Uma das maiores bobagens já publicadas na mídia regional dá conta de que o setor de serviços de Santo André (a avaliação vale para os demais municípios) trafegaria nas proximidades da modernidade, por assim dizer. Seria algo como uma avançada plataforma de tecnologias que gerariam muita riqueza e compensariam as perdas industriais cumulativas. Pura enganação, que contestamos com dados que configuraram a necessidade de política específica para o setor.
São inúmeras as atividades de serviços, muitas das quais visíveis no dia a dia. Casos de contabilidade e auditoria, assessoramento tributário, engenharia, médicos, hotelaria, turismo, transporte, publicidade, pesquisa e tantos outras.
Agora, faço um confronto específico entre Santo André e Campinas. O resultado final é deprimente para quem entende que Santo André achou o caminho das pedras para solucionar a viuvez industrial continuada ao longo de três décadas e que só chegou ao que chamaria de estabilidade congelante porque, principalmente as grandes empresas que sobraram garantem a produção de valor adicionado.
Valor agregado
Escolhi Campinas para essa comparação porque uma das capitais das maiores regiões metropolitanas do Estado de São Paulo (as duas imediatamente fortes são Sorocaba e São José dos Campos) não submergiu ao gigantismo demográfico a ponto de perder a força econômica.
Campinas e Santo André são semelhantes em alguns pontos no mercado de trabalho, mas distanciam-se nos efeitos do mesmo mercado de trabalho.
Resumo da ópera: Campinas conta com um setor de serviços com agregado de valor superior ao de Santo André e dos demais municípios da região.
Se preferi emparelhar Santo André e Campinas como objeto de enfrentamento não é porque tenha alguma cisma com o Município do Grande ABC que antes da chegada da Anchieta era a Capital Econômica do Grande ABC. Naquele tempo a Avenida dos Estados era ramal de logística produtiva de entorno selecionador de gigantesca constelação de empreendimentos industriais.
O deslocamento da atratividade industrial em direção a São Bernardo, na esteira da chegada da indústria automotiva, fez da Avenida dos Estados mais complicações do que soluções. E Santo André mergulhou num processo de esvaziamento de riqueza que parece não ter fim. O setor de serviços é a prova provada disso.
Semelhantes e diferentes
Quando se observam os dados que revelam a participação dos trabalhadores da área de serviços e da indústria de transformação no conjunto de carteiras assinadas, Santo André e Campinas se equivalem em números relativos. Santo André conta com 12,33% de postos de trabalho na indústria (índice mais baixo do Grande ABC) enquanto Campinas registra 12,29%.
Quando se vai ao setor de serviços, a participação em Santo André é de 56,95% ante 53,52% de Campinas. Nenhum Município do Grande ABC oferece contrapartida de semelhança a Santo André. São Caetano está um pouco descolada com 15,29% de participação de carteiras assinadas na indústria e 52,18% em serviços.
Se Santo André e Campinas são forças parelhas na relação de empregos formais da indústria e de serviços, qual a razão, então, de Campinas ter crescido, em termos reais, 2,82% na média anual no PIB (Produto Interno Bruto) Geral neste século, enquanto Santo André avançou quase quatro vezes menos -- 0,84%%? Tecnologia que gera melhores empregos, claro.
É interessante notar que a vantagem de Campinas no embate de crescimento médio do PIB Geral neste século frente a Santo André não decorre de superioridade extraordinária no assalariamento do setor industrial. A média salarial registrada pelo Ministério do Trabalho em 2017 (os dados de 2018 ainda não saíram) é apenas 1,64% superior à de Santo André: R$ 4.223,61 contra R$ 4.154,23.
Entretanto, quando se lançam olhares e análises no campo em que desfilam números do setor de serviços, a roda pega feio para Santo André. A média salarial em Campinas é 25,96% maior: R$ 3.577,39 contra R$ 2.648,81.
