Sociedade

Universidade do plástico é a saída

DANIEL LIMA e MALU MARCOCCIA - 05/06/2004

O que algumas das chamadas lideranças do Grande ABC vão fazer agora que o presidente da República, Lula da Silva, decidiu presentear a região com a garantia de que conseguirá da base aliada no Congresso Nacional a criação de uma universidade federal já a partir do ano que vem?


LivreMercado e seu braço eletrônico, a newsletter Capital Social Online, assumem posição clara: a escola superior resultante do lobby de prefeitos e deputados federais do Partido dos Trabalhadores não está entre as prioridades para recompor o tecido econômico e social de uma região devastada em 39% de seu PIB industrial nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, mas já que o mal está praticamente consumado, ou seja, que a universidade federal será realidade, o melhor é encontrar um modelo que dê respostas socioeconômicas ao Grande ABC.


Os dois veículos de comunicação saem na frente — o braço eletrônico o fez durante todo o mês de maio em emissões a 10 mil cadastrados — para assegurar aos dirigentes de Brasília que o dinheiro que será colocado na Universidade Pública Federal do Grande ABC possivelmente será mais útil se a opção for pela Universidade do Plástico.


Sim, estimular pesquisas e formar especialistas que possam dar respostas à demanda por mão-de-obra para o setor de transformação de plástico da região, a partir do aumento da produção do Pólo Petroquímico de Capuava, seria a melhor alternativa para que de imediato, nos primeiros cursos, a região respondesse com competitividade ao dinheiro público não-prioritário que o governo Lula da Silva investirá para aplacar a pressão de petistas da região em busca de um fato que marque o compromisso regional do ex-sindicalista que emergiu das bases de trabalhadores de São Bernardo.


A compatibilidade curricular da Universidade do Plástico corre na mesma raia de outro anúncio daquela reunião em Brasília, acompanhada por empresários do Pólo Petroquímico de Capuava, mais especificamente executivos da Petroquímica União, empresa-mãe do conglomerado que alimenta em 66% o ICMS de Mauá e em 36% o mesmo imposto que entra no caixa da Prefeitura de Santo André.


Naquela tarde de Brasília em que Lula recebeu amigos antigos ou circunstanciais do Grande ABC, declarou também que a PQU terá a matéria-prima (nafta) que tanto espera da Petrobras para elevar a produção de componentes químicos. Com isso, a central petroquímica aumentaria o poder de fogo da indústria de transformação de plástico da região, sobretudo as pequenas e médias sufocadas pela escassez de materiais.


Roberto Dias Garcia, presidente do Grupo Unipar, maior acionista da PQU, deixou o gabinete presidencial confiante de que a decisão de Lula da Silva vai pesar sobremaneira nas negociações comerciais com a Petrobras. Wilson Matsumoto, superintendente da PQU, também presente, garantiu que serão investidos R$ 1 bilhão na expansão do pólo, com a perspectiva de criação de quatro mil empregos temporários durante a fase de ampliação e de até 10 mil empregos permanentes diretos na cadeia produtiva.


Há exatamente 10 anos a PQU procura sensibilizar o governo federal a resolver as diferenças comerciais que impedem o abastecimento de gás de refinaria para extrair o eteno, matéria-prima básica para a produção de resinas utilizadas na indústria do plástico.


De uma só cajadada presidencial, Lula da Silva glorificou as esperanças de um Grande ABC acostumado à insensibilidade dos governos estadual e federal de plantão. A Universidade Federal contempla principalmente os acadêmicos e os políticos sempre em busca do estrelato, não importa os resultados dos recursos públicos comprometidos. O aumento da capacidade de produção do pólo petroquímico, em última instância, tende a nutrir generosamente os cofres públicos de Mauá e Santo André, principalmente, independentemente dos efeitos sistêmicos na economia da região.


Como se sabe, primeira e segunda gerações petroquímicas, concentradas no Pólo de Capuava, ocupam baixíssima quantidade de mão-de-obra — 4,5 mil atualmente. A salvação seria mesmo a terceira geração.


Outro fato positivo que se pode retirar do anúncio do governo federal na tarde de 18 de maio é que pela primeira vez na história da República — não se tem notícia semelhante ao longo dos tempos — o Grande ABC de sete prefeitos e algumas lideranças sindicais foi recepcionado em Brasília pelo presidente da Nação, pelo ministro da Educação, Tarso Genro, e algumas outras autoridades e assessores.


Um tratamento extraordinariamente melhor que, por exemplo, o dedicado nos oito anos de governo tucano que, além de interditar Brasília para a região, só esteve representado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso uma única vez no Grande ABC. A comitiva regional, engrossada pelos quatro deputados federais petistas eleitos principalmente com votos locais, poderia ter evitado o vexame coletivo de chegar ao gabinete presidencial de Lula da Silva sem apresentar um projeto qualquer da universidade federal que vários de seus membros tanto alardearam pela mídia.


Fosse aquele exército de brancaleone institucional apenas desorganizado tecnicamente para arrancar da Presidência da República mais que a promessa da universidade, o mal seria menor. O problema é que os emissários do Grande ABC reproduziram fielmente a decadente institucionalidade regional em ano eleitoral. Ou seja: os prefeitos não conseguem se entender razoavelmente além dos limites de seus municípios e de interesses imediatos, como determina o calendário de votos.


