela administração municipal a fim de facilitar o escoamento de produtos.

A capacidade que o Rodoanel exibe para vitaminar a economia de Osasco mostra o quanto administradores públicos do Grande ABC estão dormindo no ponto ao não tomarem posição mais firme e decidida em relação ao prazo das obras na região brasileira que mais acusou perdas de riquezas produtivas na última década. O ABC deixou passar a oportunidade de se mobilizar para que o Rodoanel começasse pelo trecho sul, cujo projeto contempla a região, e agora testemunha a extensão do cronograma para o traçado.   

Sem o Rodoanel, o Grande ABC já perdeu 31% do Valor Adicionado no comparativo em que Osasco registra ganhos de 8,9%. A média de perda do ABC foi três vezes maior que a registrada pelo restante da Grande São Paulo, de 10,2%, conforme levantamentos do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos).

A bem da verdade, Osasco já usufruía de condições logísticas favoráveis antes mesmo de o Rodoanel chegar. A cidade está incrustada na Capital, mas tem ligação rápida com o Interior do Estado porque é cortada pelas rodovias Castelo Branco, Raposo Tavares e Anhanguera. Bem diferente da situação dos municípios do Grande ABC, a partir dos quais é obrigatório enfrentar o caótico trânsito da Capital antes de se chegar a Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e outras regiões em crescimento.


Incremento providencial -- O incremento do Valor Adicionado de Osasco é providencial porque não faltam demandas sociais na cidade de 66,9 quilômetros quadrados e 670 mil habitantes. Aos menos avisados, a posição de destaque como 10º Município paulista mais rico pelo ranking do Valor Adicionado pode causar a mesma miragem de pujança econômica que fez com que a indústria automobilística mundial investisse exageradamente no País continental de 170 milhões de habitantes. 

Assim como o Brasil, Osasco é rica quando vista como um todo. Mas essa riqueza se torna rarefeita na medida em que é pulverizada pela totalidade da população e sintetizada no indicador per capita, que é mais fidedigno para refletir o bem-estar social e a qualidade de vida. A realidade é bem retratada pelo posicionamento de Osasco no ranking do IDEE (Índice de Desenvolvimento Econômico Equilibrado) concebido pelo IEME, que mensura os principais indicadores de riqueza em base per capita. Osasco ocupa a 37ª posição entre os 55 municípios mais importantes do Estado porque ficou em 38º lugar em Valor Adicionado, 37º em arrecadação de IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), 21º em ISS (Imposto Sobre Serviços), 14º em inclusão digital e 34º em potencial de consumo aferido pela Target Marketing e Pesquisas. 

A raiz da diluição estatística das riquezas de Osasco é a presença maciça de população pobre estabelecida principalmente durante os anos dourados da industrialização da Região Metropolitana. Os 670 mil habitantes em área de apenas 66,9 quilômetros quadrados fazem de Osasco a quinta cidade mais populosa do Estado de São Paulo, atrás apenas da Capital, de Campinas, São Bernardo e Guarulhos -- além de um dos territórios de maior densidade demográfica do País.

Fica claro que a realidade socioeconômica de Osasco é muito mais parecida com a de outros municípios metropolitanos de São Paulo marcados pela exclusão social do que com a de São Caetano, primeira colocada no ranking do IDEE. Com apenas 15 quilômetros quadrados e 140 mil habitantes, São Caetano está praticamente pronta há mais de duas décadas e só precisa se cuidar para que General Motors e Casas Bahia nunca deixem de ser as meninas-dos-olhos das finanças municipais. Osasco é bem diferente, porque há um manancial inesgotável de demandas sociais à espera de intervenções públicas. 

O Fundo Social de Solidariedade administrado pela primeira-dama Glória Giglio se desdobra para atender um exército de excluídos que diariamente bate à porta da Prefeitura em busca de tudo que se possa imaginar. Na seara habitacional a atual administração investe pesado em urbanização de favelas para levar asfalto, guias, sarjetas, água e energia elétrica a oito mil famílias depois de empreender esforço semelhante durante os anos 90. E nas áreas de saúde e educação a ordem também é fortalecer continuamente as estruturas de atendimento. Em síntese, Osasco é um canteiro de obras.


Disposição -- A favor de Osasco está -- além do Valor Adicionado incrementado pelo Rodoanel -- a disposição incomum do prefeito Giglio para acompanhar de perto as intervenções do poder público. Celso Giglio não integra a categoria prevalecente de executivos públicos que vivem encapsulados em gabinetes sem se preocupar em tomar o pulso do território sob suas responsabilidades. Pelo contrário. Semanalmente o prefeito visita obras e repartições públicas para conferir a quantas anda a administração. São as chamadas vistorias, nas quais segue acompanhado pelos principais secretários de governo e assessores.