Campinas bem melhor
No ranking do G-22 (o clube dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo, exceto a Capital e com a inclusão de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra porque pertencem ao Grande ABC), o crescimento do PIB Geral colocou Campinas na terceira posição e Santo André a oitava.
A utilização de números relativos é o melhor caminho para estabelecer confrontos sem distorções. Campinas e Santo André são mundos demográficos e econômicos distintos e, portanto, não podem ser colocados no mesmo compartimento sem os cuidados necessários. Essa metodologia é óbvia e a uso frequentemente. Na semana passada analisei a geração de empregos formais na região para desmascarar a tentativa de disseminação de que Santo André lidera o ranking de contratações nesta temporada no setor de serviços – e também em outras atividades econômicas. Há quem não goste dessa interpretação. Pretende-se, claro, forçar a barra.
Sempre tendo dezembro de 2017 como referência, Santo André contava com 198.298 trabalhadores com carteira assinada, inclusive da Administração Municipal. Em Campinas eram 405.324. Os 12,33% de trabalhadores industriais em Santo André correspondiam a 24.460 carteiras assinadas, contra 12,59% de Campinas, equivalentes a 51.023 trabalhadores. No setor de serviços, os 56,95% de Santo André representavam 112.937 carteiras assinadas, enquanto os 216.926 de Campinas correspondiam a 53,52%.
Mais dinamismo
Campinas conta com uma economia mais dinâmica que qualquer Município do Grande ABC porque foi e continua sendo um dos endereços preferenciais da debandada industrial rumo ao Interior do Estado nas últimas décadas. A chamada exaustão da Região Metropolitana de São Paulo, decantada por estudiosos que quebraram a cara porque esqueceram de combinar com os russos de Osasco, Barueri e Guarulhos, entre outros municípios locais, acelerou um deslocamento amenizador de outra debandada, levada pela guerra fiscal, em direção a outros Estados da Federação, especialmente Minas Gerais.
Preferimos nos lambuzar na Doença Holandesa da indústria automotiva. Deixamos escapar entre vãos dos dedos da negligência e da soberba cadeias de produção industrial de vários setores. As pequenas empresas familiares foram trituradas pelo sindicalismo estúpido que não as diferenciava das médias e das grandes organizações e sobremodo pelos oito anos de imprevidências alfandegarias do governo Fernando Henrique Cardoso.
O grande equívoco do prefeito Paulinho Serra, reincidentemente transformado em tiro no próprio pé, é alardear falso dinamismo e progressismo gerado pelas atividades de serviços. Embora faltem dados estatísticos consolidados, porque a Administração Municipal de maneira geral no País é relapsa no tratamento e na transparência de dados, a média salarial da atividade denuncia fragilidades da cadeia como um todo.
PIB Industrial sofre
Na medida do possível vou atualizando os macrodados que envolvem os municípios da região e também do G-22. A defasagem de dois anos do PIB Geral dos Municípios é empecilho que contorno com outros indicadores. Além do que, PIB é PIB e como PIB não é objeto de grandes mudanças no curto prazo. Exceto em situação pouco provável de catástrofes específicas.
O maior drama regional é que o avanço do PIB de Serviços dos municípios não tem compensado a rigorosa dieta do PIB Industrial. Tanto que em março de 2017 fiz uma análise que vou renovar em breve, quando saírem os dados do PIB Geral dos Municípios de 2017, previstos para o fim desta temporada. Naquele texto, deixei evidenciado com números que o PIB Industrial dos sete municípios locais desabou no confronto com o PIB de Serviços, quando se considerava o período de 12 anos do governo petista de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2014.
Em dezembro de 2002, quando FHC deixou a presidência da República e destroços econômicos na região, a participação da indústria de transformação ante o PIB de Serviços era de 87,72%. Ou seja, uma vantagem de 12,28% para o PIB de Serviços. Na ponta da pesquisa, 12 anos depois, a diferença subiu para 49,56%.