Maria Inês Soares, presidente do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e supostamente líder oficial do movimento que tem no deputado federal Ivan Valente o principal articulador, não é exatamente capaz de organizar trabalho em equipe. O temperamento aquecido, a permanente vocação ao individualismo e ao conflito e bloqueios gerenciais dificultam o relacionamento com os próprios petistas, quanto mais com adversários políticos eventualmente parceiros de jornada.


Mais preparado para o jogo do relacionamento com as demandas regionais, o governo Lula da Silva contou com assessores próprios e do Ministério da Educação para suprir a patética missão liderada por Maria Inês Soares. À falta de qualquer documento formalmente adequado para dar solidez analítica à reivindicação da comitiva do Grande ABC, o governo Lula da Silva ofereceu o tapa de luva de pelica de uma espécie de rascunho, como foi definido o documento de duas laudas entregue pelo ministro Tarso Genro.


O improviso do MEC foi a alternativa que o Palácio do Planalto encontrou para evitar uma vergonha maior — que à surpreendente resposta de Lula da Silva em investir milhões na Universidade Pública Federal do Grande ABC não se justificasse tanta disposição com um estudo minimamente satisfatório aos naturais interessados.


O material entregue pela assessoria do ministro Tarso Genro aos representantes do Grande ABC é versátil na medida em que não amarra o modelo da escola superior gratuita da região a preconceitos como o do deputado Ivan Valente. O parlamentar, teoricamente com base em São Caetano, desfila em seu site todo o conservadorismo esquerdista de desenhar para a instituição um traçado que perpetuaria o fracasso das escolas públicas do País marcantemente de ojeriza ou de distanciamento da economia de mercado.


Essa postura de colisão entre academia e empresas jamais chegou a ser contestada pelos demais agentes que estiveram no gabinete de Lula da Silva. Mesmo os não-petistas William Dib e Luiz Tortorello, prefeitos dos únicos municípios da região fora do corolário petista — São Bernardo e São Caetano —, que acompanharam a tudo com certa formalidade. O apelo com cheiro de demagogia pró-universidade gratuita no Grande ABC chegou a tal ponto que político interessado em votos jamais se oporia declaradamente à iniciativa.


Três modelos
O documento de Tarso Genro sugere três alternativas não necessariamente excludentes de escola superior no Grande ABC. A primeira, mais próxima do perfil que a região necessita, seria a Universidade Tecnológica, com formação de profissionais de elevada qualificação em áreas estratégicas para o desenvolvimento, produção de conhecimentos e tecnologia para a indústria, a gestão de empresas, as políticas públicas e a educação básica.


As outras duas sugestões fogem da recuperação desejada por uma região que foi metralhada ensandecidamente pela globalização automotiva, centro de sua riqueza industrial e social. Uma é a denominada Universidade Aberta, com uso de tecnologias educacionais que permitam o atendimento de um grande número de estudantes e uma organização curricular flexível que multiplique as oportunidades de formação. Outra é a chamada Universidade Democrática, com gestão que prevê participação social, de trabalhadores, empresários e organizações não-governamentais.


O documento entregue à comitiva do Grande ABC tem todas as características de algo formatado para qualquer localidade. Mas isso não retira nem diminui o desejo de contribuir do governo federal. Compete às representações da região tomar o pulso da situação e definir o que querem. Esse é o problema. Com administrações públicas voltadas principalmente ao gerenciamento social de cada um dos municípios de uma região assolada pela desindustrialização e pelo desemprego, as respostas de bom-senso para o setor econômico poderiam vir de entidades de classe empresarial e sindical. Mas seria esperar demais que nulidades institucionais, como podem ser diagnosticadas as organizações empresariais da região, e ainda desfilando ideologia em excesso, como são os sindicatos, pudessem dar a resposta mais apropriada.


A Universidade do Plástico defendida por LivreMercado e por Capital Social Online não é nenhuma invenção tirada da cartola do oportunismo, do sensacionalismo ou até mesmo do dirigismo para encontrar um espaço onde possa caber uma escola superior que vai custar R$ 150 milhões por ano, quando em plena atividade com estimados 23 mil alunos. É dinheiro demais no horizonte e que, por isso mesmo, não pode ser desperdiçado.


Com R$ 150 milhões por ano durante pelo menos 10 anos, o governo federal poderia compartilhar um amplo programa de recuperação da força industrial do Grande ABC. O volume significaria espécie de Plano Marshall, em contraposição ao Plano Hiroshima do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


Riqueza plástica
Mas convém não sonhar com o Plano Marshall. O melhor mesmo é imaginar e lutar por uma Universidade do Plástico. Em maio do ano passado LivreMercado elevou à Reportagem de Capa uma análise do setor de geração e de transformação de plástico na região. Sugeriu a matéria que o Grande ABC de metal é capaz de dar vez ao Grande ABC de plástico e, com isso, contribuir para quebrar o ritmo da desindustrialização e do desemprego.


