Estou sendo ameaçado porque teimo em não escrever o que cabeças transversas pretendem que escreva. Há certos limites que jamais poderão ser rompidos por um jornalista. Um dos principais é não ceder a intimidações. E se temer, por conta de circunstâncias e contextos, o melhor é se prevenir. Como não tenho segurança particular e sequer carro blindado, recorro a uma denúncia pública e a uma denúncia formal que será registrada em cartório. Um advogado cuidará da segunda alternativa. Da primeira, que será incorporada à segunda, cuido eu.
Tenho razões de sobra para dizer que querem transformar intimidação em execução. Não entro em detalhes públicos. Darei informações detalhadas e nomes aos bois no instrumento a ser registrado em cartório.
Aprendi a distinguir pressão natural contra opiniões e interesses que se chocam com o que tenho obrigação de externar relativamente à intimidação de mandantes. Sutil intimidação. Mas, vindo de onde vem, soa como ameaça latente. Há profissionais em mandar recados sutis que pesam mais, muito mais, que amadores praticantes de estardalhaços.
Lobotomia forçada
Querem me calar porque oponho resistência a interesses que conflitam com qualquer coisa que tenha relação com ética e moralidade. Querem me interditar vivo. Querem uma lobotomia forçada. Querem me transformar em fantoche. Assim não dá. Não dá mesmo, mesmo com todos os riscos que corro num País que, estou cansado de constatar, inclusive na própria pele, só protege mandachuvas e mandachuvinhas, os quais enfrento quase que de peito aberto, munido apenas de fatos, de argumentos, de provas. E sem abrir brecha à semântica de bandidos sociais ávidos por me desqualificar.
Anunciei em aplicativos de redes sociais a situação em que vivo, premido pela necessidade de escrever sobre tudo que sei como agente social e a intimidação escorregadia de que sou vítima emocional, mas ainda não física no sentido de letalidade.
Prometi detalhes para a edição deste CapitalSocial. É o que faço. Mas não posso avançar o sinal, como sugeriram vários leitores daquele comunicado. Querem, por exemplo, que registre queixa num distrito policial.
Se atender a esse pedido estarei cavando minha própria sepultura. Externaria informações que despertariam a ira e possível consecução da ameaça velada. A opção de detalhar tudo num registro protegido pela legislação e a partir da primeira mensagem que recebi, oferecendo cronologia completa da intimidação, é mais segura quando associada a este texto.
Procedimento seguro
Primeiro porque este texto torna a denúncia de conhecimento geral dentro dos limites naturais da extensão da audiência desta publicação e da multiplicação de cópias, incontrolável no mundo digital.
Segundo porque o documento detalhado auxiliaria as autoridades de Segurança Pública em caso de confirmação material da ameaça.
Sei que não tenho escolha preventiva mais compatível com a situação. Exceto se a Polícia Federal se dedicasse à questão. Sei que não sou importante o suficiente para que a já excessivamente demandada Lava Jato se preocupe comigo. Mas o assunto é de inteiro interesse dos federais. Tanto que já comuniquei agentes envolvidos em operações que procurem desmantelar inúmeros focos de incêndio da democracia e do interesse público.
Sei que tenho de tomar todas as cautelas possíveis e imagináveis para não ser vítima de um acidente fabricado pela imaginação doentia de quem pretende me ver fora do combate de jornalismo independente.
Álibi em gestação?
Acreditem os leitores numa questão-chave: não morrerei em acidente qualquer, banal. Se morrer, alguém me matou. Parece redundância, não é verdade? É mais que isso: é constatação prévia, é reflexão serena sobre o que aquelas mensagens deixaram patente. A olhos inocentes, aquelas mensagens nada significariam. Quem conhece as pedras dos interesses específicos saberia separar alucinação de prevenção.
Vou ter que evitar probabilidades menores ou maiores de me meter em acidentes corriqueiros do dia a dia, como eventual discussão de trânsito. Coisas desse tipo. Quem sabe pretenderiam transformar um esbarrão na calçada em que passeio com minhas cachorras em álibi para me atacar?
Há uma infinidade de possibilidades de ocorrências que descredenciariam a consumação de ameaças. Outro dia peguei o metrô na Capital e só depois me dei conta de que andei dando bobeira próximo aos trilhos sem proteção reservada às linhas mais modernas.
Sei que vão dizer que estou ficando paranoico, mas não estou não. Estou apenas me prevenindo. Tenho chave de ignição mental como mecanismo de descargo de preocupações maiores: basta que escreva sobre o que me incomoda profissionalmente (e essa intimação é puramente em função de minha atuação profissional) para que, como se fosse mágica, me desvencilhe do grau exacerbado de inquietação que o assunto me causa. Tudo vira rotina em seguida.
Madres Terezas
No fundo, no fundo, o que quero dizer com esse texto é que não adianta sugerirem medidas diferentes das que já anunciei porque qualquer alternativa que venha a ser posta em prática e que implique na nominação dos ameaçadores seria uma emenda de contrassenso pior que o soneto de suposta simplificação.
Querem saber por que? Na medida em que os próprios leitores ampliam o leque de pretensos suspeitos a me colocarem em situação delicada, quando não fatal, mais me sentirei protegido, nos limites óbvios dessa proteção. Um paradoxo que só embaralharia as possíveis investigações se não houvesse a carta na manga do colete do registro cartorial.
Já recebi inúmeras manifestações que dão conta de adversários inconformados com meus textos. Não descarto nenhum deles, embora saiba muito bem a origem da intimidação. Ao mesmo tempo, confesso, meus olhos brilham porque sinto até que ponto meus escritos são entendidos.
Se escrevesse apenas sobre as Madres Terezas, como chamava as mulheres da periferia do Grande ABC que levei aos palcos do Prêmio Desempenho para catalisar a atenção sobre temas sociais, certamente não haveria um único rifle de inquietação apontado em minha direção. Mas o jornalismo profissional inconformado não vive apenas de Madres Terezas. Há bandoleiros de todos os tipos a exigir intervenção informativa. Mais que isso: informação reflexiva. O jornalismo fastfoodiano não me agrada. Não posso afirmar que seja arma de covardes; são mais uma deformação da mídia em processo de depauperação.
Bandidos sociais
Se fosse produzir uma lista de supostos candidatos a me transformarem em vítima física, certamente passaria de uma dúzia de suspeitos. Basta uma leitura razoavelmente atenta do que escrevi, por exemplo, apenas este ano, para chegar a essa verdade. Imaginem então que, restringindo mais de 50 anos de jornalismo a apenas a última década, de mais de quatro mil textos-análises, quanto não incomodei os bandidos sociais?
Exatamente por conta da multiplicidade de agentes públicos e privados que imaginam sempre e sempre que Imprensa é algo sobre o qual deve se manter o controle a todo custo, decidi preventivamente tornar pública essa denúncia e descer a minúcias num instrumento legal, indevassável, num cartório ou onde o advogado em questão decidirá.
Ali, repito, apontarei o dedo da razão ao foco de minha preocupação. Espero que jamais o conteúdo seja tornado público e desdobre-se em ações policiais, porque, nesse caso, acho que já teria dançado.
Se alguém tiver sugestão melhor, que me aponte. Mas não se esqueça que tenho uma arma de tentativa de intimidação na minha cabeça independente e teimosamente jornalística.
Não quero ser um sequestrado virtual. Chega o que já temos nas praças por conveniências nem sempre nobres.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)