Na edição de 11 de maio de 2011 (portanto há mais de oito anos) fiz uma pergunta central na manchetíssima do texto que preparei para esta revista digital. “Quer ser acionista de CapitalSocial? Então se prepare para as cláusulas”. Como previ, não houve interessados. E não houve interessados porque as regras básicas do jornalismo que alinhavei como condição essencial à empreitada ferem interesses de quem observa a cena regional com vieses individuais ou grupais.
Vou reproduzir alguns trechos daquele texto para que os leitores possam entender aonde quero chegar. Modelos do Primeiro Mundo de financiamento de publicações, quer como acionistas quer como leitores com interesse público, jamais se reproduzirão não só no Grande ABC provincial, mas no Brasil como um todo. Até, claro, que a maturidade social seja regra, não exceção. Vejam, portanto, alguns trechos daquele artigo:
Embora não acredite no sucesso da empreitada, porque há condicionantes que afastam a maioria de eventuais investidores, decidi tornar público o resultado de um assédio aqui, outro ali, sobre a possibilidade de transportar CapitalSocial à plataforma de revista impressa. Descrente da possibilidade de reunir um grupo de investidores que tenham a cidadania e a regionalidade do Grande ABC como prioridades, vou em frente nessa proposta mais como descargo de consciência. Ninguém poderá dizer que não teve oportunidade para participar de um projeto já vitorioso.
(...) Estou certo de que CapitalSocial impressa seria apropriada ao acasalamento com a versão digital, porque essa é uma tendência cada vez mais fluente no mercado editorial globalizado. O físico e o eletrônico se entrelaçam. No caso dos jornais, chegará o dia em que possivelmente a materialidade ganhará formas bem diferenciadas das atuais, transformando-se em sinalizadores de conteúdos mais nobres e acessíveis. No caso de revistas, a complementaridade já se dá de forma mais estreita. A diferença em relação ao que proponho é que no caso de CapitalSocial haveria uma inversão, com o digital abrindo alas ao material, mas no fundo, no fundo, nem inversão ocorreria. CapitalSocial é simplesmente uma extensão do histórico editorial da revista LivreMercado.
As cláusulas pétreas
Em seguida, naquele texto, estabeleci o que chamei de cláusulas pétreas da linha editorial da publicação, à qual sou entusiástico defensor, propagador e multiplicador de satisfação, não um sequestrado. Vejam as condicionantes que afastaram eventuais interessados, mas que, numa sociedade comprometida com o futuro, seriam possivelmente o mínimo a estabelecer. Reparem:
Aspectos sociais
1. Olhar permanente aos desvalidos, principalmente agentes sociais que atuam nas periferias do Grande ABC. As chamadas Madres Terezas e Freis Galvão.
2. Desprezo absoluto ao colunismo social de celebridades, uma fonte eterna de badulaques egocêntricos.
3. Construção de biografias de gente que faz o Grande ABC principalmente longe das manchetes sempre seletivas, protecionistas e compensatórias.
4. Tratamento responsável à infraestrutura social do Grande ABC.
5. Produção de reportagens e análises que desvendem e ajudem a solucionar problemas crônicos da sociedade.
Aspectos econômicos
1. Desbaratamento completo de falsas mensagens que procuram vender a economia do Grande ABC pela ótica do triunfalismo.
2. Comedimento e equilíbrio nas questões que envolvem capital e trabalho.
3. Desenvolvimento de estudos e análises econômicas que deem suporte a políticas públicas e privadas.
4. Avaliação criteriosa de anúncios de investimentos de forma a não ser levado pela onda de interesses nem sempre claros.
5. Análise crítica de investimentos públicos e suas consequências no tecido social e econômico da região. Sem salvacionismos do tipo trecho sul do Rodoanel.
6. Reconstrução de um processo de coletivismo que tenha nas entidades empresariais e sindicais agentes de modernização das relações com a sociedade como um todo.
Aspectos políticos
1. Menos protagonismo de siglas partidárias e prioridade total a uma agenda que valorize tanto as atividades econômicas quanto sociais e institucionais.