A modernização e a adaptação da economia da região aos novos tempos de mercado automotivo descentralizado — e de substituição gradual de matérias-primas que obedeçam a rigidez de metais e ganham versatilidade dos insumos petroquímicos em forma de plástico — continuam sendo jogo de improvisação que estimula o desperdício e a irracionalidade.


A Universidade do Plástico, como seria a escola superior federal da região nos primeiros cursos a partir do ano que vem, poderia amenizar o problema gravíssimo da falta de opções de novas matrizes de sustentação econômica além das montadoras e autopeças cada vez mais enxutas e interdependentes entre si.


Aquela reportagem condenou a insistência com que lideranças políticas e mesmo empresariais batem na tecla da cadeia automotiva como incrementadora do setor industrial do Grande ABC. A indústria automotiva, que também se utiliza cada vez mais de plástico, é apenas uma das frondosas árvores que potencializam o uso do material. Quanto menor for a participação relativa do setor automotivo regional na cadeia de transformação de plástico, mais se emitirão sinais de novas matrizes industriais em uma região que se tornou refém da atividade sobrerrodas.


Lembrou aquela reportagem que em abril de 2001 a empresa gaúcha MaxiQuim encerrou pesquisa encomendada pela Câmara Regional para aprofundar estudo do Sebrae sobre a cadeia petroquímica na região. Uma das conclusões que explicitavam o tamanho das possibilidades e também dos problemas estava no universo da atividade, que reúne 326 unidades transformadoras de plástico no território regional, gera 16.903 empregos e consome 200 toneladas de resinas.


O setor de plástico era naquele ano — e apesar dos pesares não deve ter diminuído tanto na região — uma espécie de senha de desenvolvimento latente porque representava, segundo estudos da MaxiQuim, 10% do mercado nacional. Bem mais que os 2% de participação do Grande ABC no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.


Diferentemente do setor petroquímico que gera receitas tributárias especialmente para Mauá e Santo André, a indústria do plástico da região é menos concentrada e monopolizadora. Em Diadema estavam, em 2001, 49% das empresas e 41,2% da produção, contra 21,4% e 36,4% de São Bernardo. Santo André ficava com 11,7% e 5,4%; São Caetano com 10,5% e 9,4%; Mauá com 5,4% e 6,7% e a dupla Ribeirão Pires-Rio Grande da Serra acumuladamente com 2% e 0,9%, sempre pela ordem de contingente de empresas e valor de produção industrial.


Passados três anos desde a pesquisa da MaxiQuim, absolutamente nada aconteceu de novo no front regional para definir a correlação de forças produtivas. A Câmara Regional, instância que reuniria agentes sociais, econômicos e políticos do Grande ABC e todo o primeiro escalão do governo estadual, ou seja, governador e secretários estaduais, virou miragem. As reuniões são episódicas. O desaparecimento do governador Mário Covas e do prefeito Celso Daniel, exatamente nessa ordem, foi a pá de cal que estremeceu a integração regional e a aproximação permanente e sistemática do governo estadual.


Jogo de vaidades
Esperava-se para os primeiros dias deste junho a relação de 16 indicados à comissão que estudaria o perfil da Universidade Pública Federal do Grande ABC. Sob coordenação da prefeita Maria Inês Soares, o que se teve nos dias seguintes ao retorno da comitiva de Brasília foi um jogo de intrigas e de vaidades. A lista de entidades que nomeariam representantes é uma anedota de mau gosto entre outros motivos porque simplesmente omitiu os setores químico, petroquímico, automobilístico e de autopeças.


Nem mesmo a Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) corrigiu a bobagem da prefeita porque, como única entidade empresarial convidada a indicar um representante, preferiu o sempre dedicado José Batista Gusmão, ex-executivo da Bridgestone Firestone, quando tem entre seus pares Nívio Roque, da Polietilenos União, empresa do Pólo de Capuava que integra o Grupo Unipar, também acionista da Petroquímica União.


A trapalhada da Acisa não surpreende. A entidade não tem representatividade institucional e atua como linha auxiliar de política partidária que, declaradamente, opõe-se, através de seu presidente, Wilson Ambrósio da Silva, à Prefeitura petista de Santo André. Menos mal que o nomeado Gusmão é um dedicado agente social que se lançou a ajudar a compor a estrutura teórica da escola superior federal. Tanto que defende a Universidade do Plástico e a inserção de outros setores relevantes da matriz industrial do Grande ABC como caminhos a serem seguidos pelo currículo que aproximaria universidade e produção.


O grupo dos 16 indicados não foi definido até o início de junho provavelmente por causa de cotoveladas para definir integrantes e modelo a ser aprovado. Além do questionamento do modelo ideal, alguns deputados já divergiam sobre quem teria a titularidade em nome dos demais. Quando confundem democratismo com democracia, tudo pode acontecer. Inclusive, como admitiu a própria prefeita Maria Inês Soares, entregar ao governo federal a decisão de escolher o formato da escola superior federal.


É provável que seja mais apropriado e saudável para o escasso dinheiro público que precisa ser transformado em algo produtivo, não em torneio de egos ou em nova fábrica de diplomados sem emprego.


