Imprensa

Veja como encontrei o Diário que
Ronan Pinto comprou em 2004 (37)

DANIEL LIMA - 24/07/2019

Esta é a última edição da newsletter OmbudsmanDiário. Completam-se 36 boletins preparados e distribuídos internamente entre junho e julho de 2004, quando assumi a função numa fase que antecipou o comando da direção do jornal Diário do Grande ABC. Sou o único ombudsman na história do jornal mais tradicional da região. Exerci a função também mais tarde, em 2014, também por breve período. Acompanhem a última em 16 de julho de 2004. 

Edição número 36 

Encerramos a primeira fase desta newsletter inédita na história do Diário do Grande ABC. A partir de segunda-feira estarei desempenhando novas atribuições na empresa. Pretendo, rapidamente, discorrer sobre as duas funções. De ombudsman e de executivo da companhia. Antes, uma informação relevante: a partir de segunda-feira os leitores que constam do cadastro desta newsletter passarão a receber Capital Digital Online, ferramenta de comunicação virtual que fortalecerá as relações pessoais que terei no Diário do Grande ABC.

A experiência de 30 dias como ombudsman foi tremendamente enriquecedora. Pude exercitar algo que imaginava estar praticamente esgotado, ou seja, a certeza de que o grau de exigência que me atribuía estava no limite máximo. Antes da primeira edição desta newsletter me considerava um profissional. Depois, outro. Por isso, não abrirei mão de seguir com esses contatos virtuais -- agora com Capital Digital Online.

Para que eventuais distorções não povoem a mente dos leitores desta newsletter a respeito da transformação pessoal que sofri nestes 30 dias, um esclarecimento: a metamorfose que se operou se deve única e exclusivamente (e não vai aí qualquer resquício de falta de modéstia) ao empenho com que me dediquei à tarefa que me foi delegada. Só o fato de ter produzido mais de 300 mil caracteres mostra o quanto me dediquei a este projeto. E sempre foi assim em minha vida. E não será diferente a partir de segunda-feira também.

Ler e escrever são porções substanciais em minha vida cotidiana. Não as troco por nada. Complemento-as com corridas para manter uma forma razoavelmente saudável, entre outras atividades -- como ver futebol, um bom filme, essas coisas de todos os mortais.

A visão sistêmica que passei a aprofundar na análise dos jornais, comparando-os com a avidez dos descobridores de talentos esportivos, muito auxiliará no compartilhamento de medidas como diretor de redação. Quanto mais me aprofundar nos escaninhos da própria redação e também da companhia, tenham todos a certeza de que meu tijolinho para a construção de edifício de melhoria da qualidade do produto final será respeitado. Como o de todos que tenham igual interesse em reverter o processo de fragilização da mídia mais importante do Grande ABC.

A decisão de lançar Capital Digital Online decorre da experiência fugaz, mas relevante de OmbudsmanDiário como também do histórico de mais de três anos de Capital Social Online, de Livre Mercado Online e de IEME Online, outros veículos virtuais que resolvi criar. Com Capital Digital Online será automático o avanço mais consistente de nova cultura redacional, que está contida no Planejamento Estratégico Editorial. 

A diferença visceral de Capital Digital Online e de OmbudsmanDiário está na própria conformação das atribuições: deixarei o reformismo virtual para me projetar ao reformismo pragmático, sempre com o suporte indispensável de toda a equipe, dos acionistas, dos diretores, dos leitores; enfim, de quem tem responsabilidade de introduzir no seio regional um produto diário mais comprometido com o futuro.

Não tenho dúvidas de que uma grande massa de colaboradores do passado deu seu quinhão profissional para a construção do Diário do Grande ABC. Pessoalmente tenho conceitos já expressos e impressos, mas isso jamais poderá significar a desclassificação de eventuais alvos de minhas críticas. Pelo contrário: também há importantes lições que devemos ter capacidade de resgatar desse passado, de forma a robustecer o produto a cada nova edição.