2. Análises eleitorais baseadas em ferramentais estatísticas confiáveis, entre outros elementos.
3. Fuga da rede de intrigas que trabalhe com subjetividades.
4. Enquadramento de informações estatísticas que deem sustentação a análises fora da órbita do governo de plantão.
5. Prioridade total a tudo que se referir à regionalidade do Grande ABC, sem deixar-se cair na rede de grandiloquências que já se provaram frágeis.
Prática da teoria
Observaram os leitores que não existe nenhum bicho-papão a interditar a interlocução com eventuais investidores? Nem fantasia. Tudo que está aí foi aplicado ao longo de duas décadas na revista LivreMercado. E segue aplicado nesta revista digital. Sem tirar nem por.
Escrevo a propósito porque, entre outros fatores, para deixar claro que tenho resistido a eventuais tentativas de produzir jornalismo fora do esquadro ético e moral exposto naquele texto. Não há preço que pague qualquer desvio.
Mais ainda: como aquele texto já completou oito anos, é possível que, diante de eventual interesse de um grupo de cidadãos preocupados com as próximas gerações, decida fazer uma releitura do material e aperfeiçoar o encaixe de cidadania responsável.
Escrevo a propósito porque estou alinhavando os pontos fundamentais dos últimos 30 anos de jornalismo que pratico no Grande ABC, tendo como ponto de partida o lançamento de LivreMercado, primeiro em forma física de tabloide em março de 1990 e, em seguida, quando se transformou também fisicamente em revista, em novembro de 1996.É claro que o período anterior, que começa em 1966 em Araçatuba, tem razoável peso no alicerce profissional.
Como não existe no Grande ABC, ao que parece, ninguém com tempo, disposição, liberdade e tudo o mais para fazer uma varredura conceitual de LivreMercado e de CapitalSocial, que sintetizam os 30 anos, nada melhor que eu mesmo meter a mão na massa. Não vou me dar moleza, porque jamais me dei.
Jornalismo econômico
De tudo que possam falar sobre esse jornalista, para o bem e para o mal, porque nunca fugi de qualquer coisa que merecesse o contraditório, talvez o que considero mais importante para efeitos históricos, por assim dizer, é que introduzi no jornalismo regional brasileiro o que existe de mais valioso no campo da economia.
Contraditoriamente, o Grande ABC pujante dos anos de industrialização fértil, e que, portanto, exigia cobertura jornalístico-econômica forte, foi solenemente desprezado pelo principal veículo de comunicação, o Diário do Grande ABC.
Quando lancei LivreMercado, o pressuposto de jornalismo voltado ao empreendedorismo estava no topo de objetividade. Os anos seguintes abriram veredas em outras áreas, tornando a empreitada muito mais abrangente, portanto, e enriquecedora da cultura produtiva.
Desconfiança e ceticismo
Não tenho esperança, expectativa ou algo que o valha quanto à resposta positiva aos pressupostos de conquistar acionistas para o projeto deste jornalismo independente. E, no fundo, nem interesse tenho mais.
As prioridades se alteram na medida em que a corrida contra o relógio da vida se torna mais importante. Nos últimos 11 anos sem LivreMercado minha vida pessoal melhorou sensivelmente e minha vida profissional ganhou tessitura de seletividade produtiva extraordinária.
Ou seja: meu terceiro e último ciclo de vida biológica é melhor do que poderia imaginar depois de o primeiro, até os 30 anos, ter sido extraordinariamente didático e o segundo, nos 30 anos seguintes, entregar-me como leão faminto à construção de alicerces que me levassem à etapa seguinte sem grandes atropelos.
Por essas e outras, quero mesmo é seguir por aqui, sentindo o pulsar da sociedade em contatos pessoais e nas redes sociais. Ainda não joguei a toalha quanto à fragilidade institucional do Grande ABC. Mas, diferentemente de outros tempos, a desconfiança no passado cedeu espaço a algo mais consistentemente sólido, no caso um ceticismo indispensável para quem quer entender o mundo sem mistificações e autoenganos.
Vi no passado tantos lançamentos de filmes regionais que se repetem agora como farsas que tenho o direito inalienável de produzir alertas geralmente em forma de cruzados nocauteadores, porque tudo é muito previsível.
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