É verdade que nesse meio de caminho houve mudança metodológica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), incorporando algumas atividades na área de serviços, mas nada que influenciasse substancialmente o equilíbrio entre as duas atividades econômicas. O que vivemos no Grande ABC foi mesmo a continuidade histórica da desindustrialização e o avolumar de serviços.
Pena que a resposta tenha sido de baixa densidade tecnológica, como provam os salários médios muito aquém dos salários industriais locais. Isso significa, entre outros vetores, que a produção de riqueza industrial na região não conta com o espalhamento interno na dimensão desejada.
Mais perdas virão
No caso de Santo André, centro dessa análise porque é preciso ressaltar a imprevidência discursiva do prefeito Paulinho Serra, manifestada no Diário do Grande ABC, o avanço das atividades de serviços ante a indústria de transformação nos 12 anos analisados foi menos intenso. A diferença favorável ao volume do PIB de Serviços de Santo André em relação ao PIB Industrial era de 39% em dezembro de 2002 e chegou a 66,90% em dezembro de 2014. Para se ter ideia do quanto os 12 anos metralharam São Bernardo, o que era vantagem de serviços de 7,71% em 2012 virou vantagem de 43,45%. A desindustrialização de São Bernardo é um caminho sem volta. A desindustrialização de Santo André é uma corrida mais discreta, porque o desastre de 30 anos foi praticamente completo.
Ainda recorrendo à análise de março de 2017, cujos enunciados estruturais seguem intocáveis, o conjunto do PIB Industrial do Grande ABC sofreu perda de 49,56% de participação em relação ao PIB de Serviços entre a largada e a chegada dos anos petistas do governo federal. Quando forem abertas as comportas dos desastres subsequentes da indústria de transformação da região, com a atualização dos dados com base nos resultados de 2017, teremos provavelmente novos motivos de preocupação.
Ou seja: o setor de serviços da região seguirá mandando e desmandando na dinâmica econômica, embora com trilha de baixo valor agregado. Campinas deveria servir de exemplo há muito tempo. Talvez essa seja mais uma derrota inexorável. Ainda mais quando se tem uma liderança política como o prefeito Paulinho Serra cantando de galo num terreiro de terceira classe, como é o setor de serviços no Grande ABC.
Provincianismo inquietante
A propósito da abertura desta análise, para que nada fique mal aparado, vou matar a cobra e mostrar o bastão. Trata-se do artigo que produzi em abril do ano passado. Abordei declarações de Flávio Martins, um dos 60 Destaques eleitos pelo Diário do Grande ABC para simbolizar o aniversário de circulação do jornal. O provincianismo escancarado e escarrado contido nas respostas que se seguem é a síntese do pensamento médio das lideranças do setor na região. Eles preferem a cegueira proposital à luminosidade trabalhosa.
Eis as perguntas, seguidas de respostas do laureado, representante do setor de comércio e serviços de Santo André:
Diário do Grande ABC – O que significa ter crescido e participado da evolução do comercio e serviço da cidade?
Flávio Martins – É muito importante e vejo com orgulho nossa participação, primeiro porque entrevimos todo esse espectro de oportunidades que a cidade oferecia, e depois pela confirmação dessas oportunidades com o crescimento vigoroso que Santo André veio a ter em todas as áreas.
Diário do Grande ABC – Quais foram os principais alcances da economia do Grande ABC ao longo dos tempos?
Flávio Martins – Na minha visão, a região mudou o rumo da economia nacional. Tendo em vista a abertura do mercado – especialmente na década de 1990 – com o sofrimento pelo qual veio a passar a indústria da época, especialmente a automotiva. O Grande ABC teve que rever seus rumos e passou seus investimentos às áreas de serviços. Foi de tal forma assertiva essa decisão, que hoje áreas de serviços como um todo, no País, representam algo em torno de 70% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Isso demonstra sua dinâmica de administração da região ao País, bem como uma capacidade de buscar rapidamente novas frentes de trabalho.
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