Aposta arriscada
A classe política regional fez uma aposta arriscada e ganhou: convenceu o presidente Lula da Silva a dar sinal verde para uma universidade pública federal, mesmo não sendo algo decisivo para fazer avançar um Grande ABC travado pela desindustrialização e pela abertura comercial impiedosa dos anos 90. Já que se tornou objeto de culto dos políticos, a comunidade acadêmica espera agora que pelo menos seja a universidade dos sonhos das empresas regionais, cuja agenda curricular se submeta à formação de mão-de-obra e a pesquisas que acompanhem as mudanças tecnológicas pela quais o ABC passa.


“É bem-vinda, mas que não reproduza o que já existe” — opina Marcio Rillo, reitor do Centro Universitário da FEI, de São Bernardo. “Se for vocacionada para as necessidades regionais de desenvolvimento, faz sentido. Se for para ter cursos convencionais como medicina, odontologia e direito, já temos parque acadêmico suficiente para formar essa burguesia” — alfineta Valmor Bolan, reitor da Faenac (Faculdade Editora Nacional), de São Caetano.


Não é casual o olhar cauteloso que dirigentes de tradicionais estabelecimentos privados do Grande ABC lançam à chegada de uma universidade pública federal. O problema da região não é de universidade, gratuita ou paga. O problema do Grande ABC é de crescimento. A região precisa desesperadamente de investimentos, de produção e de empregos que abriguem os milhares de jovens já com canudo nas mãos e sem ter onde trabalhar.


Uma visita ao cadastro regional da Central de Trabalho e Renda indica que dos 152 mil inscritos em dezembro último, nada menos que 21 mil tinham curso superior completo e apenas 1,4 mil eram analfabetos. Pesquisa do secretário de Desenvolvimento e Trabalho de São Paulo, Márcio Pochmann, apresenta dado mais aterrador: de cada quatro desempregados na Capital, três (isso mesmo, 75%) são universitários.


“Em função do número de instituições de ensino de que o ABC dispõe, da diversidade de cursos oferecidos — inclusive cursos inovadores — com valores abaixo da média de outras cidades, além das alternativas de aproveitamento das vagas ociosas, acredito que o momento não é apropriado. Porém, fica a questão: que tipo de universidade estão pensando para a região? Qual será a linha de pesquisa ainda não desenvolvida por nós e capaz de criar postos de trabalho?” — questiona Jaime Guedes, consultor em educação e professor do Centro Universitário Uni-A, de Santo André.


Embora um campus público do conhecimento lustre o ego de qualquer localidade e muitos tenham inegável trajetória de serviços que destacam os centros que os hospedam, no Grande ABC vive-se uma inversão de valores.


Primeiro, porque a virtual conquista universitária não é o elixir para todos os males locais, como está sendo tratado, já que há prioridades mais importantes como melhorar a logística a partir de um Rodoanel Sul que não deslancha, buscar novas vocações econômicas que abram horizontes fora dos limitados parques automotivo e petroquímico, obter créditos mais baratos e desburocratizados para pequenas empresas, sem falar num terciário avançado que dê sustentação a um salto tecnológico regional. Uma universidade pública neste momento é no mínimo extemporânea e atrapalha a implementação de outros temários urgentes.


O segundo equívoco na escala de prioridades é que o Grande ABC já tem um território econômico consolidado, ao contrário da maioria das regiões que se desenvolveram somente a partir da chegada das universidades públicas, que atraíram indústrias, infra-estrutura urbana, população e conhecimentos em campos específicos. Podem ser tomados como exemplos clássicos a Unicamp, o ITA (Instituto Tecnológico Aeroespacial) e a UfsCar, que escreveram a história das regiões de Campinas, São José dos Campos e São Carlos.


No caso do ABC, a indústria automobilística e o parque químico-petroquímico chegaram já com tecnologias próprias ou com pesquisa e desenvolvimento importados das matrizes, o que adiou a necessidade de um terceiro grau público e estimulou a proliferação de cursos médios profissionalizantes e faculdades particulares. As sete cidades da região sediam nada menos que 33 estabelecimentos de Ensino Superior, que abrigam 77,5 mil alunos e no vestibular deste meio de ano estão ofertando mais 35 mil vagas. A única escola pública é a Fatec de Mauá, com 220 matriculados e 80 novas vagas.


Universidade temática
É a escassez de bancos escolares gratuitos no Ensino Superior que move a campanha pró-universidade pública e que pode estar se transformando em uma necessidade enganosa para o Grande ABC — ou um terceiro equívoco de abordagem. Como temem vários reitores da rede privada, um campus público terá pouca serventia se seguir o figurino de cursos tradicionais e se debruçar sobre pesquisas que esbanjam teoria e pecam pela pouca aplicabilidade. Vêm daí os debates levantados há tempos pela revista LivreMercado e por seu braço eletrônico Capital Social Online de que falta ao território acadêmico regional uma universidade temática, um centro produtor de cérebros e pesquisas voltadas a novas necessidades econômicas locais.


Não foi à toa que LivreMercado alçou à Reportagem de Capa de maio de 2003 o potencial do setor petroplástico no Grande ABC sob o título-desafio Nosso Futuro É De Plástico.