Não tenho a menor sombra de dúvida de que viveremos dias melhores na companhia. Vamos ver aflorar muitos talentos que, dadas as condições adversas, encontram dificuldades de se projetarem com toda a força. Vamos nos dedicar a um diagnóstico que dê sustentação ao planejamento, que por sua vez permitirá a efetiva execução de propostas. Sabemos o tamanho do problema que enfrentaremos, sobremodo porque o banco de horas é o anticlímax da produtividade. Entretanto, haveremos de superar todas as dificuldades. Com vagar, sem assombrações, sem caça às bruxas. 

Sou profissional de equipe. Trouxa daquele que se imaginar acima do conjunto. A integridade de um produto de comunicação como um jornal diário está diretamente relacionada ao coletivo. Aliás, essa é a essência da decisão de assumir esse cargo. Há mil maneiras de não esquentar a cabeça e, certamente, a última seria a função que passarei a desempenhar.

Sobre o banco de horas, convém algo maior que breve citação. 

Temos a convicção de que a aplicação de novas metodologias implicará em desativação do banco de horas. Como chegaremos a isso? Pelo caminho da produtividade, que passa pela esteira da especialização, que advém da qualificação. É só esperar. Trabalharemos menos, longe da loucura da industrialização editorial que massacra os profissionais de comunicação na maioria das empresas do setor, num turbilhão de insanidade que se retroalimenta da própria mimetização acrítica de processos produtivos. Banco de horas nos moldes em que se encontra o Diário do Grande ABC é a consagração de um tríplice equívoco: perde a empresa, perdem os profissionais e perdem os leitores.

Para completar esta newsletter que encerra um ciclo, e para que esse documento ganhe a forma de uma ponte às novas funções que exercerei, passo aos leitores um texto do Capital Social Online de 6 de novembro de 2003. Naquela oportunidade, indagado que fui, especulativamente ou não, sobre o que faria no Diário do Grande ABC se a mim coubesse uma atividade na redação, respondi em forma de newsletter, evidentemente sem citar a origem da inspiração. Repasso a todos, portanto, a íntegra daquele trabalho. Tenho certeza de que a reprogramação do material vai ajudar a "desvendar" o perfil deste profissional de comunicação. Um braço a todos.

O que você vai fazer nos 

próximos cinco anos?

O que você seria capaz de fazer em cinco anos, me perguntaram outro dia alguns amigos, gente curiosa que não se contenta com o enfrentamento do hoje. Cinco anos são muito chão e muito céu, convenhamos. Pode-se fazer tudo, e não se fazer nada. Depende dos diagnósticos, dos projetos, das parcerias, do entusiasmo, da determinação, dessas coisas elementares que diferenciam quem faz de quem não faz, quem promete de quem realiza, quem planeja de quem improvisa.

Cinco anos podem ser tempo demasiadamente longo para quem está encerrado entre as grades, ouvindo o que poucos ouvem -- por exemplo, o ranger dos mecanismos discretos de um relógio de pulso analógico. Cinco anos podem ser um tempo exageradamente breve para quem encontra o caos e tem a responsabilidade de apresentar resultados no curto prazo para sustentar a motivação e os planos no restante do período.

Cinco anos podem ser um tempo pedagogicamente construtivista de descobertas pessoais, profissionais e mesmo espirituais se a especificidade do enfoque milimétrico não for tirada do rumo e do prumo pela diversidade traiçoeira da dispersão. Cinco anos podem ser um tempo sorrateiramente enganador se não forem encarados com o entusiasmo de quem sabe que, por mais que uma vida seja duradoura, por mais que a expectativa da morte seja apenas possibilidade remota, é indispensável vigilância permanente sobre cada passo, para não se andar em círculos.

Quantos de nós estamos preparados para enfrentar os próximos cinco anos, espécie de plano plurianual que as grandes corporações executam, sempre de olho no futuro? Quem já parou para pensar no que seremos por volta de 2008, se muitos de nós nem estamos organizados para o dia seguinte? Como chegar ao fim de uma maratona de cinco anos sem o condicionamento técnico para os 100 metros rasos do próximo verão?

