Imprensa

Espetáculos de
primeira classe

DANIEL LIMA - 05/06/2001

A figura mitológica de Fênix – a ave que renasceu das cinzas – é a melhor representação para o que os empresários Vitório Dal’Mas e Carlos Rosset esperam do Victória Hall. A casa de shows aberta em outubro do ano passado e que já trouxe a São Caetano famosos como Almir Sater, Família Lima, Tom Cavalcante, Emílio Santiago e Pepino de Capri representa tentativa de dar a volta por cima em um dos maiores golpes na cultura popular do Grande ABC, como pode ser definido o fechamento do Cine Vitória, o último cinema de rua da região, que funcionou no mesmo espaço de 1953 a 1997.

Vitório e Carlos mantêm olhos atentos na programação musical, no conforto dos espectadores e nas estratégias de marketing para o que o Victória Hall não tenha o mesmo desfecho do cinema que sucumbiu diante dos modernos multiplex instalados em shoppings. “A frequência tem sido boa pelos olhos de quem está fora, mas ainda precisa melhorar bastante para que as receitas superem as despesas operacionais. Estamos arcando com prejuízos na esperança de que o Victória Hall tenha nome consolidado no circuito brasileiro de show biz num futuro próximo” – confia o sócio Carlos Rosset, experiente produtor musical que investiu R$ 800 mil na montagem em parceria com Vitório Dal’Mas, proprietário do imóvel. Carlos é responsável pela programação social da ADC General Motors há 25 anos, entre outros clubes do Interior de São Paulo, e já empresariou as cantoras Elza Soares e Maria Alcina, além do grupo Originais do Samba.

Carlos Rosset explica que é preciso vender pelo menos 800 ingressos do total de 2.060 lugares para atingir receitas que cubram as despesas relacionadas à promoção de shows. A ocupação mínima de 40% é obrigatória porque de 60% a 70% da bilheteria são repassados aos artistas, de acordo com sistema que se tornou praxe nesse mercado. O Victória Hall fica com 30% ou 40% do faturamento bruto para custear divulgação, locação de equipamentos de som, produção e recursos humanos próprios e terceirizados, como seguranças e atendentes de bilheteria.

“Apenas alguns shows superam a barreira dos 40%, como o da banda de rock nacional Ira! e do humorista global Tom Cavalcante. A maior parte não deu retorno na dimensão necessária” – explica Carlos Rosset. “Não é muito diferente do mercado cinematográfico, no qual as distribuidoras ficavam com 60% do faturamento nas bilheterias” – lembra Vitório Dal’Mas.

Ao gosto brasileiro – A necessidade de empinar índices de ocupação levou os empreendedores a modificar a disposição do espaço. Antigas poltronas de cinema estão sendo substituídas por conjuntos de mesas e cadeiras para adaptar o Victória Hall ao layout de famosas casas de espetáculos paulistanas como Via Funchal e Olímpia. As mesas serão dispostas em três níveis de piso para favorecer a visibilidade dos espectadores. O primeiro nível já foi construído e a previsão é de que os três fiquem prontos em 80 dias. As obras avançam de forma gradual e planejada para que não haja necessidade de interromper a programação de espetáculos. “Fileiras de poltronas compõem um formato comum na Broadway” – afirma Carlos Rosset, que já fez várias visitas à meca de show biz internacional. “Mas vamos nos adaptar ao público brasileiro, que não abre mão de bebericar antes e durante os shows” – explica.

Conjuntos de mesas e cadeiras ocupam mais espaço que poltronas, mas o Victória Hall não terá capacidade reduzida porque estão planejados mezaninos laterais para compensar perdas no salão principal. Além de mil lugares no salão principal e 680 no mezanino superior, outros 380 serão criados nos mezaninos laterais. A readequação espacial consumirá investimento de R$ 220 mil e contempla também espaço para pista de dança.

“As mesas e cadeiras poderão ser removidas para acolher shows de rock com até quatro mil pessoas” – comenta Carlos Rosset. Ele ressalta o nicho juvenil com base no estrondo pelo Ira!, que reuniu três mil pessoas em duas apresentações num mesmo fim de semana. Estrondo em todos os sentidos, já que mais de 50 poltronas foram danificadas. “Os roqueiros gostam de prestigiar os ídolos de pé” – comenta Vitório Dal’Mas Neto.