Fechar o foco do conhecimento para especializações regionais é a grande tendência dos pólos industriais modernos, como antecipou LivreMercado e reforça o engenheiro eletrônico pelo ITA e pesquisador da norte-americana Intel Corporation, Luiz Franca Neto. Ele chama esse novo conceito de ensino de Universidade Técnica, ou universidades de pesquisas. Em artigo publicado em O Estado de São Paulo de 20 de maio último, Luiz Franca afirma que foi a partir dessa mudança de foco acadêmico que os lendários MIT (Massachusetts Institute of Technology) e Stanford University fizeram explodir ao redor pólos diversificados de alta tecnologia — respectivamente, a Route 128 e o Vale do Silício.


“Instituições que somente ensinam apenas transferem para alunos as esperanças de desenvolvimento econômico de suas regiões. Universidades de pesquisa como MIT e Stanford e complexos de ensino, pesquisa e desenvolvimento industrial como ITA-CTA têm na geração de conhecimento e no desenvolvimento de ciência e tecnologia suas responsabilidades primeiras. Treinamento e educação de recursos humanos vêm em sequência” — escreveu o engenheiro-líder da Intel a propósito de sua sugestão para que Recife instale a primeira Universidade Técnica do Brasil devido à infra-estrutura econômica e cultural e à sua centralidade no Nordeste, o que a habilita a ser um pólo high-tech internacional fora do eixo Rio-São Paulo.


“Num mundo cada vez mais dependente de tecnologia, precisaremos treinar muito mais engenheiros e cientistas. Precisamos desenvolver em muito maior número nossas empresas de tecnologia (…). As novas universidades de pesquisa terão apenas programas em engenharias, ciências, economia e administração” — propõe Luiz Franca Neto.


Escapar do modelo clássico de universidade também significa deixar de diplomar um exército de brasileiros em profissões esgotadas ou em cursos com baixa qualificação, o que leva muitos a atuar em áreas divergentes. Foi para pôr um freio nisso que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pressionou o Ministério da Educação a suspender a abertura de cursos de direito por cinco anos. Há hoje 761 cursos de direito no Brasil, contra apenas 180 faculdades da área nos Estados Unidos, que têm o dobro da população brasileira e PIB 12 vezes maior.


A OAB estabeleceu inclusive um selo de qualidade, o OAB Recomenda, concedido a apenas 60 dos 216 cursos com mais de nove anos de criação. A Faculdade de Direito de São Bernardo é a única contemplada na região, onde existem cerca de 8,6 mil advogados registrados nas seis regionais da Ordem. No Brasil há nada menos que 455 mil bacharéis em direito.


Escolas temáticas que potencializem vocações locais — no caso uma providencial Universidade do Plástico na região — também foram defendidas recentemente por Vittorio Manganelli, diretor da italiana Universidade de Ciências Gastronômicas. Essa Universidade da Cozinha, como está sendo chamada, iniciará atividades em outubro próximo no norte da Itália, um dos templos da arte culinária e dos bons vinhos. Tanto que entre os financiadores estão cerca de 100 produtores de massas, café e vinhos, além de bancos e dos poderes públicos de Emilia Romana e Piemonte.


“Nosso interesse está na formação de jovens que possam se tornar responsáveis pelas fases de administração e distribuição em restaurantes e empresas ou de críticos e jornalistas especializados. Já existem muitas escolas voltadas para quem pretende se tornar chef” — afirma Manganelli sobre a preocupação em diferenciar-se do que já existe no mercado acadêmico e estabelecer um nível mais elevado dos estudos da gastronomia, com ênfase em pratos com sabores e aromas regionais.


Para a elite?
Ao se empenharem na discussão e conquistarem a adesão do presidente da República para uma universidade federal no Grande ABC — tema mais apetitoso à opinião pública e à sobrevivência eleitoral do que mobilizar forças para repovoar a região de indústrias e empregos — os deputados federais, o Consórcio de Prefeitos e o movimento sindical esqueceram de planejar que tipo de universidade e de cursos interessam. Coube ao ministro da Educação, Tarso Genro, recepcionar a comitiva regional no mês passado com um esboço de esboço. O detalhamento da proposta que será votada no Congresso sairá de um grupo de trabalho formado por técnicos do MEC e do Grande ABC.


A torcida de reitores da rede privada é para que o novo campus não tenha agenda sobreposta à dos estabelecimentos regionais já instalados e que cumpra efetivamente a missão de dar acesso a jovens de baixa renda. “Se seguir o modelo de elite da USP (Universidade de São Paulo), onde prevalece a classe média que cursou bons colégios particulares, não nos interessa” — afirma Valmor Bolan, da Faenac de São Caetano.


Bolan considera mais viável e barato o programa Universidade Para Todos, de vagas gratuitas a estudantes carentes nas escolas particulares em troca de isenções fiscais, conforme projeto de lei do governo federal já enviado ao Congresso. Ele também sugere mensalidades especiais na rede particular financiadas pelo poder público e mais vagas noturnas nas universidades públicas para atender quem precisa trabalhar de dia.