Poucos se preparam para o ano seguinte, quanto mais para os próximos cinco anos. E poucos se dão ao trabalho de acreditar que os próximos cinco anos planejados com arte são capazes de produzir uma reviravolta em quase meio século de conservadorismo. Cinco anos soam estranhos a ouvidos despreparados para o canto contínuo do pássaro da estruturação em bases sólidas. A cultura imediatista de um País feito e desfeito num piscar de olhos contínuo, numa obra de séculos de vai-ou-racha, que vai e que também racha, não engole cinco anos sem esbravejar, como se cinco primaveras fossem o infinito em vez do indispensável.

Há tarefas que exigem mais que cinco anos de persistente transformação. Entulhos precisam ser retirados devagar porque foram acumulados gradualmente, numa tempestade de erros, de equívocos, de maus modos, de comodismos. Há entulhos até recuperáveis que exigirão habilidade e precisão de ourives para ganharem a forma de material reciclado e perfeitamente aproveitável. Sim, porque a prática simplista de enxergar tudo como imprestável só porque o resultado final do conjunto é comprometedor esconde, de fato, a insensibilidade e a inabilidade da generalização inconsequente.

Cinco anos são dias suficientes para desvencilhar-se dos maus e preparar os bons -- sempre tendo o primeiro passo como ponto de partida e o último como fita de chegada. Cinco anos são medida exata para inocular novas culturas, novos projetos, novos referenciais, nova vida, enfim.

Quem entende que cinco anos são tempo demais despreza a lógica de que os resultados consistentes para quem traça um ritmo de corrida já se materializam no primeiro movimento. Quem considera o curto prazo garantidor de mudanças intestinas desqualifica-se como agente absorvedor de conhecimentos que se retroalimentam da experiência vivida no dia-a-dia. 

Apenas os despreparados consideram cinco anos a simples soma de cada um dos dias do calendário gregoriano. Para quem vai muito além da formalidade do tempo medido pelo convencionalismo, cinco anos são extraordinário ciclo de fases temporais subdivididas conforme os objetivos traçados. Ou seja: esquarteja-se o tempo em partes iguais ou desiguais, de acordo com a configuração dos objetivos propostos.

Muito, muito mesmo se pode fazer em cinco anos para quem consegue associar inquietação intelectual e sofreguidão empreendedora. Paradoxalmente, a plataforma de embarque das transformações típicas dos inquietos está na convicção de que nem mesmo a aparente pantomina encontrada se anteporá como desestímulo; pelo contrário, porque a perspectiva de que as primeiras medidas já imprimirão suas digitais impulsionará novas empreitadas.

Cinco anos são mais que a distância entre uma Copa do Mundo e outra, porque devem ser tratados como grande e sistemática revolução de conceitos e práticas -- como se fosse uma sucessão de mata-matas nos quais o resultado de cada 90 minutos tem influência decisiva nos 90 minutos seguintes. Poucas batalhas podem ser perdidas quando se delimitam cinco anos como começo, meio e fim de um período de compromissos. 

Deve-se, entretanto, saber o exato momento de acelerar a velocidade ou, pacientemente, tornar o tempo dócil aliado. Cinco anos bem gerenciados são uma espécie de bateria de escola de samba na avenida, alternando os instrumentos sem perder o ritmo, calibrando os passos sem se distanciar do restante da turma; até a apoteose consagradora.

Quando me perguntam o que vou fazer nos próximos cinco anos, o que mais respondo é que continuarei o que ando fazendo, ou seja, tratar o dia seguinte como sequência do dia anterior, como se a noite bem ou mal dormida não atravancasse sonhos e pragmatismo, como se fosse um editar permanente de um produto de informação que não pode negar amanhã o que publicou ontem.

Quando me perguntam o que vou fazer nos próximos cinco anos, digo que é possível muitas surpresas enfrentar, para o bem ou para o mal, mas que, definitivamente, não pretendo atirar pela janela a vida inteira que está em meu passado. Nem todos pensam assim. Principalmente os sem passado, ou de passado reticente. Para esses, que importância tem os próximos cinco anos se eles jamais souberam valorizar as últimas horas? Para esses, o que interessa são os próximos dias, no máximo os próximos meses -- mesmo que o preço seja alto demais.

Só contem comigo nos próximos cinco anos se a vida não for pequena.



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