Os leitores de CapitalSocial contam com oportunidade especial iniciada em 14 de agosto do ano passado: reproduzimos em datas aleatórias a íntegra de cada uma das edições do que chamamos de OmbudsmanDiário. Na edição de amanhã completaremos a tarefa. Será o 36º boletim da newsletter criada para mostrar o Diário do Grande ABC que encontramos há uma década e meia. Um jornal muito melhor do que o que temos hoje, sem dúvida, mas também muito aquém das necessidades reestruturais da economia e do ambiente sócio-institucional do Grande ABC.
Sobre o jornal muito melhor há 15 anos do que o jornal que temos hoje (com a ressalva de que encontramos um jornal em sérias dificuldades editoriais, que se agravaram no tempo) cumpre uma observação relevante: seria impossível o desempenho editorial e econômico do Diário do Grande ABC conhecer outra trajetória senão de perdas sucessivas. Nem magos na gestão do produto e da empresa sufocariam a evidente quebra de riqueza informativa comprometida ao longo do processo de esvaziamento regional.
Efeitos destruidores
Afinal, o Grande ABC congrega ao menos dois efeitos corrosivos que dinamitam a economia de maneira geral e o jornalismo profissional de forma específica: a derrocada industrial que empobrece duramente a população e os efeitos das plataformas de comunicação digitais que encurtam a vida útil de centenas de jornais de papel ao redor do mundo. O obituário é proporcional à avalanche das redes sociais. Nem as grandes publicações nacionais estão a salvo. Comem o pão que o diabo amassou.
Negar esse duplo tormento como dinamites combinadas para nocautear o ainda maior veículo impresso da região seria tolice. Temos de fato uma dose cavalar de infortúnios consolidados que atingem duramente a publicação.
Sem ser o The New York Times e o Washington Post, únicos jornais norte-americanos que parecem ter encontrado nas assinaturas digitais a fórmula da salvação econômica, financeira e mesmo de qualidade editorial, e sem estar incrustado numa economia de Primeiro Mundo, distante disso aliás, não se deve esperar reação do Diário do Grande ABC. A debilidade cumulativa o impacta como nunca antes na história.
Crises temporárias do passado sem choques permanentes do derrame digital tornaram-se complicações estruturais. Somente um passe de mágica ainda imperceptível retiraria o jornalismo regional de papel da enrascada em que se meteu. Não é descartável que o futuro do Diário do Grande ABC seja exclusivamente de plataforma digital. Teríamos no caso uma associação do compulsório e do imprescindível. Resta saber se prevalecerá o primeiro como fonte de nova destruição de valores ou o segundo como energia restauradora.
Rotina mundial
O fechamento de publicações regionais de papel tem sido assim no mundo inteiro – e mesmo em grandes e médias publicações mais abrangentes. Inclusive em áreas longe da flacidez econômica do Grande ABC – que se agrava ante a constatação de aprofundamento da crise de identidade regional.
Estamos cada vez mais nos conformando como periferia da Capital. Entregamos a rapadura cultural, no sentido mais amplo da expressão, à Cinderela. Vestimo-nos de Gata Borralheira com desembaraço sempre crescente e estupidamente provinciano.
Esse cenário de vertiginosos constrangimentos sociais e econômicos estava distante naquele 2004. Assumi inicialmente o cargo de Ombudsman e, em seguida, de diretor de Redação. A regionalidade era nosso mantra. Por mais que parecesse redundância, em se tratando da marca do jornal.
Quando tudo começou
Parece que foi ontem que atendi ao convite do empresário Ronan Maria Pinto para dirigir o veículo de comunicação mais tradicional (muito longe de ser o melhor) da região. O empresário do ramo de transporte coletivo acabara de adquirir o comando acionário do jornal e encontrou motivos para me colocar à frente da publicação. À época comandava a melhor publicação regional do País, a revista LivreMercado que, desde 1997, passou ao controle acionário, não editorial, do Diário do Grande ABC.
Houve contratempos de imediato com alguns acionistas que não pretendiam arredar pé da direção editorial do jornal. Entrei num fogo cruzado sem ter sido informado sobre o impasse. Tudo foi superado logo após o período-tampão em que atuei como ombudsman, o primeiro da história do jornal. Em seguida, assumi a direção editorial. Foram nove meses complementares de trabalho de um projeto programado para cinco anos.
Aliás, sobre o projeto de cinco anos, iniciamos também a reprodução de nova newsletter adotada para comunicação permanente com o efetivo de redação do Diário do Grande ABC. Como já contava com uma newsletter auxiliar à linha editorial de LivreMercado, exatamente este CapitalSocial, criado em 2001, optei pela marca Capital Digital.
O princípio, o meio e o fim da newsletter OmbudsmanDiário e da newsletter Capital Digital eram semelhantes: unir esforços, racionalidade e talento em busca de um produto mais qualificado e comprometido com os leitores e a sociedade do Grande ABC.
Livro de 250 páginas
Esse fundamento conceitual era tão legítimo e inalienável que foi precedido pelo que chamei de Planejamento Estratégico Editorial, calhamaço de quase 100 mil caracteres que preparei num fim de semana no Interior de São Paulo como evangelho do que executaria à frente do Diário do Grande ABC. Uma cópia dessa macroproposta consta do acervo desta revista digital.
Durante os nove meses como diretor de Redação do Diário do Grande ABC apliquei algumas das metas pretendidas. A newsletter Capital Digital já foi reproduzida em parte neste site. Interrompi a publicação interna ao descobrir a existência no acervo da Editora Livre Mercado de tudo o que produzi na newsletter OmbudsmanDiário. Vou retomar aquela reprodução na semana que vem neste espaço.
Escrevi para OmbudsmanDiário mais de 300 mil caracteres. Uma quantidade imensa que daria para editar livro de 200 páginas.
Centro do regionalismo
Aquelas 35 edições já conhecidas neste espaço e a que publicaremos amanhã mantiveram toada de abrangência e de especificidade: não nos limitamos a perscrutar tecnicamente as edições do Diário do Grande ABC com atenção de ourives: também expusemos aos leitores internos (diretores, acionistas e editores do jornal) série de avaliações e contextualizações que colocavam o jornal no centro do palco da regionalidade.
Nada surpreendente porque, de fato, OmbudsmanDiário retratava com fidelidade tanto uma vocação por um produto com responsabilidade social como um produto que defendia a quebra de barreiras de comodismos institucionais que, desde então, mais se agravaram.
A musculatura de que dispunha o Diário do Grande ABC há 15 anos para liderar uma reação regional já não existe mais. Os meios de comunicação do Grande ABC têm efeitos difusos sobre os formadores de opinião e os tomadores de decisão. O caso do monotrilho que virou metrô nas páginas do Diário do Grande ABC é prova disso.
A decisão de interromper a série de boletins com a marca Capital Digital foi necessária porque era preciso corrigir uma deficiência cronológica involuntária, ou seja, fazer-se publicar o que antecipou minha chegada ao cargo de diretor de Redação. Capital Digital, que será, repetimos, retomado na próxima semana, tem tudo a ver com o antecessor OmbudsmanDiario. Nem em sonho esperava encontrar as duas publicações internas nas entranhas de arquivos digitais da Editora Livre Mercado.
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