Não agrada ao reitor outro projeto de lei que reserva 50% das vagas públicas para negros, índios e egressos do Ensino Médio oficial. “O modelo de cota não funciona, pois tira as possibilidades de 50% do que existe de melhor potencial jovem no Brasil” — afirma.


O risco da elitização é real em entidades custeadas ou subsidiadas com dinheiro público. A tradicional Faculdade de Medicina do ABC é mantida pela Fundação ABC, que tem boa parte dos recursos saídos das prefeituras de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires. Entretanto, apenas 21,1% do alunado deste ano são do Grande ABC, isto é, moram na região só 184 dos 605 matriculados. Jovens bem-nascidos, sobretudo da Capital, ocupam a esmagadora maioria de um estabelecimento de ponta da região em uma área por si só acessível a poucos no Brasil.


Recente cruzamento de dados feito pela primeira vez pelo IBGE mostra que 59,9% — isto é, seis em cada 10 estudantes — de universidades públicas no Brasil têm renda familiar que os coloca entre os 20% mais ricos da população. No outro extremo, ainda segundo o trabalho Síntese de Indicadores Sociais, os 20% mais pobres ocupam apenas 3,4% do total de vagas.


Especificamente nas universidades federais, relatório também recente do Ministério da Fazenda jogou um caminhão de água gelada na função social dos campi públicos. Quase metade das vagas (46%) beneficiam os 10% mais ricos da população e 70% do gasto direto da União com educação vão para as universidades, invertendo a prioridade que a maioria das nações dá aos anos iniciais de ensino.


Marcio Rillo, da FEI, e Jaime Guedes, da Uni-A, preferem dar um voto de confiança à pretendida cota de 50% para a população carente por acreditarem que representa, no momento, o melhor atalho para se evitar uma universidade pública da fidalguia. “Mas prefiro cobrar primeiramente um Ensino Básico de melhor qualidade, com mais capacitação e melhor salário aos professores, além de modernização dos equipamentos disponíveis no ensino. Não podemos esquecer que os alunos que frequentam as universidades particulares são na maioria aqueles que não tiveram oportunidade de um Ensino Fundamental e Médio com qualidade suficiente para que entrassem na universidade pública, onde o número de vagas é pequeno em relação aos formandos do Ensino Médio. Por isso as universidades particulares, que representam 70% dos estabelecimentos do País, permitem a esses alunos a inclusão no Ensino Superior e melhor oportunidade de emprego” — conceitua Jaime Guedes.


A Uni-A mantém 33 habilitações, entre as quais cursos superiores de tecnologia em diversas áreas para acompanhar os novos tempos. Também inovou ao estruturar turmas sob medida para empresas, que podem opinar na montagem do conteúdo das aulas e estabelecer classes por turno de trabalho. As primeiras atenderam a Volkswagen, GM e Bridgestone Firestone.


Marcio Rillo discorda da tese de que só uma universidade pública ampliaria o campo de pesquisa para empresas do ABC e sugere que o governo crie instituições públicas não-estatais nos moldes do Centro Universitário da FEI. “Somos a maior escola de engenharia e temos o primeiro curso de administração do Brasil. Estamos nos transformando na primeira universidade voltada à pesquisa de tecnologias pré-competitivas do País” — relata sobre projeto em andamento de fazer as indústrias se anteciparem em seus mercados. A FEI nasceu do parque industrial e tem hoje mais de oito mil convênios para pesquisas nas três áreas em que atua — engenharia, ciências da computação e administração. Nos 60 anos de atividades formou 40 mil profissionais.


Já a Faenac, além do que o reitor Valmor Bolan chama de cursos vocacionados, desenvolve também pesquisas voltadas à região. Está negociando com a Prefeitura de Santo André, por exemplo, acordo para apoiar o tema Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável dentro da nova lei municipal de ocupação econômica das áreas de mananciais. “Estamos trazendo o diretor do Instituto Botânico de São Paulo, Luiz Mauro Barbosa, para nos ajudar nos levantamentos e em como enfrentar esse problema grave da região, que é ter metade do território com restrições ambientais” — anuncia Bolan. Luiz Mauro é considerado um dos 100 maiores pesquisadores em publicações no mundo e coordena atualmente projeto de repovoamento vegetal para proteger bacias hídricas em áreas degradadas no Estado de São Paulo.


Usina de problemas
Ninguém nega que tudo o que se fala sobre economia hoje coloca em destaque a educação como arma para competir. Ao definir como necessidade duvidosa uma universidade pública ocupar o centro dos debates e da mobilização política regional, LivreMercado e Capital Social Online têm alertado que essa é a menor das bandeiras a empunhar diante dos outros levantes de que o Grande ABC necessita para voltar a rodar sua máquina do crescimento.


A vantagem de um campus público é poder contar com vagas gratuitas e um endereço privilegiado de pesquisas, já que, como lembra Jaime Guedes, da Uni-A, são pagas com impostos de todos os brasileiros. O risco é repetir um endereço público que privilegie uma dinastia de jovens bem-nascidos, além de reeditar na região a escalada de problemas que as universidades oficiais enfrentam no Brasil — e isso seria descabido em meio a um imenso território acadêmico privado já instalado e ocioso no Grande ABC, como de resto no País.


