Numa conversa preliminar durante o encontro dos conselheiros especiais com o prefeito Paulinho Serra há duas semanas no Paço Municipal de Santo André me dei conta de que se espalha a fama de que sou jornalista dos números. Isso não é bom, mas também é bom.
Foi o próprio prefeito a identificar assim, como espécie de cartão de credibilidade de informações. Acho que foi isso que ele quis dizer -- até porque os demais participantes da reunião pareceram concordar.
Aproveito a dica do prefeito de Santo André para revelar novos números estarrecedores: depois de acumular vantagem de 56,44% sobre o conjunto formado por Guarulhos, Barueri e Osasco em 1976, fomos ultrapassados no ano passado no repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), indicador que tem tudo a ver com o PIB (Produto Interno Bruto).
Sintetizando o que vou explicar em seguida: estamos fritos e mal pagos. Perdemos o jogo da competitividade dentro da Região Metropolitana de São Paulo que, todos sabem ou deveriam saber, perdeu muitas posições no ambiente do território paulista.
Quem acha que o fluxo de veículos e a enchente de trabalhadores nos trens em direção à Capital no começo do dia e de retorno no fim da tarde são brincadeirinhas de gente que adora engarrafamento e esfrega-esfrega precisa de terapia urgente.
Quatro décadas de perdas
Antes de seguir adiante devo dizer que não é de agora que descobri que fomos ultrapassados pelo G-3I (como identifico há muito tempo aqueles três municípios à Oeste e à Leste da Grande São Paulo). A novidade é que agora recolho dados inéditos, relativos a meados dos anos 1970. Dados que enfatizam ainda mais o contraste de comportamento da economia do Grande ABC e de seus mais diretos concorrentes.
Quanto maior o tempo que separa o passado do presente para confirmar tendências, mais se consolida a necessidade de se definirem e se aplicarem políticas públicas de desenvolvimento econômico.
Volto ao tema do desempenho histórico da economia do Grande ABC toda vez que leio alguma coisa que pretende, nas entrelinhas ou escancaradamente, dourar a pílula dos desarranjos regionais. No caso, o Diário do Grande ABC publicou ontem os resultados da Consultoria IPC sobre o potencial de consumo da região.
Comparou os dados deste ano com os do ano passado. Jogou a escanteio a correção monetária ditada pela inflação do período e tratou festivamente o quinto lugar da região no ranking nacional, como se no passado não tivéssemos sido terceiros colocados.
Ou seja, uma bobagem e tanto, porque para valer mesmo o quinto lugar não existe quando se observa o conceito de que os sete municípios são apenas um. Outras áreas contíguas ou não tão contíguas (Grande Campinas, Grande Porto Alegre, Grande Salvador, por exemplo) são desprezadas.
No fundo, o que se pretende é encher a bola de uma região que sofre o diabo para perder menos riqueza a cada temporada.
Desindustrialização evidente
Mas vamos ao que mais interessa e que somente meus arquivos pessoais (pessoais coisa nenhuma, são arquivos profissionais mesmo!) são capazes de atender à curiosidade.
Quem tem disponível o balanço do ICMS dos principais municípios paulistas desde os anos 1970? Ninguém. Absolutamente ninguém. Achei a preciosidade entre as mais de duas mil pastas identificadas por tema. Não resisti ao confronto.
Sabem lá o que é perder 56,44% de participação relativa no mapa de repasse do ICMS no Estado de São Paulo? É muita coisa. E foi exatamente isso que perdemos nos últimos 41 anos, entre 1976 e 2017.
E vamos continuar a perder, porque o peso relativo do Valor Adicionado é de 76% na definição do índice de participação estadual. Valor Adicionado é tudo que se transforma em produtos e serviços. População, Receitas Próprias, Área Cultivada e Área Inundada completam a equação. Ou seja: esses 24% complementares raramente provocam distorções que possam inviabilizar a garantia de que, sobretudo a indústria de transformação, na maioria dos casos, faz a diferença.
Do outro lado
Enquanto o Grande ABC perdia tudo isso, ou seja, 56,44% de participação relativa no Estado, as vizinhas Osasco, Guarulhos e Barueri avançaram 49,89%.
Não preciso dizer que o salto relativamente maior se deu após a inauguração do trecho sul do Rodoanel Mário Covas, obra sobre a qual o então governador Geraldo Alckmin assentou tijolos da demagogia barata ao alegrar provincianos com o mote fajuto de que São Bernardo se transformaria na melhor esquina do País. Quanta bobagem!
Com essa reviravolta histórica registrada no Índice de Participação dos Municípios, Osasco, Barueri e Guarulhos emplacaram em 2017 vantagem de 2,69% sobre o Grande ABC.
E vão alargar a diferença a cada ano porque somos o fim da estrada em competitividade econômica quando em confronto com outras áreas do Estado, mesmo os vizinhos mais próximos.
Prova provada
Para não dizerem que estou chutando, vamos aos números. Em 1976, o Índice de Participação do Grande ABC na distribuição do ICMS no Estado de São Paulo era de 14,81% -- contra apenas 4,41% de Osasco, Guarulhos e Barueri. Quarenta e um ano depois caímos para 6,45% e o G-3I subiu para 6,61%. Essa inversão de números é emblemática, mas há um caso específico que vale a pena mencionar.
Trata-se de Barueri cujo avanço se iniciou pelos descaminhos da guerra fiscal, motor de arranque de uma virada espetacular que, mais adiante, se tornou muito menos relevante. Em 1976 a economia de Barueri era praticamente nada, com participação de 0,04% no ICMS paulista.
Acreditem se quiserem: em 1976 Barueri era quatro vezes menor economicamente que Ribeirão Pires. Ganhava por quase nada de Rio Grande da Serra. Já em 2017 Barueri chegava ao índice de 2,30%. Praticamente o dobro de Santo André (1,18%) e empatada com São Bernardo, Capital Econômica da região, que registrou 2,32%.
Mais que números
Disse que gosto, mas que também não gosto de ser identificado como jornalista dos números. É claro que o prefeito Paulinho Serra não pretendeu me transformar num Paulo Vinícius Coelho da economia. Portanto, o elogio do prefeito precisa ser relativizado e contextualizado.
Gosto demais dos números quando os números me conduzem a alguma coisa importante. Nos tempos de estudante detestava os números porque os números me conduziam a um mundo abstrato. Lido bem melhor com as coisas que possa sentir ou imaginar como agregado de valor.
Para demonstrar que tenho uma relação dualista com os dados numéricos eis que não estou disposto a calcular hoje quanto o Grande ABC poderia ter recebido de ICMS em 2017 caso mantivesse a participação relativa de 1976.
Está certo que seria praticamente impossível resistir à queda no índice, porque um conjunto de municípios do Estado mantiveram escalada bastante expressiva. Mas daí a despencar é outra coisa. E vai continuar a cair porque não reagimos.
Glórias no passado
Vivemos do passado. As nossas glórias estão no passado, para ser mais explícito. E não façam a traquinagem de remeter a frase a algo assemelhado no campo esportivo. O prefeito tricolino sabe que não cometeria esse pecado.
Meu gosto pelos números, portanto, não me tornam um alienígena social. Tanto que também gosto demais de futebol, de cinema, de música e do escambau.
Só não tolero pesquisadores mentirosos e manipuladores. Eles são o combustível de meu empenho profissional porque fazem mal à sociedade.
Quanto às glorias do passado, é claro que o foco são os números do ICMS. O resto é paranoia.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?