No mesmo 13 de setembro de 2004 das duas edições anteriores da newsletter Capital Digital Online enviei aos diretores, acionistas e colaboradores do Diário do Grande ABC uma sugestão de leitura. Como se sabe, estava diretor de Redação do jornal. Uma década e meia atrás o Diário do Grande ABC era muito mais robusto que hoje. Como todos os jornais impressos brasileiros. Estava ali para efetivar um projeto de cinco anos, preparado detalhadamente e aprovado pela diretoria daquela empresa.
Ao repassar o artigo abaixo, a finalidade era objetivamente clara: a pregação interna de transformações sugeridas estava sintonizadíssima com os novos ares que se respiravam no jornalismo nacional e internacional.
Edição número 15
Repasso uma leitura imperdível porque ajuda a explicar a atual etapa do jornalismo nacional, especialmente do jornalismo impresso. No livro "Meias Verdades", que lancei em 1º de abril do ano passado, Dia Internacional da Mentira, exponho e analiso vários cases produzidos por um jornalismo à deriva e contra o qual sempre me opus.
Nosso Diário cabe perfeitamente no figurino que segue abaixo. Até porque, foi o principal foco dos cases de "Meias Verdades". É por essas e outras que sou amplamente favorável a um Conselho Federal de Jornalismo sem qualquer vínculo com esferas governamentais, mas estreitamente relacionado à nossa categoria profissional. Com direitos e responsabilidades bem dosados no campo trabalhista, funcional e social.
Notícia não é commodity
ROBERTO MÜLLER FILHO*
A crise da mídia, a mais grave de que se tem notícia no Brasil, além dos riscos de perda da identidade e de uma internacionalização selvagem, meteu as empresas de comunicação numa armadilha. Acabaram-se os sonhos da paridade do real com o dólar e as fantasiosas projeções de crescimento acelerado da economia e da renda, que eram alimentados pela crença de que bastava ao governo fazer direito a lição da austeridade fiscal para que o mercado resolvesse tudo por si.
"Surpreendidos" pelo fato, os dirigentes das emissoras de TV e rádio, dos sites na internet, das revistas e dos jornais, fizeram da pior forma possível a reestruturação que deveriam ter praticado se não tivessem sido vítimas de uma espécie de colonialismo ideológico -- patologia que, de resto, acomete boa parte da elite política e empresarial brasileira.
Ao serem atropelados pelo inevitável esgotamento do modelo de crescimento excessivamente baseado no endividamento externo, os gestores da mídia brasileira atiraram com chumbo grosso e ceifaram as redações sem nenhum critério.
Ironicamente, agiram como os governos bem-comportados que abrem mão de tudo diante das exigências do superávit primário e passam a tesoura atabalhoadamente na tentativa de sair do vermelho. Com isto, depreciaram ainda mais seus ativos e viram crescer ainda mais os indicadores de queda de audiência e de leitores. Aturdidos por este festival de equívocos, caíram na armadilha da apropriação atrabiliária do avanço tecnológico e, na ânsia de produzir mais e mais reduções de custos, confundiram tomada com focinho de porco: tomaram convergência de mídias por pasteurização de conteúdo dos veículos.
Não perceberam que a saída, quando houver, se dará pelo adensamento da qualidade e da multiplicidade de oferta, num mercado farto de informações, mas estranhamente carente de opções. A oferta abundante de notícias, extraordinariamente propiciada pela internet, não deve levar à simples reprodução do que é colhido, sem diferenciação de veículo. O resultado tem sido a mesmice do conteúdo do jornalismo nos diversos meios e a asfixia da pluralidade.
Notícia não é commodity, para ser vendida in natura. Deve ser tratada e distribuída em função do veículo, da periodicidade e do mercado a que se destina. A busca da diversidade implica a obstinada especialização de jornalistas e veículos e suas editorias que, agora, precisam também -- e não apenas -- dominar o manejo de diversas mídias para se aproveitarem das vantagens do avanço tecnológico e, assim, livrarem os consumidores da chatice a que têm sido submetidos. E a tendência é piorar.
A audiência vai continuar caindo. Basta constatar: quem vê noticiário na internet, não precisa do rádio, nem telejornal ou do jornal do dia seguinte, e muito menos de revistas, sempre que estes veículos se esquecerem de dar, cada um a seu modo, o passo adiante na busca do desdobramento da informação e da reflexão sobre elas.
Para o bem ou para o mal, isto talvez ajude a explicar o sucesso, em meio à crise, das editoras dedicadas a publicações especializadas. Vale a pena refletir sobre isto: a renda segue caindo, mas muitas revistas sobre assuntos científicos, de História, Educação, por exemplo, conseguem crescer em venda em bancas e em número de assinantes.
*Roberto Müller Filho é jornalista, vice-presidente da editora Segmento e professor convidado das Faculdades Campinas (Facamp).
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