Há uma usina de problemas que depõem contra o outrora qualificado ensino universitário público, seja estadual ou federal, embora sobrevivam algumas ilhas de excelência. Agora mesmo as três universidades paulistas (USP, Unesp e Unicamp) estão novamente em estado de paralisia porque os professores reivindicam reajuste salarial de 16% e uma política que reponha perdas acumuladas, além de atualização nas instalações e equipamentos.


Isso se estende ao Centro Paula Souza com suas ETEs e Fatecs. Os orçamentos têm sido cada vez mais estreitos porque são vinculados à arrecadação do ICMS, uma jóia da coroa que perde brilho no Estado mais industrializado do Brasil devido à desaceleração econômica e à guerra fiscal. A USP fica com 5,2% da arrecadação do ICMS de São Paulo, a Unesp com 2,3% e a Unicamp com 2,1%. Não é à toa que o governo do Estado fez ouvidos de mercador aos apelos do Grande ABC de sediar uma universidade pública paulista, o que levou a bancada regional de deputados — todos petistas — a bater à porta do ex-companheiro Lula da Silva.


No âmbito federal, o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque deu o tom do quadro desolador ao abrir o governo Lula: “A universidade pública chega a 2003 falida” — sentenciou com a sinceridade que lhe custou o cargo um ano depois. Freadas há anos pelo caixa também apertado da União, as 54 federais saíram de um orçamento de R$ 551 milhões em 1995 para R$ 375 milhões em 2003, ou seja, 32% menos em valores atualizados pelo IGP-DI, segundo a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Este ano o orçamento está previsto em R$ 610 milhões, mas seriam necessários 10% mais, pelo menos.


Quando estiver a plena carga, funcionando com estimados 23,5 mil alunos entre graduação, mestrado e doutorado, a Universidade Federal do Grande ABC deve consumir R$ 150 milhões anuais. É mais que os R$ 143 milhões que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desembolsou para empresas da região durante todo o ano passado, segundo cálculos do posto avançado da Agência de Desenvolvimento Econômico.


No primeiro ano da planejada universidade pública, em 2005, o MEC calcula que serão necessários R$ 20 milhões para abertura dos primeiros cursos, que serão semipresenciais. Foi essa quantia (R$ 20,9 milhões) que socorreu todo o Grande ABC no primeiro bimestre de 2004 através de linhas do BNDES, que no mês passado abriu no Ciesp Diadema o segundo posto de informações e orientações.


Um dos gargalos das universidades federais chama-se folha de pagamentos, que consome 90% dos recursos. O resto vai para custeio e sobra apenas 1% para investimentos. Os custos têm explodido por causa sobretudo da aposentadoria dos professores. Os inativos nas federais já representam 55% da folha e a reforma na Previdência Social tem estimulado uma corrida à aposentadoria. A UfsCar, por exemplo, perdeu 23 professores somente em 2003. Na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) 2004 desnudou o retrato em branco e preto da educação superior pública: são R$ 57 milhões em despesas para apenas R$ 43 milhões em receitas, uma crise que levou à suspensão de todos os investimentos neste ano, ao corte de bolsas e de serviços terceirizados, além de economia de guerra no consumo de água e luz. A UFRJ, do Rio de Janeiro, teve de passar pelo constrangimento de implorar este ano às concessionárias para que não cortem luz e água devido à falta de pagamento.


As universidades federais foram levadas ao estrangulamento financeiro sobretudo no governo Fernando Henrique Cardoso, que teve um MEC francamente incentivador de faculdades particulares. Foi nesse caminho tortuoso da educação pública que as faculdades e universidades particulares proliferaram, a ponto de hoje abrigarem dois de cada três estudantes universitários brasileiros.


Entre 1985 e 2001, os estabelecimentos privados duplicaram de 626 para 1.208, enquanto os públicos tombaram de 233 para 183. Segundo o Censo 2002 do MEC, havia naquele ano 14,4 mil cursos superiores no Brasil, dois terços na rede privada. Só em 2002 houve 2.660 pedidos de abertura de cursos no Brasil, um congestionamento que levou o governo a suspender no início deste ano a criação de novas turmas de direito, medicina, psicologia e odontologia.


Apesar dessa expansão, o Brasil tem apenas 12% dos jovens entre 18 e 25 anos cursando o Ensino Superior, uma das piores taxas do mundo. São 500 mil vagas públicas e três milhões de particulares, quando o País deveria ter o dobro disso para aproximar-se da proporção que os Estados Unidos mantêm de universitários em relação à população — afirma o engenheiro Luiz Franca Neto, o idealizador da Universidade Técnica. É o pior dos mundos: o salto na oferta de faculdades particulares no Brasil aumentou a concorrência e ocasionou ociosidade histórica de 37,4%, ou seja, há pelo menos 550 mil cadeiras vazias no Ensino Superior privado.