A flexibilidade do espaço interno prepara o Victória Hall para outros tipos de eventos como festas de formatura e convenções empresariais, cuja demanda fica concentrada nos dias úteis. “Já sediamos mais de 15 colações de grau” – destaca Carlos Rosset. A expectativa de engrossar receitas com venda de bebidas e salgadinhos é outra implicação lucrativa da nova disposição interna. Com mesas servidas por garçons, a tendência natural é que os espectadores cheguem com antecedência para bate-papos regados a cerveja, uísque e tudo o mais que torne uma noite agradável e gere receitas sempre bem vindas ao empreendimento.

Manter cheio o prédio de 3,4 mil metros quadrados instalado na Rua Baraldi é desafio permanente para a saúde financeira do negócio, que ainda não dispõe de respaldo de grandes patrocinadores. Com investimento de organizações interessadas em marketing cultural, o Victória Hall poderia abater custos com divulgação, que consome boa parte das receitas. Vitório e Carlos acenam com contrapartida de exposição da marca do patrocinador no interior e na fachada do prédio, além de impressão nos convites e chamadas nos meios de comunicação. “Além disso, os investidores usufruem da Lei Rouanet para dedução de impostos” – lembra Carlos Rosset.

Parceiros – O Victória Hall já tem parceria com algumas empresas para abater custos operacionais. Contratos com hotéis cobrem estadias de artistas, por exemplo. Equipe de três colaboradores está empenhada em buscar patrocínios mais substanciais, como os que dão suporte às casas de espetáculos paulistanas. Carlos Rosset acredita que o Victória Hall não deixa nada a desejar em termos estruturais. Na reforma de R$ 800 mil que se arrastou por 12 meses foram criados palco com 170 metros quadrados, 16 camarotes com capacidade total para 120 pessoas, dois telões laterais, além de aparato de iluminação. A acústica é privilegiada porque o prédio foi concebido como cineteatro há mais de quatro décadas. O investimento inicial somado à reconfiguração espacial ultrapassa R$ 1 milhão.

A preocupação com detalhes é mais que justificável para quem testemunhou a debaclê de um dos mais antigos cinemas de rua do Grande ABC e um dos maiores do Estado, em 1996. Inaugurado com Salomé, estrelado pela belíssima Rita Hayworth, em setembro de 1953, o Cine Vitória foi símbolo de uma época mais inocente e menos conturbada, quando sair de casa para assistir filmes tinha um quê de ritual. “As pessoas se vestiam impecavelmente para ir às sessões. Aos homens era obrigatório o uso de gravata. O momento de ir ao cinema era mágico, especial” – afirma Atílio Santarelli, aficionado pela história dos cinemas de rua que tem sala de exibição montada na própria casa, na Vila Gerty, em São Caetano. A paixão de Atílio pelas grandes e luxuosas salas de projeção vem desde a infância, quando acompanhava o pai em cinemas que a família teve no Grande ABC. “As salas de hoje não têm graça. São pequenas e desprovidas do glamour de antigamente. Nem a cortina vermelha existe mais” – protesta. À opinião de Atílio Santarelli, Vitório Dal’Mas acrescenta: Não as chamo de cinema, mas salas de projeção”.

Sob contexto estritamente romântico Atílio Santarelli tem razão, mas o fato é que os dinâmicos cinemas multiplex que aportaram no Brasil na década de 90 representaram golpe fatal nos conservadores concorrentes de rua. Com capacidade de exibir três ou quatro lançamentos simultaneamente em várias salas menores e instaladas em shopping centers com farto estacionamento e segurança, os multiplex deixaram cinemas de rua à mingua. Só no Grande ABC existiram mais de 20. O Cine Vitória apagou as luzes dessa era na região. Poucos resistem em todo o País. “Os norte-americanos passaram a dominar não apenas a cinematografia com os produtos de Hollywood, mas também as salas de exibição” – comenta Vitório Dal’Mas, referindo-se à gigante Cinemark. Sobre as cinzas do Cine Vitória o Victória Hall pretende voas mais alto.             



Leia mais matérias desta seção: Imprensa

Total de 1884 matérias | Página 1

13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)
11/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (32)
08/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (31)
06/11/2024 Maioria silenciosa sufoca agressão de porcos sociais
06/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (30)
04/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (29)
31/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (28)
29/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (27)
28/10/2024 OMBUDSMAN DA SOLIDARIEDADE (2)
25/10/2024 OMBUDSMAN DA SOLIDARIEDADE (1)
24/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (26)
21/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (25)
18/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (24)
16/10/2024 PAULINHO SERRA É PÉSSIMO VENCEDOR
15/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (23)
11/10/2024 MEIAS-VERDADES E MENTIRAS NA MIRA
09/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (22)
03/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (21)
01/10/2024 CARTA ABERTA AOS CANDIDATOS