"A burocracia inibe e impede que se realize a vontade do administrador. É muito evidente no setor público que o distanciamento impede que as coisas aconteçam com mais rapidez" -- observa Celso Giglio, cuja carreira política é diversificada: foi vereador e presidente da Câmara de Osasco, deputado estadual e deputado federal, além de prefeito em segundo mandato. 

As vistorias assumem conotação de despachos ambulantes porque os assessores vão munidos de papel e caneta para tomar nota das decisões durante a passagem por obras de urbanização, canalização de córregos e construção de escolas e postos de saúde. Nessas visitas, o prefeito também conversa com moradores e comerciantes. Ele aproveita as boas idéias seguindo a mesma lógica pela qual uma empresa implanta novos serviços sintonizada com os resultados de pesquisa qualitativa. 

Engana-se redondamente quem imagina que Celso Giglio é do tipo que se preocupa apenas com o varejo da administração pública. Além de vestir a camisa de Osasco, o prefeito é presidente da Associação Paulista de Municípios, cuja maior bandeira é a defesa de uma relação mais justa entre prefeituras, Estado e União. "O grande problema é que os municípios acabam absorvendo setores da alçada dos outros entes federativos sem a devida contrapartida financeira" -- sublinha o prefeito, que cita estruturas criadas para qualificação profissional e oferta de oportunidades de empregos como exemplos de questões extramunicipais e que dependem de fatores de ordem macroeconômica. Parte de suas idéias pode ser encontrada nos livros Municípios e Municipalismo -- História e Desafios Para o Século XXI, e Municípios -- Idéias, Reflexões e Expectativas.  


Mais receitas próprias -- O ICMS representará cerca de R$ 135 milhões dos R$ 420 milhões que Osasco planeja arrecadar até o final deste ano. Os R$ 285 milhões restantes virão principalmente por meio de IPTU (Imposto Predial, Territorial e Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços), cuja arrecadação foi substancialmente elevada por conta de mais rigor na fiscalização. 

O secretário da Fazenda, Francisco da Rocha, explica que em 2003 Osasco arrecadará R$ 102 milhões de IPTU, valor muito superior aos R$ 62 milhões registrados em 2001, quando a atual administração assumiu. A explicação está no cadastramento de seis milhões de metros quadrados sobre os quais não incidia imposto. A área equivale a nada menos que 60 mil residências de 100 metros quadrados. "Descobrimos uma outra cidade dentro de Osasco" -- ilustra Francisco da Rocha, referindo-se ao universo de novos pagantes, entre os quais imóveis em áreas recém-urbanizadas. Já a arrecadação de ISS saltará de R$ 2 milhões para pouco mais de R$ 4 milhões entre 2001 e 2003. 

Mesmo sem sofrer reveses financeiros à reboque do Valor Adicionado, ao contrário dos demais grandes municípios metropolitanos de São Paulo, Osasco segue a trilha de ampliação de receitas próprias para fortalecer os cofres numa conjuntura em que a queda geral da atividade industrial afeta os repasses estaduais. A racionalização do recolhimento de impostos próprios caminha paralelamente à racionalização dos gastos públicos, já que Osasco figura em quinto lugar no ranking do Índice de Eficiência Municipal compilado pelo Instituto de Estudos Metropolitanos. Entre as 55 cidades paulistas mais importantes do Estado, ficou atrás apenas de Limeira, Araras, Indaiatuba e Botucatu no indicador formulado a partir do cruzamento de gastos por morador com funcionários do Legislativo e do Executivo, além de arrecadação do IPTU parametrizada ao potencial de consumo. 

O funcionalismo público do Executivo custou R$ 270 para cada habitante de Osasco em 2001, muito menos que os R$ 2,017 mil per capta da recordista Paulínia, que os R$ 1,053 mil da vice-lanterna Cubatão, que os R$ 880,69 de São Sebastião ou os R$ 821,63 de São Caetano. Já o Legislativo custou R$ 20,87 para cada habitante de Osasco em 2002, gasto que garantiu a 18ª posição no índice geral e a melhor colocação entre as grandes cidades metropolitanas. Saiu-se bem melhor que a mais dispendiosa Paulínia, que gastou R$ 251,69 por habitante; Cubatão, com R$ 107,14; São Sebastião, com R$ 79,71, e São Caetano, com R$ 68,93. 


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