Educação para quê?
Mais embaraçoso que esse cenário é o estudo de William Easterly, economista do Banco Mundial que reuniu no livro O Espetáculo Do Crescimento o que chama de panacéias mundiais que fracassaram, entre as quais a que garante que educação é fórmula mágica para fazer uma nação crescer. Depois de considerar como caminhos errados para a expansão econômica a ajuda financeira externa entre as nações, o controle populacional, os empréstimos oficiais para induzir países a realizar reformas administrativas e, por fim, o perdão das dívidas, Easterly destaca no capítulo da educação conclusões cortantes: “Criar capacidades onde não existe tecnologia para usá-las não promoverá crescimento econômico” — é um de seus conceitos a respeito de formar cérebros e mão-de-obra em desacordo com o que as localidades podem absorver.


Um exemplo ilumina a argumentação: os 97% de matrícula no Ensino Fundamental dos Estados Unidos são pouca coisa acima dos 92% da Ucrânia, mas a renda per capita norte-americana é simplesmente nove vezes maior que a dos ucranianos.


O economista do Banco Mundial acredita que nem tudo funciona como o prometido porque nem todos os participantes da criação do crescimento receberam os incentivos certos. “Tem sido claramente decepcionante a resposta do crescimento à espetacular expansão educacional das quatro últimas décadas. O fracasso do crescimento educacional patrocinado pelo governo deve-se mais uma vez ao nosso lema: as pessoas respondem a incentivos. Se não se apresentarem os incentivos para investir no futuro, de pouco vale a expansão educacional. Fazer o governo obrigar os indivíduos a frequentar a escola não muda os incentivos deles para investir no futuro. Criar pessoas altamente capacitadas em países cuja única atividade rentável é fazer lobby junto ao governo pela obtenção de favores não é uma fórmula de sucesso. Criar capacidades onde não existe tecnologia para usá-las não promoverá crescimento econômico” — escreveu o economista.


Os números do estudo não deixam margem a muita contestação. Entre 1960 e 1990, por conta da corrida à educação patrocinada pelos governos, a escolaridade deu saltos olímpicos no mundo. Alimentadas pela ênfase colocada na educação básica pelo Banco Mundial e outros doadores, as matrículas no Ensino Fundamental alcançaram 100% na metade dos países do mundo em 1990, contra apenas 28% 30 anos antes. Um dos milagres educacionais ocorreu no Nepal, que saiu de 10% de matrículas no Ensino Fundamental em 1960 para 80% em 1990.


No Ensino Médio, 1960 registrava desastres como o Níger, onde na faixa etária desse nível só uma em cada 200 crianças cursava a escola. Desde 1960 quase quadruplicou a taxa média de matrículas do Ensino Médio no planeta, que subiu de 13% dos alunos dessa faixa etária em 1960 para 45% em 1990.


A universidade experimentou explosão semelhante, como constatou o economista do Banco Mundial. Em 1960, 29 países não tinham um só estudante de nível superior. Em 1990, somente três países estavam nessa situação: Ilhas Cômores, Gâmbia e Guiné-Bissau. “De 1960 a 1990, em matéria de ingresso na universidade, a taxa média no mundo aumentou mais de sete vezes, de 1% para 7,5%” — investigou William Easterly.


Qual tem sido, porém, a resposta do crescimento econômico a essa explosão educacional? “Infelizmente a resposta é: pouca ou nenhuma” — dispara ele, sobre a ausência de associação entre crescimento da escolaridade e crescimento do PIB. O continente africano é tomado como exemplo à instigante pergunta: para onde foi essa educação toda? “Na verdade, países africanos de crescimento acelerado em capital humano (educação) entre 1960 a 1987, como Angola, Moçambique, Gana, Zâmbia, Madagascar, Sudão e Senegal, foram desastres em matéria de crescimento econômico. Países como o Japão, de modesto crescimento em capital humano, foram milagres na economia” — reforça William Easterly. Zâmbia apresentou expansão de capital humano ligeiramente mais acelerada que outro milagre asiático, a Coréia, porém a taxa de crescimento de Zâmbia foi sete pontos percentuais menor.


Evasão profissional
Formada em ciências da computação no IMES, especializada em mecatrônica pelo Senai e com MBA (Master in Business Administration) em e-commerce pela Fundação Getúlio Vargas, Raquel Toneto Nunes é exemplo acabado da situação de milhares de jovens obrigados a buscar emprego fora do Grande ABC por falta de oportunidades profissionais. Moradora de São Caetano, Raquel trabalha em Barueri, na Grande São Paulo, por não ter encontrado vaga na região. “O ABC não têm campo de trabalho” — sentencia a jovem de 26 anos, funcionária da empresa de automação industrial japonesa Yokogawa.


Para evitar o deslocamento diário de 100 quilômetros entre ida e volta de casa ao trabalho, Raquel acaba de alugar um apartamento no bairro paulistano do Jaguaré. Agora gasta 20 minutos para chegar à empresa, bem menos que a média de 1h30 nos tempos em que morava com a família. “Ficar longe dos pais e dos irmãos é o preço pago para estar livre dos congestionamentos. O consolo é que não sou a única, pois tenho muitos conhecidos na mesma situação” — comenta.


Confrontada com a proposta de criação de mais uma universidade na região, Raquel reage sem pestanejar: “Pra quê ter mais formados? O ABC não tem capacidade de absorver os que já estão aí”.


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